Eleições na Noruega: a esquerda ganhou. E agora?

18 de setembro 2021 - 23:32
PARTILHAR

Depois de oito anos de governos da direita, a esquerda venceu as eleições. Mas fica por saber se a viragem se vai traduzir tanto na formação de um novo executivo como na sua prática. Por Jorge Martins.

Parlamento norueguês. Oslo. Foto de Dmitry Valberg/Flickr.
Parlamento norueguês. Oslo. Foto de Dmitry Valberg/Flickr.

As eleições legislativas realizadas na passada segunda-feira, na Noruega, saldaram-se por um triunfo claro dos partidos do centro-esquerda e esquerda, após oito anos de governos de coligação de direita. No entanto, resta agora saber se essa viragem à esquerda terá uma efetiva tradução, tanto na formação do novo executivo como na sua prática.

Uma monarquia constitucional

A Noruega é uma monarquia constitucional hereditária, dotada de um sistema parlamentarista.

O/a monarca é, em grande parte, uma figura decorativa, cujo papel é, essencialmente, simbólico e cerimonial, apenas assumindo um papel político em caso de grave crise nacional.

Na verdade, o essencial do poder executivo reside no governo, presidido por um primeiro-ministro, formalmente designado pelo/a monarca, mas dependente da maioria parlamentar.

O Parlamento (Storting) é o órgão legislativo. É unicameral, sendo constituído por 169 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, através de um sistema proporcional, para um mandato de quatro anos.

Administrativamente, dividia-se em 19 condados (fylker), dotados de um conselho regional eleito. Em 2017, o governo conservador levou a efeito uma reforma administrativa, concretizada no início de 2020, com a fusão de alguns deles, reduzindo o seu número para 11. Contudo, três dessas fusões foram alvo de contestação popular e é possível que o novo executivo as venha a reverter.

Um sistema eleitoral algo original

O sistema eleitoral norueguês possui alguns aspetos que o tornam diferente de outros próximos.

Assim, dos 169 parlamentares, 150 são eleitos em 19 círculos plurinominais, correspondentes aos antigos condados. Contudo, a distribuição dos mandatos pelas circunscrições tem por base, não apenas a população, mas também a superfície de cada círculo. Assim, para esse efeito, cada habitante conta um ponto e cada Km2 vale 1,8. Esta fórmula de cálculo favorece as áreas rurais menos povoadas do Norte do país, onde as difíceis condições climatéricas conduzem à existência de densidades populacionais muito reduzidas.

Para atenuar essas distorções à proporcionalidade, existem 19 mandatos compensatórios. Estes são atribuídos com base no resultado nacional de cada partido. Para aceder a estes, existe uma cláusula-barreira, correspondente a 4% dos votos válidos. Os mandatos conquistados por cada força política nos círculos regionais são descontados, pelo que uma formação que obtenha um número de lugares ao nível das regiões igual ou superior ao que lhe cabe na totalidade conserva-os, mas não recebe mandatos compensatórios. Também um partido que não ultrapasse a cláusula-barreira, mas tenha eleito representantes nas circunscrições, mantê-los-á. Um aspeto muito interessante é o facto de os 19 mandatos de compensação serem atribuídos a cada um dos 19 distritos eleitorais, evitando, assim, a predominância de representantes da capital que tende a caracterizar os círculos nacionais.

Tanto nos círculos regionais como na atribuição dos mandatos compensatórios é utilizada uma versão modificada do método de Saint-Laguë. Originalmente, este utiliza divisores ímpares (1, 3, 5, 7, 9, …), ao contrário do método de Hondt, que se baseia na divisão de números sucessivos (1, 2, 3, 4, 5, …). Por isso, aquele é mais amigo dos partidos de menor dimensão que este último. Na Noruega, o primeiro divisor é 1,4 (valor aproximado da raiz quadrada de 2), o que dificulta a conquista de lugares pelos pequenos partidos, embora a fórmula se mantenha favorável aos de média dimensão.

De acordo com a Constituição, as eleições legislativas realizam-se, obrigatoriamente, a cada quatro anos, numa 2ª feira de setembro, não havendo lugar ao mecanismo de dissolução parlamentar e à realização de eleições antecipadas. Por isso, em caso de crise política, a solução tem de ser encontrada no interior do Parlamento.

O contexto político

A Noruega é um dos países mais ricos e prósperos do mundo, possuindo o mais elevado valor no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador composto, que tem em conta a saúde (através da esperança de vida), a educação (pelos níveis de escolaridade e a taxa de analfabetismo) e o rendimento (PIB por habitante em paridade do poder de compra).

