Eleições na Galiza: O que propõe o BNG para liderar um governo de mudança

17 de fevereiro 2024 - 12:30

As sondagens para as eleições de domingo na Galiza indicam que o PP pode perder a maioria. Isso daria ao Bloco Nacionalista Galego condições para liderar um governo à esquerda. Saiba aqui o que propõe o partido liderado por Ana Pontón.

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Ana Pontón num comício de campanha do BNG
Ana Pontón num comício de campanha do BNG Foto BNG/Facebook

No seu programa eleitoral para as eleições de 18 de fevereiro, o Bloco Nacionalista Galego defende "uma Galiza capaz de se governar a si própria", com mais soberania e auto-governo. E isso passa pelo reconhecimento do direto à autodeterminação e uma "nova atitude face à questão linguística", com o galego a ser usado nas instituições públicas. Os avanços nesse auto-governo passariam ainda pela transferência de competências do estado central na justiça e segurança pública num quadro de "superação do atual marco constitucional", mas também nas infraestruturas rodoviárias, pescas, bens culturais, comércio externo, investigação científica, entre muitas outras.

Um novo modelo de financiamento que garanta ao executivo galego a autonomia financeira tanto do lado da receita como da despesa, incluindo uma agência tributária própria, é outra das propostas, a par de um sistema de financiamento mais justo para as autarquias. A criação de um banco público galego e de um instituto de crédito e investimento para dinamizar a economia da Galiza, em particular as PME, acompanhada de uma reforma fiscal para introduzir mais justiça no sistema, incrementando a sua progressividade no IRPF (o IRS português) e no imposto sobre as empresas. A redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais sem redução de salário, a eliminação da desigualdade salarial, rescindindo contratos do públicos com empresas que a promovam, a atualização permanente dos salários em função do custo de vida a a garantia de um sistema público de pensões dignas também constam deste programa.

Um futuro governo do BNG compromete-se a não contratar trabalhadores por intermédio de empresas de trabalho temporário nem contratar empresas que recorram a esta forma de contratação. A limitação das horas extraordinárias, medidas de dissuasão à deslocalização de empresas, excluindo-as de apoios e contratações públicas e obrigando-as a devolver os apoios recebidos nos oito anos anteriores, um plano plurianual de emprego jovem que permita criar três mil postos de trabalho ligados ao Ambiente e em colaboração com autarquias e o terceiro setor, são outros compromissos do programa.

A herança de 15 anos do governo do PP deixou um serviço público de saúde mutilado pelos cortes orçamentais, falta de médicos e enfermeiros e a gestão privada de uma parte importante dos hospitais públicos e serviços estratégicos como os das ambulâncias, logística hospitalar, linhas telefónicas de marcação de consultas ou a digitalização do historial clínico, entre muitas outras. As vagas de médicos nos cuidados primários ficam por preencher, as listas de espera para consultas aumentam, a fuga de profissionais para o privado intensifica-se. Para contrariar esta situação, o BNG propõe um plano de aumento orçamental para a saúde que permita a contratação de profissionais, o aumento da formação, a garantia de acesso à pediatria para as 11 mil crianças que hoje não o têm, um plano de redução das listas de espera e um plano de saúde dentária com a presença, no mínimo, de um higienista dentário em cada unidade de saúde. A auditoria a todas as privatizações na Saúde e o resgate para a esfera pública da Área Sanitária de Vigo são outras propostas.

Manifestação em Compostela em defesa da saúde publica e contra os cortes do PP
Manifestação de 4 de fevereiro em Compostela pela defesa da saúde publica e contra os cortes e privatizações do PP. Foto BNG

 

Numa sociedade onde a esperança média de vida é de 86 anos para as mulheres e 80 anos para os homens, e onde os maiores de 65 anos representam quase um terço da população e com tendência a aumentar, o BNG defende um novo modelo de cuidados, com o objetivo de combater a solidão não desejada e o isolamento social. A criação de um novo modelo de residências com capacidade máxima para 100 pessoas, com a planificação de uma rede pública e planos de atenção individualizados são algumas das propostas para este modelo. Para os cuidadores informais, propõe o aumento do tempo de descanso, da formação, acompanhamento e apoio psicológico. Outra das propostas passa por envolver os carteiros, sobretudo em zonas rurais, criando uma rede de visitas periódicas aos domicílios onde vivem idosos sós, e programas de ajuda ao domicílio especializados em doenças neurodegenerativas.

A agenda feminista do partido liderado por Ana Pontón está bem vincada no programa eleitoral, com propostas como a criação de uma Provedoria da Igualdade, um Instituto Galego das Mulheres e uma auditoria sobre a situação das mulheres nas contratações públicas para assegurar o cumprimento da contratação coletiva e da lei. A retirada de fundos públicos a organizações anti-aborto e LGBTfóbicas e o fortalecimento dos recursos contra a violência sexual, bem como a elaboração de um estatuto de vítima do femicídio e aumento da rede galega de acolhimento com mais casas-abrigo também fazem parte do programa, bem como várias medidas para garantir o acesso das pessoas LGBT+ aos seus direitos.

Nas medidas de combate à pobreza, cuja taxa de risco afeta 20,3% das pessoas ente 50 e 64 anos e com cerca de 600 mil galegos hoje em risco de pobreza, o BNG quer criar um rendimento básico que garanta que ninguém fique abaixo da linha de pobreza, com uma modalidade destinada a quem não tem rendimentos de trabalho, sujeita a um acordo de inclusão social e laboral, e outra modalidade dirigida às que trabalhando não obtêm rendimentos suficientes para pagar as necessidades básicas. A estas acrescenta-se uma prestação complementar de habitação para ajudar a cobrir as necessidades relacionadas com a casa de quem é beneficiário destas prestações.