Aquando da sua independência da Suécia, em 1905, era uma sociedade acentuadamente rural e relativamente pobre, que vivia bastante da pesca e da agricultura (nas zonas meridionais, mais temperadas). Mas, rapidamente, se industrializou e o nível de vida melhorou acentuadamente.

Ocupada pela Alemanha nazi durante a 2ª guerra mundial, reergueu-se rapidamente. O partido trabalhista, que governou com maioria absoluta nas duas décadas seguintes ao pós-guerra e com maioria relativa até ao início dos anos 80, ergueu um generoso Estado Social, que criou uma sociedade razoavelmente igualitária.

A chegada ao poder da direita, em 1981, levou à implementação de reformas regressivas, que os governos trabalhistas posteriores não reverteram, mas a verdade é que o sistema social norueguês continua a ser invejável no contexto mundial.

A descoberta de petróleo no mar do Norte, nos anos 60, e o início da sua exploração, em finais do século passado, contribuiu para o aumento da riqueza do país, que se tornou num dos mais ricos do mundo, ultrapassando os seus vizinhos suecos. O país teve o bom senso de colocar uma parte das receitas do petróleo num fundo soberano, de forma a prevenir o futuro após o seu esgotamento. Ao mesmo tempo, deixou de ter dívida externa, passando a ter “superavit”. Contudo, a exploração petrolífera teve o seu reverso na degradação ambiental das regiões costeiras.

Desde 2013 que o país era gerido por uma coligação de direita, dirigido pela líder dos conservadores, Erna Solberg. Após o seu triunfo nas legislativas de 2017, esta estabeleceu uma coligação com o Partido do Progresso, da direita populista, e os liberais, no início do ano seguinte. Em 2019, os democrata-cristãos entraram no executivo, que passou, assim, a integrar os quatro partidos da direita, algo que não sucedia desde 1985. Contudo, em janeiro de 2020, os populistas deixaram o governo, mas mantiveram-se na maioria parlamentar, evitando, assim, uma crise política.

A campanha eleitoral girou muito à volta do futuro da exploração do petróleo, em especial tendo em conta as alterações climáticas e a necessidade de uma transição energética, que ponha de lado os combustíveis fósseis. A maior sensibilidade da esquerda para a questão ambiental terá sido o principal fator explicativo do seu triunfo esmagador nestas eleições.

Análise dos resultados

O Partido Trabalhista (Ap), liderado por Jonas Gahr Støre, foi o mais votado nestas eleições, algo que acontece, invariavelmente, desde 1927. Apesar disso, experimentou uma pequena descida, tendo obtido 26,3% dos votos e 48 parlamentares, quando, em 2017, havia conseguido 27,4% e 49 lugares. Contudo, os bons resultados dos seus aliados mais que compensaram essa ligeira quebra.

Trata-se de um partido social-democrata, fundado em 1887, como formação socialista revolucionária, de raiz marxista, desde sempre com ligação aos meios operários e sindicais. Concorreu pela primeira vez às eleições em 1894 e foi vendo o seu apoio crescer, em especial devido ao grande investimento em jornais e outras publicações impressas, num país que desde cedo ganhou elevados índices de alfabetização, em grande parte devido ao protestantismo, religião cristã para a qual a interpretação da Bíblia é fundamental.

A instauração do sufrágio universal (masculino em 1898 e feminino em 1913) facilitou o crescimento dos trabalhistas. Entre 1918 e 1923, integrou a Internacional Comunista. Após ter abandonado esta e assumido uma linha reformista social-democrata, alguns membros da sua ala esquerda abandonaram a formação e fundaram o Partido Comunista Norueguês (NKP).

Em 1927, o Ap foi o mais votado e constituiu o seu primeiro governo no ano seguinte, mas este foi derrubado por uma coligação do centro e da direita duas semanas depois. Em 1935, formou um executivo minoritário com o apoio dos centristas, que seria derrubado, em 1940, pelo golpe do fascista Vidkun Quisling, que precedeu a invasão e posterior ocupação por parte da Alemanha nazi.

No pós-guerra, os trabalhistas governaram com maioria absoluta até 1961 e, com exceção de um curto período no final dos anos 60, em coligação com outras forças políticas, até 1981. Nesse período, constituíram um generoso Estado Social, com serviços públicos universais e gratuitos, uma segurança social robusta e um sistema fiscal altamente progressivo e redistributivo, o que gerou uma das sociedades mais prósperas e igualitárias do mundo.