No plano da habitação, o objetivo é conseguir que num prazo de três legislaturas (doze anos) o parque habitacional público galego alcance os 5% do total. A reserva de fogos destinados a arrendamento acessível na nova construção e reabilitação urbana, o apoio às cooperativas de habitação com o mesmo fim de arrendamento acessível, o aumento da oferta de arrendamento com rendas limitadas e a mobilização dos edifícios devolutos de uso habitacional que hoje são ativos de entidades públicas são outras propostas do BNG. O partido defende ainda a limitação do alojamento local em zonas de alta concentração e a revisão dos atuais registos com esse objetivo. E apresenta um plano para a mobilização das casas vazias, com a criação de um registo das mesmas e a delimitação das áreas de intervenção, com agravamento fiscal (ou redução para quem as arrende a preço acessível), a posse administrativa para obrigar ao cumprimento da função social de habitação, apoios públicos para melhorar a eficiência energética e habitabilidade para os proprietários com menos recursos, entre outras medidas.

Numa primeira fase, o BNG quer declarar como urgente as áreas dos concelhos com mais de 10 mil habitantes onde os preços da habitação tenham subido mais de 20% nos últimos cinco anos, podendo cada concelho declarar toda a sua área ou apenas parte. Caberá à Xunta galega definir e financiar um plano de intervenção para corrigir os desequilíbrios, podendo passar pela limitação do uso turístico ou a mobilização de casas vazias. A aprovação de uma lei galega que garanta o direito à habitação e a função social da habitação é outra das propostas, bem como um pacote de ajuda para inquilinos em risco de incumprimento da renda e um programa anti-despejos que ofereça apoio às famílias mais vulneráveis a encontrar soluções alternativas a custos controlados.

Ana Pontón e Mariana Mortágua
Ana Pontón e Mariana Mortágua reuniram em janeiro na Galiza. Foto BNG

 

As parcerias com a universidade e os arquitetos para um plano de investigação da futura arquitetura galega, destinado à inovação, digitalização e industrialização dos processos de construção, é outra proposta, com atenção especial ao potencial da construção estrutural em madeira para reduzir a pegada ecológica. E também um plano de habitações dirigido em particular à emancipação da juventude galega e para estudantes.

No capítulo da reativação económica da Galiza, o destaque vai para o impulso ao setor industrial após décadas de desindustrialização, numa aposta de diversificação de setores e de redução da dependência externa, bem como da cooptação do tecido empresarial galego por parte de fundos estrangeiros. O objetivo é o de aumentar em oito pontos o peso da indústria no PIB galego e criar 12 mil postos de trabalho em setores estratégicos tradicionais e emergentes até 2030. Outros planos passam pela estratégia de impulso da bioeconomia galega, do setor alimentar e gastronómico, da bioconstrução, do software e do setor naval. No que diz respeito ao setor mineiro, defende a revisão da lei existente, impedindo a abertura ou ampliação de minas em zonas protegidas e o uso de técnicas proibidas noutros países, e a introdução da exigência de avaliação de impacte ambiental de todos os projetos. Na energia, o BNG opõe-se aos parques eólicos marinhos offshore, por considerá-los incompatíveis com o setor pesqueiro e marisqueiro e a proteção ambiental. Quer também impedir a instalação de centrais nucleares ou de depósitos de resíduos de outras centrais no seu território e reduzir o custo da energia cobrada à população, fazendo valer o seu atual papel produtor excedentário. O combate à pobreza energética, procurando suprir a insuficiência das tarifas sociais estatais, ou a ordenação dos projetos de produção eólica são outros pontos em destaque neste programa, a par da criação de uma empresa pública de energia sob tutela da Xunta e medidas destinadas a prover o autoconsumo e as comunidades energéticas locais e industriais.

Comício de encerramento da campanha do BNG em Santiago de Compostela Comício de encerramento da campanha do BNG em Santiago de Compostela. Foto BNG.

 

O programa eleitoral dos bloquistas galegos contém ainda muitas medidas no setor da educação, com especial destaque para o papel da língua galega. E também para o desenvolvimento rural, do setor ganadeiro, dos laticínios, vitivinícola, ordenamento do território, prevenção e combate aos incêndios florestais, do desenvolvimento do setor do mar como pilar da economia galega. Ou ainda nas políticas sobre o turismo, ciência e investigação, emergência climática e ação ambiental - com a promessa de aumentar de 12% para mais de 10% a área abrangida pela Rede Natura 2000 -, um plano de mobilidade para cidades saudáveis e uma mudança profunda na política cultural seguida nos últimos 40 anos, com dezenas de medidas e o objetivo de chegar aos 2% do orçamento da Xunta para a cultura.

A relação com Portugal ocupa também várias páginas deste programa eleitoral, com uma visão orientada para aproveitar as sinergias da história comum no plano económico, social e cultural, quer no plano transfronteiriço, aproveitando os recursos financeiros que a UE lhe destina e eliminando os obstáculos administrativos que dificultam as relações entre os cidadãos de povoações vizinhas, quer na maior integração entre a Galiza e o Norte de Portugal, com maiores relações empresariais, cooperação nos investimentos em energia, inovação e investigação ou na oferta educativa comum e homologação de diplomas das seis universidades desta euroregião, ou ainda do comboio de alta velocidade e infraestruturas viárias entre os parques industriais do Norte português e as autoestradas galegas. No plano da relação com Portugal e países lusófonos, destaca-se a proposta de criação de uma delegação permanente da Galiza em Lisboa, o desenvolvimento da lei Paz Andrade sobre o aproveitamento da língua portuguesa e o impulso à participação da Galiza na CPLP como membro observador.

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