As crises económicas dos anos 70 colocaram em crise o modelo nórdico e, em 1981, a direita venceu as eleições, iniciando um conjunto de reformas regressivas nos planos económico, social e fiscal.

No final da década e na seguinte, os governos trabalhistas minoritários de Gro Harlem Brundtland continuaram as políticas de privatizações e de redução da progressividade fiscal iniciadas pelos conservadores, embora tenham introduzido as questões ambientais e de igualdade de género no seu programa de ação.

Mas foi sob a liderança de Jens Stoltenberg, atual secretário-geral da NATO, que o partido se converteu ao neoliberalismo. Assim, durante o seu primeiro governo, em 2000 e 2001, levou a efeito um número recorde de privatizações, bem como a introdução de taxas moderadoras nos serviços de saúde, que afastaram muito do seu eleitorado tradicional. Apesar de não ser contra a imigração, os seus governos levaram a efeito, entre 2005 e 2013, políticas mais restritivas nesse campo, de forma a agradar à sua base operária.

O seu atual líder e futuro primeiro-ministro, Jonas Gahr Støre, antigo assessor de Brundtland e ministro dos negócios estrangeiros e da saúde de Stoltenberg, pertence à mesma corrente.

Desde 1948, o partido assumiu o apoio aos EUA na “guerra fria” e é abertamente pró-NATO. A sua direção apoia a adesão do país à UE, tendo apelado ao “sim” nos referendos de 1972 e 1994, mas existe, no seu seio, uma ala esquerda fortemente eurocética, que fez campanha pelo “não” em ambas as consultas.

O Ap é uma força política bem implantada em todo o país, tendo vencido em 12 dos 19 círculos eleitorais. Contudo, tem a sua maior força nas áreas mais industrializadas do Sueste do país, tendo obtido o seu melhor resultado no círculo de Oppland (35,2%). É, igualmente, forte nas regiões mais setentrionais, menos prósperas e mais dependentes das ajudas do Estado.

Ao invés, é mais fraco nas zonas rurais e piscatórias do Sul e Sudoeste, igualmente mais religiosas, com a sua pior prestação a ocorrer no círculo de Møre e Romsdal, no Oeste (20,1%).

Em segundo lugar, ficou a Direita (H), designação do partido conservador norueguês, sob a liderança da primeira-ministra Erna Solberg. Os conservadores sofreram uma clara derrota, tendo-se quedado por 20,4% dos votos e 36 mandatos, quando haviam chegado aos 25,1% e 45 parlamentares quatro anos antes.

A sua designação remonta à época da sua fundação, em 1884, quando a vida política estava polarizada entre conservadores (direita) e liberais (então, a esquerda). Então, representava os setores mais conservadores da sociedade, ferrenhamente monárquicos, que se opunham ao parlamentarismo, ao sufrágio universal, às liberdades cívicas, ao laicismo e à escola pública, mas, após a introdução destes, foi moderando as suas posições.

No período de entre guerras, procurou formar coligações de centro-direita que se opusessem à ascensão fulgurante dos trabalhistas, mas, a partir dos anos 30, falhou os seus propósitos.

Após a guerra, assumiu as posições tradicionais do centro-direita europeu, como a redução da intervenção do Estado na economia e da despesa pública, bem como da carga fiscal sobre os mais ricos e as empresas e a sua oposição às nacionalizações, que se tornou no favorecimento das privatizações a partir dos anos 80. Apesar disso, e a exemplo de outras formações da direita norueguesa, não coloca em totalmente em causa o Estado Social e o chamado “modelo nórdico”.

Embora defenda, retoricamente, os valores cristãos e os direitos da Igreja da Noruega (protestante luterana) como oficial, é relativamente secular e tolerante em matéria de costumes, em especial nas questões do aborto e do casamento LGBT, adoção incluída, que votou favoravelmente em 2008.

A nível internacional, é abertamente pró-NATO e é o único dos maiores partidos do país que é quase unanimemente pró-UE, tendo apoiado o “sim” nos dois referendos realizados sobre a questão da adesão.

É uma formação liberal-conservadora, que tem o seu principal apoio nas entre os mais ricos, em especial nas cidades, e nos meios empresariais e financeiros.

Daí que tenha o seu maior apoio nas zonas urbanas, tendo vencido em cinco circunscrições, entre as quais a capital, Oslo, onde é tradicionalmente forte. Contudo, foi no vizinho círculo de Akershus, a parte mais próspera da área metropolitana daquela, que obteve a sua melhor votação (27,4%). Tem, ainda, alguma implantação em algumas cidades do Sul e Sudoeste, como Kristiansand, Stavanger e Bergen, tendo ganho as circunscrições onde elas se inserem.

Em contrapartida, tem fraca implantação nas regiões árticas, tendo tido o seu pior desempenho na mais setentrional de todas, Finnmark, onde se quedou por uns modestos 6,8%.

O grande ganhador destas eleições foi o Partido do Centro (Sp), liderado pelo ministro da agricultura, Trygve Slagsvolg Vedum, que obteve 13,5% dos votos e elegeu 28 deputados, uma subida face aos 10,3% e 21 lugares do último ato eleitoral.

Estamos em presença de um partido agrário, fundado em 1920 como Partido dos Agricultores (Bp), com o objetivo de defender os interesses do campo, que se ia esvaziando em favor das cidades.

De cariz tradicionalista, atraiu alguns elementos nacionalistas. Esteve no poder entre 1931 e 1933, tendo nos seus governos, como ministro da defesa, Vidkun Quisling, apesar de este nunca ter sido membro do Sp. No ano seguinte, aquele formou o partido fascista Assembleia Nacional (NS), levando consigo os militantes da ala nacionalista do partido.

Em 1936, apoiou o executivo trabalhista e, após a invasão alemã, teve um dos seus membros no governo exilado em Londres.

Depois da guerra passou à oposição e, em 1959, mudou o nome para a atual designação, face à diminuição crescente do número de agricultores, e chefiou os governos de centro-direita no final dos anos 60.

Entre 2005 e 2013, participou nos executivos de Stoltenberg, coligado com os trabalhistas e os socialistas de esquerda.

É partidário de uma economia social de mercado. Opõe-se ao liberalismo, sendo um defensor acérrimo do nacionalismo económico e do protecionismo. Assim, é favorável à imposição de elevadas taxas alfandegárias aos produtos agrícolas provenientes do exterior. Por esse motivo, embora seja pró-NATO, é abertamente anti-UE, tendo estado na linha da frente da campanha do “não” em ambos os referendos, advogando, ainda, a saída do país do Espaço Económico Europeu (EEE). É, igualmente, defensor de uma maior descentralização, de forma a dar mais poder às populações rurais. Afirma-se defensor dos valores cristãos e humanistas e assume a defesa do ambiente, embora seja favorável à caça e à pesca.

Se, no século XX, o seu tradicionalismo o aproximou da direita, no chamado “bloco burguês”, desde o início do século que se aproximou do “bloco vermelho”, devido à sua oposição ao neoliberalismo.

Como seria de esperar, concentra a maior parte do seu apoio nas áreas rurais do país e em algumas zonas piscatórias. O seu melhor resultado foi obtido no círculo de Trøndelag Norte (29,1%), onde ficou atrás dos trabalhistas, mas venceu no de Sogn e Fjordane, com 28,7%.

Sem surpresa, a sua implantação nas zonas urbanas é fraca, em especial em Oslo, onde se quedou nuns modestíssimos 3,1%.

Em quarto lugar, ficou o Partido do Progresso (FrP), liderado por Sylvi Listhaug, ministra da energia e do petróleo, um dos grandes derrotados destas eleições, que não foi além de 11,6% dos votos e 21 lugares, quando, há quatro anos, obtivera 15,2% e 27 mandatos.

Este é uma formação da direita populista, nacional-conservadora. É ultraliberal na economia, sendo favorável à redução dos impostos e do setor público, que acusa de ser responsável pela burocracia existente. Porém, se, em matéria económica, defende um Estado mínimo, em questões de segurança defende um Estado forte, com reforço das forças armadas e da polícia e um controlo rígido sobre a imigração extraeuropeia.

Na realidade, existem, no seu seio, duas fações: a libertária e a nacional-conservadora, que se vão enfrentando periodicamente. As diferentes posições sobre a UE e o casamente e adoção por casais LGBT são sinónimo dessa tensão. Sobre a primeira, assumiu uma posição de neutralidade, incluindo no referendo de 1994, mas, a partir de 2016, passou a ser contrário à adesão. Na segunda, foi inicialmente contra, mas passou a ser favorável em 2013.

A sua fundação data de 1973, como movimento de protesto contra a elevada carga fiscal de então, emulando o seu homónimo dinamarquês, igualmente criado naquele ano. Tem algum êxito nas eleições daquele ano, mas rapidamente se esfuma.

Em 1978, Carl Hagen assume a sua liderança e o partido volta a ganhar alguma adesão popular, dando apoio parlamentar a diversos governos da direita. Contudo, é a partir dos anos 90, com o aumento da imigração, que se torna uma força política importante, muito beneficiando do grande carisma do seu líder. O FrP atinge o seu auge na primeira década deste século, obtendo, nas eleições de 2005 e 2009, respetivamente, 22,1% e 22,9%, tornando-se, então, a segunda maior força política do país e a maior da oposição aos governos vermelho-verdes.

Porém, já sob a liderança de Siv Jensen, sofre um recuo significativo em 2013, embora, ironicamente, seja aí que, pela primeira vez, ascenda ao governo, em coligação com os conservadores. A sua líder fica com a pasta das finanças, que manterá até 2020, quando o partido abandona a coligação governamental, contra o apoio de Solsberg ao repatriamento de uma norueguesa que pertencera ao Daesh e da sua filha doente. Apesar disso, a assunção de responsabilidades governativas levou o partido a moderar as suas posições em matéria de imigração, apesar de a sua atual líder ter reduzido bastante o número de refugiados que entraram no país quando foi ministra da imigração.

O FrP tem o seu maior apoio nas zonas piscatórias, em especial no Oeste, Sudoeste e Sul, embora também consiga boas votações nas áreas costeiras do Norte e entre os operários das áreas industriais do Sueste. Venceu no círculo de Møre e Romsdal, na costa ocidental, onde chegou aos 22,4%, claramente a sua melhor marca a nível nacional.

Inversamente, é fraco nas áreas mais urbanas, em especial em Oslo, onde não passou dos 6,0%.

A quinta força política é o Partido Socialista de Esquerda (SV), liderado por Audun Lysbakken, ex-ministro das crianças e da igualdade no governo de Stoltenberg. Foi um dos vencedores do ato eleitoral, ao obter 7,6% dos votos e 13 lugares, contra os 6,0% e 11 mandatos de 2017.

O partido foi fundado em 1973, mas as suas origens remontam a 1961, quando um grupo de membros da esquerda trabalhista abandonou o Ap e criou o Partido Socialista Popular (SF). Nesse ano, juntaram-se à nova dissidência do Ap, os Democratas Socialistas-AIK, que apoiaram o “não” no primeiro referendo sobre a adesão à CEE, a ao partido comunista (NKP) na Liga Eleitoral Socialista. Em 1975, aquela deu origem ao SV. Embora o NKP tenha recusado a integração no novo partido, vários ex-militantes e ex-dirigentes comunistas acabaram por a ele aderir.

Do ponto de vista eleitoral, o SV teve altos e baixos, tendo ultrapassado os dois dígitos em três ocasiões (1973, 1989 e 2001). Esteve sempre na oposição até 2005, quando integrou a coligação vermelha-verde, liderada por Stoltenberg, que governou até 2013, voltando ao campo oposicionista após o triunfo da direita nesse ano.

Trata-se de uma formação da esquerda moderada, defensora de uma democracia socialista. Apoia uma maior intervenção do Estado na economia e a expansão do Estado Social, com um aumento do investimento nos serviços públicos, em especial na saúde, e da progressividade fiscal. Afirma-se republicano, feminista e ambientalista. É, ainda, favorável à diversidade cultural, à imigração e ao acolhimento de refugiados.

Ao nível internacional, é anti-NATO e anti-UE, embora exista, no seu seio, uma fação europeísta. Contudo, a sua presença no governo de Stoltenberg acabou por gerar alguma controvérsia, pois, apesar de o partido ter sido contrário às intervenções no Iraque e no Afeganistão, o executivo vermelho-verde manteve as tropas neste último, embora a oposição do SV tenha impedido o seu reforço, como pretendiam os trabalhistas. O mesmo se passou com a “luz verde” dada à intervenção inicial na Líbia.

Também o facto de, então, ter aceite a exploração de petróleo no mar de Barents, próximo do cabo Norte, suscitou críticas entre os ambientalistas.

Os socialistas de esquerda têm a sua maior base de apoio nas classes médias das regiões urbanas, em especial em Oslo, onde obtiveram o seu melhor resultado (13,3%), tendo sido a terceira força política na capital. Também possuem uma implantação razoável nas regiões árticas, em geral mais desfavorecidas.

Ao contrário, é mais fraco nas zonas rurais, em especial nas áreas mais conservadoras do Sul e do Sudoeste, tendo registado o pior resultado no círculo de Rogaland, onde se situa Stavanger, com 4,9%.

Outro grande vencedor destas eleições foi o partido Vermelho (Rødt). Sob a liderança de Bjørnar Moxnes, obteve 4,7% dos votos e oito lugares, ultrapassando a cláusula-barreira, quando, há quatro anos, se ficara pelos 2,4% e apenas um parlamentar.

Trata-se de uma formação da esquerda radical, fundada em 2007, a partir da fusão entre o Partido Comunista dos Trabalhadores (AKP), de inspiração maoista, e a Aliança Eleitoral Vermelha (RV), até 1991 uma frente eleitoral do primeiro, mas que, desde aí, se autonomizou, passando a advogar o socialismo democrático. Em 2008, os trotskistas dos Socialistas Internacionais (IS) aderiram ao novo partido.

Os primeiros tempos não foram fáceis e os resultados eleitorais dececionantes, apesar de algum descontentamento com a participação dp SV no governo vermelho-verde, o que levou à saída do seu fundador, Thorstein Dahle, e, pouco depois, da sua sucessora, Turid Thomassen. Em 2012, Moxnes, então com 30 anos, assumiu a liderança e o partido foi ganhando alguma adesão entre os mais jovens.

Em 2017, conseguiu eleger o seu líder pelo círculo de Oslo e isso deu ao Rødt uma maior visibilidade, que capitalizou neste ato eleitoral.

O partido assume-se como marxista e defende uma sociedade socialista democrática, com a preservação das liberdades cívicas (que considera compatíveis com o socialismo) e através de uma via pacífica. É adepto do aumento do setor público, com a nacionalização das grandes empresas, e do aumento da progressividade fiscal, com os impostos a taxarem, essencialmente, os mais ricos.

É abertamente anti-NATO, advogando o seu abandono, e anti-UE, sendo, igualmente, contrário à presença da Noruega no EEE, que considera antidemocrático, por, na sua opinião, violar a soberania democrática norueguesa.

O seu padrão de implantação territorial não anda longe do dos socialistas de esquerda, tendo o maior apoio nas áreas urbanas, em especial na capital, onde chegou aos 8,3%.

Nas regiões rurais, tem menos implantação, tendo o seu pior resultado ocorrido no círculo de Agder Oeste, no Sul, onde se situa a cidade de Kristiansand (3,2%).

Seguiram-se, a curta distância, os liberais da Esquerda (V), liderados pela ministra da educação, Guri Melby, que obtiveram 4,6% e igualmente oito mandatos, um resultado ligeiramente superior ao das últimas eleições, quando registaram 4,4% e o mesmo número de eleitos. Foi o único partido da coligação de direita a não sofrer perdas eleitorais.

Fundado no início de 1984, é o mais antigo do país. O seu nome, atualmente estranho, remonta, tal como a do partido conservador, à época da sua fundação, quando a grande oposição política existente era entre liberais e conservadores, com os primeiros a constituírem a esquerda e os segundos a direita, mantendo essas designações até aos dias de hoje.

Nos primeiros tempos, foi o defensor do parlamentarismo (com limitação do poder real), das liberdades cívicas, em especial de expressão e de religião, do sufrágio universal (primeiro, masculino, depois, também feminino, alinhando com o movimento sufragista) e da escola pública.

Foi o maior partido do país até aos anos 20, mas a ascensão dos trabalhistas foi esvaziando a sua importância. Entre 1935 e 1965, esteve sempre na oposição, tendo sido parceiro menor das breves coligações de centro-direita do final da década de 60. Nos anos 80, “bateu no fundo”, tendo ficado fora do Parlamento entre 1985 e 1993.

A partir daí, participou em alguns governos da direita. Após as eleições de 2013 e 2017, optou por não integrar os executivos de Solberg, limitando-se a dar-lhe apoio parlamentar. Contudo, em 2018, entrou na coligação.

Ao contrário do seu homónimo dinamarquês, que virou bastante à direita, o V norueguês manteve-se ao centro, sendo considerado uma formação social-liberal. Assim, se, do ponto de vista económico, é adepto do neoliberalismo, com menor intervenção estatal e redução da carga fiscal, é também um partido republicano e laico, muito aberto em matéria de costumes (defensor do aborto, do casamento e adoção LGBT, da eutanásia e da legalização da canábis), ambientalista e apoiante da imigração e do multiculturalismo. Foi a primeira força política do país a ter uma mulher como líder: Eva Kalstad, em 1974.

É pró-NATO e atualmente pró-UE, embora tenha apoiado o “não” em 1972, o que provocou uma cisão. Contudo, possui alguns elementos eurocéticos.

É, em geral, o partido das camadas mais abertas da burguesia urbana, pelo que é nas principais cidades que reside o essencial da sua implantação. Assim, o seu melhor resultado ocorreu em Oslo, onde chegou aos 10,0%, seguido do próspero círculo de Akershus (6,9%).

Nas zonas rurais, é débil, em especial no Norte, menos rico, tendo tido o pior desempenho na Finnmark, onde se quedou nos residuais 1,4%.

Vem, de seguida, o Partido do Ambiente Os Verdes (MDG), liderado pela relativamente jovem Une Aina Bastholm, que, apesar de ter registado uma boa subida, sai com um travo amargo destas eleições, onde obteve 3,9% dos votos e elegeu três representantes, quando, em 2017, se ficara por 3,1% e apenas um lugar. Contudo, ficou a 2500 votos dos 4,0% que lhe dariam acesso aos mandatos compensatórios.

Na linha dos partidos verdes europeus, é uma força política do centro-esquerda, defensora acérrima da prossecução de um desenvolvimento sustentável e de uma maior justiça social, sendo, igualmente, bastante tolerante em matéria de costumes e aberto à imigração e ao multiculturalismo.

A sua grande luta, atualmente, é o fim da exploração petrolífera, propondo o início de políticas para a transição energética, com o fim da extração do petróleo no mar do Norte em 2033, o início da reestruturação agrícola e industrial no mesmo sentido e a imposição de taxas ecológicas sobre os produtos nefastos para o ambiente. Propõe, para o efeito, a declaração de emergência climática, que facilite a implementação dessas políticas. Defende, ainda, os direitos dos animais.

Dadas as suas origens pacifistas, não é partidário da NATO, mas diminuiu a oposição dos seus primeiros anos, sendo neutral relativamente à UE, defendendo que uma eventual adesão apenas pode ter lugar após a sua eventual aprovação num referendo popular.

Fundado em 1988, a partir de um grupo antinuclear, ecologista e pacifista, denominado O Futuro nas Vossas Mãos, foi uma força extraparlamentar até 2013, quando conseguiu eleger um deputado. Em 2017, pouco progrediu e, mais uma vez, só conseguiu um lugar, tendo eleito a atual líder.

Recusou sempre posicionar-se em qualquer dos dois grandes blocos políticos, o “azul” (direita) e o “vermelho” (esquerda), considerando que ambos são favoráveis aos combustíveis fósseis e que a grande diferença é entre o “verde” e o “cinzento”. Apesar de apenas recusar cooperar com o Partido do Progresso, nas municipalidades onde está representado alinha, geralmente, com a esquerda.

Até 2020, possuía uma liderança coletiva. Contudo, nesse ano, optou por um/a líder unipessoal, tendo sido eleita Une Aina Bastholm.

Como sucede com os seus homólogos europeus, a maioria dos seus votos provem da juventude urbana culta. Por isso, obteve o seu melhor resultado em Oslo (8,5%), bastante acima da média nacional, seguido do vizinho círculo de Akershus e da Trøndelag Sul, onde se situa Trondheim, com 4,7% em ambos.

Nas áreas rurais, a sua implantação é fraca, tendo o seu pior desempenho ocorrido na Trøndelag Norte, com apenas 1,7%.

A última força política a obter representação parlamentar foi o Partido Popular Cristão (KrP), encabeçado por Kjell Ingolf Ropstad, ministro das crianças, família e igreja, que não foi além de 3,8% e apenas três deputados, pois falhou a passagem da cláusula-barreira. Assim, apesar de não ter perdido muitos votos, registou uma significativa perda de representação face às últimas eleições, em que, com 4,2%, conseguira oito eleitos.

Fundado em 1933, por protestantes praticantes, em oposição ao rápido avanço do secularismo na sociedade norueguesa, teve reduzida expressão à época.

Só ganhou um maior apoio no pós-guerra, acabando por integrar algumas coligações de direita do final dos anos 60, o mesmo sucedendo a partir dos anos 80, tendo mesmo liderado o governo entre 1997 e 2000 e entre 2001 e 2005. A partir daí, passou à oposição, mas acabou por aderir à coligação com conservadores, populistas e liberais em 2019.

Estamos em presença de um partido democrata-cristão, conservador em matéria de costumes, afirmando-se defensor da família e dos valores tradicionais. Assim, é contrário ao aborto, à eutanásia e ao casamento e adoção por pessoas LGBBT, embora se declare anti-homofóbico. Ao invés, é tolerante face à imigração e aos refugiados. Já no plano económico se situa mais ao centro, sendo favorável a uma economia social de mercado, não sendo adepto do neoliberalismo puro e duro, além de revelar preocupações ambientais.

Daí a existência de duas alas no seu seio, uma mais à direita, conservadora, que defende a presença do partido no bloco “azul”, e outra mais à esquerda, que advoga a mudança do KrP para o “vermelho-verde”. Em 2013, esta última logrou abolir a disposição que obrigava os membros do partido a ser cristãos e os seus dirigentes praticantes. Contudo, em 2018, a primeira desforrou-se, ao ver aprovada a decisão de aderir ao governo de Solberg por uma escassa maioria de oito votos no congresso.

O partido é pró-NATO e anti-UE, embora seja favorável à presença do país no EEE e em Schengen e exista nele uma significativa corrente favorável à adesão à UE.

Como seria de prever, é nas regiões rurais mais conservadoras e religiosas do Sul do país e entre os mais idosos que se situa a sua principal base de apoio, tendo conseguido o seu melhor resultado no círculo de Agder Oeste, onde se situa Kristiansand, com 13,9%, seguida da vizinha Agder Oriental (8,1%). Tem, ainda, alguma força em grande parte do Sudoeste.

Pelo contrário, é bastante fraco nas zonas urbanas do Centro-Leste, em especial na área metropolitana de Oslo, bem como no Norte. Na capital, ficou-se pelos 1,8% e em três outros círculos não passou de 1,6%.

Os restantes partidos somaram, em conjunto, 3,6%, mas só os Democratas da Noruega (DiN), formação da extrema-direita populista, resultante de uma cisão no FrP, tiveram alguma expressão, com 1,1%.

Contudo, o partido Foco no Doente (PF) conseguiu um lugar no Parlamento, apesar de ter obtido apenas 0,2% a nível nacional. Na verdade, trata-se de um movimento local, liderado por Irene Ojala, que transformou a organização que criou, assente no voluntariado, num partido, com o objetivo de concorrer às legislativas e pressionar em favor da expansão do hospital de Alta, a capital da região setentrional de Finnmark. Nesta, o PF obteve 13,1% dos votos e ficou com um dos cinco mandatos destinados ao círculo.

Os votos brancos e nulos representaram apenas 0,6% dos boletins entrados nas urnas.

Por fim, a participação eleitoral foi de 77,1%, um pouco abaixo das eleições anteriores, em que foi de 78,2%, um valor muito razoável dado o contexto pandémico que vivemos.

Que governo?

Apesar de haver uma clara maioria de esquerda (se considerarmos os verdes, são 100 lugares contra 68 e uma independente), ainda não é claro que governo irá ser formado.

Os trabalhistas (Ap) defendem a repetição da fórmula governativa que esteve na base dos executivos de Stoltenberg entre 2005 e 2013, ou seja, uma coligação deles com centristas (Sp) e socialistas de esquerda (SV), rejeitando os vermelhos (R) e os verdes (MDG)

Já o Sp não quer o SV na coligação governamental, apoiando um governo com o Ap, mas aceitando o apoio parlamentar daqueles.

Por seu turno, o SV declara não estar disponível para dar o apoio parlamentar a um governo Ap-Sp, pretendendo entrar na coligação e que esta inclua ou tenha por base um acordo parlamentar alargado ao R e ao MDG.

Entretanto, o R afirma não querer integrar o novo gabinete, mas está disponível para apoiar um executivo formado pelos partidos do bloco vermelho-verde, não rejeitando nenhum deles.

Por fim, o MDG manifestou disponibilidade para uma coligação com o Ap e o SV, mas rejeita tanto o Sp como o R como parceiros, embora admita que estes possam dar apoio parlamentar ao executivo.

Como se pode ver, os dados estão lançados e todos terão de fazer cedências, o que é habitual na política norueguesa, feita muito à base de compromissos. O mais provável é a repetição da coligação vermelha-verde, com trabalhistas, centristas e socialistas de esquerda.

Contudo, caso não haja acordo, poderíamos ter uma situação semelhante à da vizinha Suécia, em que, face ao impasse governativo, as fronteiras entre os blocos “burguês” e “vermelho” se diluíram num acordo de governo ao centro, em que trabalhistas e centristas se aliariam a liberais e democrata-cristãos. Seria mais uma traição do Ap, mas, face ao comportamento dos partidos social-democratas europeus, não seria surpreendente. Na verdade, a maioria das forças políticas do país afirma-se ambientalista, mas o petróleo dá grandes lucros a muita gente, que deles não está disposta a abdicar, mesmo se a corrupção é residual e a gestão económica das riquezas petrolíferas por parte dos noruegueses é modelar. Só que o ambiente sofre…

Fonte: Wikipedia (em línguas inglesa e norueguesa, traduzida para inglês).

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra