Está aqui

Eleições em Itália: Espreitando pelo “céu de chumbo”

As eleições que decorreram no passado dia 4, em Itália, configuraram um verdadeiro “terramoto político”, com os populistas do Movimento 5 Stelle (M5S) e o partido da extrema-direita Lega a saírem claramente vencedores do sufrágio. O centro e a esquerda (“sinistra”, em italiano) afundaram-se completamente num quadro político que se apresenta bastante sinistro. Por Jorge Martins.
Na fotografia: Silvio Berlusconi e Matteo Salvini.

Para tentarmos perceber as razões desse desfecho, iremos proceder, numa primeira parte, à análise dos resultados das diferentes coligações e partidos concorrentes ao ato eleitoral, dos pontos de vista político, sociológico e geográfico. Para o efeito, baseamo-nos nos dados de um inquérito elaborado pelo instituto de sondagens Ipsos, publicado dois dias após as eleições, e que pode ser consultado aqui. Os dados das transferências de voto não seguem totalmente os desse estudo, sendo o resultado de uma síntese com o quadro que elaborei logo após o conhecimento dos resultados quase finais do ato eleitoral e que pode ser consultado no final deste artigo. Posteriormente, elencarei um conjunto de razões explicativas do comportamento do eleitorado italiano e as perspetivas de formação de um novo governo.

Como expliquei aqui, a Itália possui um bicameralismo perfeito. Por isso, indicaremos os resultados tanto da Câmara dos Deputados como do Senado da República, embora a análise tenha por base a eleição da primeira. Uma originalidade italiana no contexto europeu é o facto de a capacidade eleitoral ativa ser diferente para as duas assembleias parlamentares: 18 anos para a Câmara, como na maioria dos países, mas apenas 25 para o Senado. Daí algumas pequenas diferenças nas votações para uma e outra.

Relativamente às eleições de 2013, há a registar que a coligação centrista formada em torno do então primeiro-ministro Mario Monti se integrou, em grande parte, no centro-direita, através da lista Noi con Italia (NcI). Por sua vez, a formação de esquerda moderada Sinistra, Ecologia e Libertà (SEL), que acabaria por fundir-se na Sinistra Italiana (SI), concorreu, então, aliada ao Partito Democratico (PD) no chamado centro-esquerda, enquanto a esquerda radical surgiu na lista da Rivoluzione Civile (RC). Agora, a SI juntou-se aos dissidentes da ala esquerda do PD na lista Liberi e Uguali (LeU), enquanto uma parte significativa da RC integrou a lista Potere al Popolo! (PaP).

Tal como indicavam todas as sondagens, apenas as duas grandes coligações (denominadas, respetivamente, de centro-direita e centro-esquerda), o M5S e a lista de esquerda moderada LeU conseguiram representação parlamentar no território nacional.

A coligação de centro-direita

A coligação de centro-direita (na realidade, de direita) foi a mais votada, tal como se esperava, obtendo 37,0% dos votos para a Câmara e 37,5% para o Senado, o que lhe valeu a eleição de 265 deputados e 137 senadores. Em 2013, uma aliança semelhante tinha-se ficado pelos 29,2%.

Contudo, o que surpreendeu muitos foi a ultrapassagem da Lega à liberal-conservadora Forza Italia (FI), de Berlusconi. Escrevi aqui: “A ultrapassagem à FI, que causaria um verdadeiro “terramoto político”, não é muito provável, mas não será de todo impossível”. Fui, talvez, demasiado prudente na minha formulação, já que o decorrer da campanha tornava lógico este desfecho, como explicarei mais adiante.

 A Lega, antes Lega Nord (LN), formação de extrema-direita, racista e xenófoba, foi, assim, a força política mais votada da coligação direitista, atingindo 17,3% dos sufrágios para a Câmara e 17,6% para o Senado, o que lhe permitiu eleger 127 deputados e 62 senadores. Logo, os “liguistas”, que, em 2013, se tinham quedado por uns modestos 4,1%, mais que quadruplicaram a sua votação de então. Para além de ter segurado 90% dos seus eleitores, conquistaram mais 42% dos votos conseguidos nas eleições anteriores pelo Popolo della Libertà (PdL), como na altura se designava a FI, e mais de 1/5 dos obtidos pelos pequenos partidos de direita integrantes na coligação de então. Foi, ainda, buscar 12% aos partidos extraparlamentares, cerca de 5% aos seus aliados nacionalistas dos Fratelli d’Italia (FdI), uma percentagem semelhante de abstencionistas e jovens, 4% de votantes da coligação de Monti e alguns (poucos) ao Partito Democratico (PD), a força dominante da aliança do denominado centro-esquerda, e ao M5S.

Do ponto de vista socioprofissional, a Lega apresenta maior penetração entre os operários, os pequenos comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes, maioritariamente do setor privado e, em menor grau, nas “donas de casa” e nos desempregados. Ao invés, é menor entre empresários, gestores e quadros superiores, professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário, reformados e estudantes e, em geral, entre os funcionários públicos. Os seus apoiantes possuem, na maioria, uma escolaridade de nível intermédio e baixo, registando menor adesão entre os licenciados e as pessoas com formação superior. Relativamente aos níveis etários, os eleitores de “meia idade” (entre os 50 e os 64 anos) são o grupo mais representado, enquanto aquele onde encontra maiores dificuldades de penetrar é o dos mais idosos (65 anos ou mais), quiçá devido à persistência da memória do fascismo, da guerra e da resistência. Por outro lado, ao contrário do que sucede noutros países, em que o apoio à extrema-direita é, maioritariamente, masculino, aqui, o voto na Lega apresenta predominância do eleitorado feminino. O facto de a Itália ser um dos países com menor taxa de atividade feminina na Europa ocidental pode explicar, em parte, esse fenómeno. Por fim, em relação à influência da religião no voto, verifica-se que os votantes no partido estão, claramente, mais concentrados entre os praticantes menos regulares e os não praticantes, sendo a sua percentagem bem menor entre os praticantes e os não religiosos.

Tendo nascido com a designação de Lega Nord (LN), com o objetivo de defender os interesses do Norte, mais rico e desenvolvido, defendendo, mesmo, a secessão dessa parte do país, não surpreende que seja nas regiões setentrionais que obtenha os melhores resultados, sempre acima da média nacional, com destaque para a Lombardia e o Veneto, seguido do Friuli-Venetia Giulia e do Piemonte. Porém, a mudança para uma estratégia nacional, ilustrada pela queda da palavra Nord na denominação do partido, deu frutos no Centro, como comprovam os bons resultados obtidos na Umbria e, em menor grau, na Toscana, nas Marche e nas áreas periféricas do Lácio. Em contrapartida, apesar de alguns progressos, continua débil no Sul, que não terá esquecido duas décadas de afrontas vindas dos dirigentes “liguistas”. De um modo geral, a Lega tem maior implantação nas áreas rurais e montanhosas e nas pequenas e médias cidades e menor nas zonas centrais das grandes áreas metropolitanas, onde, curiosamente, há bastante mais imigrantes. Mas isso, infelizmente, já é um clássico!

A Forza Italia (FI), partido liberal-conservador fundado e desde sempre liderado por Silvio Berlusconi, quedou-se pelos 14,0% dos votos para a Câmara e 14,4% para o Senado, traduzidos na eleição de 104 deputados e 58 senadores. Em 2013, então como PdL, havia obtido 21,2% dos sufrágios, dos quais segurou apenas 1/3. As perdas não foram compensadas com a conquista de com quase 40% dos votantes da coligação centrista de Monti e de metade dos votos nos pequenos partidos de direita que faziam parte da aliança direitista de então. A estes, podemos juntar 6% vindos de forças extraparlamentares, 3% dos seus parceiros nacionalistas FdI, menos do PD, abstencionistas e jovens e valores residuais de outras forças políticas.

Do ponto de vista socioprofissional, a FI apresenta maior penetração entre os desempregados (um dado algo surpreendente), seguidos pelos pequenos comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes, maioritariamente do setor privado e, em menor grau, nos reformados e nas “donas de casa”. Em contrapartida, suscita muito pouca adesão entre os professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário e também entre os estudantes e os operários. Tal como sucede com a Lega, os seus apoiantes possuem, na maioria, uma escolaridade de nível intermédio e baixo, registando menor penetração entre os licenciados. Já em relação à idade, suscita o maior apoio entre os mais idosos e a menor entre os mais jovens (18 aos 34 anos). Também aqui há uma ligeira preponderância do voto feminino sobre o masculino. Quanto à influência da religião no voto, verifica-se que os votantes no partido estão, claramente, mais concentrados entre os praticantes menos regulares, seguidos dos regulares, sendo bem menor a sua capacidade de penetração entre os não praticantes e, em especial, os não religiosos.

Do ponto de vista territorial, verifica-se que a ultrapassagem da FI pela Lega se fez sentir bastante no Norte do país. Daí que, nestas eleições, o partido de Berlusconi tenha obtido os seus melhores resultados nas regiões meridionais, com destaque para a Sicília e a Calábria, seguidas da Puglia, Campânia, parte sul do Lácio e Molise. Já os piores ocorrem, como habitualmente, no Trentino-Alto Adige/Südtirol e no Vale de Aosta, onde existem importantes minorias linguísticas, bem como no Centro e Centro-Norte (Toscana, Emília Romanha, Marche e, em menor grau, Umbria), habituais bastiões do PD. Mas também nas regiões setentrionais o partido ficou, em geral, abaixo da sua média nacional, em especial no Veneto e no Friuli-Venetia Giulia, áreas onde a Lega teve alguns dos seus melhores resultados.

Os Fratelli d’Italia (FdI), de Georgia Meloni, são um partido da direita nacionalista, com posições próximas da extrema-direita em matéria de imigração e acolhimento de refugiados. Obtiveram, agora, 4,4% dos votos para a Câmara e 4,3% para o Senado, tendo eleito 30 deputados e 12 senadores. Ou seja, mais que duplicaram a sua votação face aos 2,0% de há quatro anos. Tendo conservado cerca de 86% do seu eleitorado de então, acrescentaram-no com 6% de votantes no PdL, mais 5% de pequenas forças então representadas na aliança direitista e quase 1/3 dos votos no já extinto partido FLI (Futuro e Libertà d’Italia), de Gianfranco Fini, que fez parte da coligação de Monti, e valores residuais provenientes de abstencionistas, de forças extraparlamentares e da Lega.

Socioprofissionalmente, os FdI têm, tal como a Lega, maior apoio entre os operários e os pequenos comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes, mas, ao contrário daquela, empresários, gestores e quadros superiores, bem como professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário, na sua maioria do setor público, têm maior peso percentual no seu eleitorado.  A menor adesão regista-se nos estudantes e nos desempregados. Os seus apoiantes possuem ou formação superior (especialmente politécnica) ou básica, sendo menor a adesão dos de nível de escolaridade médio. No que respeita à idade, a maioria do seu apoio vem dos níveis etários médios e superiores, sendo bem mais baixa entre os mais jovens. Aqui, e ao invés dos seus dois parceiros de coligação antes analisados, há uma clara preponderância do voto masculino sobre o feminino. Relativamente à influência da religião no voto, há uma semelhança com a Lega: maior penetração entre os praticantes ocasionais e menor entre os não religiosos.

Do ponto de vista territorial, a região do Lácio (em especial, a cidade de Roma) afirma-se como o grande bastião do partido. No resto do país, a sua implantação é relativamente equilibrada, não se verificando um padrão geográfico de concentração do voto. Podemos, no entanto, destacar o bom resultado no Friuli-Venetia Giulia e os piores, que ocorreram no Trentino-Alto Adige/Südtirol, onde vive uma minoria austríaca, e na área metropolitana de Nápoles, na Campânia.

O quarto e último membro da coligação, a lista Noi con Italia (NcI), de tendência democrata-cristã, ficou-se pelos 1,3% para a Câmara e 1,2% para o Senado, não tendo, assim, superado a cláusula-barreira de 3% para aceder à distribuição dos mandatos pelo sistema proporcional. Valeu-lhe o acordo com os outros parceiros de coligação, que lhe permitiram eleger 4 deputados e 5 senadores nos círculos uninominais. Em 2013, dois dos componentes do NcI eram as duas principais formações da coligação de Monti: a Scelta Civica (SC), então liderada por aquele, e a UdC (Unione di Centro), que obtiveram 8,3% e 1,8% dos votos, respetivamente (mais 0,5% para o defunto FLI). A NcI apenas logrou manter 40% dos votantes da UdC, a que se juntam cerca de 8% do FLI, 3% da SC e percentagens residuais de outras forças políticas.

Em termos socioprofissionais, as “donas de casa” representam a parte mais significativa do seu eleitorado, a que se seguem os professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário, com ligeiro ascendente do setor privado, bem como reformados. Entre desempregados, comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes, bem como empresários, gestores e quadros superiores o seu apoio é mais escasso. Os seus eleitores estão mais representados entre os que possuem uma educação de nível intermédio e menos entre os licenciados. Quanto à idade, a sua penetração é, claramente, superior entre os mais idosos, sendo bastante reduzida nos mais jovens. Por seu turno, não se verificam grandes disparidades ao nível do género. Já nos que respeita à religião, os maiores apoios são provenientes dos praticantes regulares, como seria de prever, dado o peso das formações democrata-cristãs na lista, e os menores dos não praticantes.

Quanto à implantação territorial, os melhores resultados surgem no Sul, em especial na Puglia, na Basilicata e na Sicília. No Centro e Norte, são, em geral, fracos, à exceção de uma ou outra área rural da parte setentrional do país.

O Movimento 5 Estrelas (M5S)

O Movimento 5 Stelle (M5S), de cariz populista, confirmou-se, claramente, como o maior partido do país. Concorrendo de forma isolada, obteve 32,7% dos votos para a Câmara e 32,2% para o Senado, o que lhe valeu a eleição de 227 deputados e 112 senadores. Uma subida considerável face a 2013, quando já fora também a maior formação política isolada, com 25,6% dos sufrágios, 0,2% à frente do PD, a principal força da coligação vencedora de há cinco anos. Para conseguir este resultado “cinco estrelas”, o M5S segurou 82% da sua votação de então, a que somou 14% do PD e outro tanto dos seus aliados do chamado centro-esquerda, em especial da SEL, mais de 10% da coligação de Monti, 1/5 da RC, cerca de 1/6 de forças extraparlamentares, 8% do PdL, sensivelmente a mesma percentagem de pequenas forças da coligação direitista da altura, bem como de abstencionistas e jovens e, ainda, mais uns “pós” da LN e dos FdI. Como se pode ver, a sua ambiguidade ideológica permitiu-lhe ir buscar votos tanto à esquerda como à direita, embora tenha sido na primeira que logrou conquistar a maior parte dos seus novos votantes.

Do ponto de vista socioprofissional, o M5S conseguiu os maiores apoios entre os desempregados, os operários, os professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário e as “donas de casa”, havendo um peso superior dos trabalhadores do setor público face aos do privado. Os reformados foram o único grupo onde a penetração do partido ficou claramente abaixo da média. São os que possuem uma formação superior politécnica ou intermédia que nele mais votam, ao contrário dos que possuem apenas uma formação básica ou dos licenciados. Em termos etários, o voto no M5S é relativamente jovem, com destaque para os que têm entre os 18 e os 49 anos, mas ainda é significativo entre os eleitores de “meia idade”. Já nos idosos a adesão é bem menor, algo que comprova o dado anterior de menor apoio nos reformados. Quanto à influência religiosa, é maior o peso dos não praticantes e dos não religiosos em relação aos praticantes, em especial os regulares.

Ao contrário do que sucedera em 2013, em que o voto no M5S se apresentava algo disperso pelo território, apenas com alguns bastiões nas ilhas e em certas áreas do Centro-Sul, a verdade é que, agora, se consolidou como o grande partido do Sul e ilhas, áreas onde, em alguns casos, quase duplicou a sua votação. Em contrapartida, perdeu alguns votos em certas áreas do Norte. As suas melhores votações ocorreram na Campânia (em especial, na área metropolitana de Nápoles, onde ultrapassou os 54%) e na Sicília, mas também registou excelentes resultados na Puglia, Molise, Basilicata, Calábria e Sardenha. Ficou, ainda, acima da média nos Abruzzo, nas Marche e nas áreas periféricas do Lácio. Os resultados mais baixos ocorreram no Trentino/Südtirol (onde, apesar de tudo, registou uma forte subida) e na Lombardia, mas também no Vale da Aosta (onde, no entanto, venceu o círculo uninominal para a Câmara), e nas áreas rurais do Veneto, Piemonte e Friuli-Venetia Giulia. Aliás, o voto no M5S é mais forte nas zonas urbanas e periurbanas, sendo relativamente mais fraco nas rurais.

A coligação de centro-esquerda

Em terceiro lugar, ficou a coligação de centro-esquerda (na realidade, de centro), que obteve o pior resultado de sempre desde 1994, quedando-se pelos 22,8% dos votos para a Câmara e 23,0% para o Senado, o que lhe permitiu eleger apenas 122 deputados e 60 senadores. Em 2013, uma aliança semelhante fora a força mais votada, com 29,6% dos sufrágios.

A força dominante da coligação, o social-democrata (e cada vez mais social-liberal) Partito Democratico (PD) ficou-se pelos 18,7% dos sufrágios para a Câmara e 19,1% para o Senado, elegendo 112 deputados e 54 senadores. Nas últimas eleições, o partido obtivera 25,4%. Para este desastre eleitoral, muito contribuiu o facto de não ter conseguido manter, sequer, metade dos eleitores de há cinco anos. A estes, apenas somou cerca de 1/3 de votantes na SEL, que, então concorreu aliada ao PD, e 10% dos do Centro Democratico (CD), agora, em grande parte, na lista + Europa (+E), de Emma Bonino, a que acrescem 1/6 da coligação de Monti (em especial da SC, que este liderou), outros tantos da já citada RC, 5% de formações extraparlamentares, 4% de abstencionistas e jovens e alguns (poucos) do M5S e da direita.

Do ponto de vista socioprofissional, o PD tem o maior apoio entre os reformados e, a seguir, nos empresários, gestores e quadros superiores e, em geral, no setor privado. Ao invés, o menor ocorre entre os desempregados, os operários e os comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes, o que é uma consequência clara das políticas antissociais e antipopulares levadas a efeito pelos seus governos, com destaque para a reforma regressiva das leis do trabalho do governo do seu líder, Matteo Renzi. A maior adesão de reformados e quadros superiores explica que, entre os seus eleitores, predominem, simultaneamente, os possuidores de baixos níveis de instrução e os licenciados, tendo o partido mais dificuldade em penetrar entre os que possuem níveis de escolaridade médios. Relativamente a idade, é notório o grande peso dos mais idosos, o que confirma o apoio dos reformados, mas é bastante menor nos restantes escalões etários, em especial entre os mais jovens, mas também entre os adultos maduros (dos 35 aos os 49 anos). Quanto ao género, há uma ligeira preponderância masculina nos seus votantes. Em relação à religião, a sua penetração é maior entre os praticantes regulares, seguida dos não religiosos, ocorrendo o menor apoio entre os praticantes irregulares.

Do ponto de vista geográfico, apesar de ter aí perdido bastantes votos, para a abstenção, o M5S e a direita, o PD continua a ser mais forte nas regiões do Centro e Centro-Norte do país, onde se situavam os bastiões do velho PCI, com destaque para a Toscana (de onde é natural Renzi), a Emília Romanha e a Umbria. A primeira foi, mesmo, a única onde foi o mais votado. Registou, ainda, resultados acima da média nas áreas metropolitanas de Milão, Turim e Roma, bem como no Vale de Aosta (onde integrou uma coligação regionalista), nas Marche, no resto da Lombardia e na Ligúria. Em contrapartida, sofreu forte penalização no Sul, onde foi “cilindrado” pelo M5S, tendo os piores resultados ocorrido na Sicília e na área metropolitana de Nápoles.

Dos parceiros menores da coligação, a lista social-liberal, libertária e defensora do federalismo europeu + Europa (+E) era a única que tinha esperança de passar a barreira dos 3%, mas acabou por não ir além dos 2,6% para a Câmara e 2,4% para o Senado. Por isso, conseguiu apenas eleger 3 deputados (dois em círculos uninominais, fruto dos acordos com o PD, e um no círculo dos emigrantes na Europa) e 1 senador. Tendo conservado cerca de 70% dos votos do Centro Democratico (CD), pequena formação centrista que, em 2103, também fizera parte da coligação do centro-esquerda, obtendo apenas 0,5% dos votos, e que agora aderira ao +E, juntou-lhe cerca de 6% da coligação de Monti (em especial do seu antigo partido, a SC), 5% de forças extraparlamentares e alguns (poucos) vindos de jovens eleitores, do PD, da RC e da SEL.

Em termos socioprofissionais, a sua taxa de penetração é maior entre os estudantes, os empresários, gestores e quadros superiores e, em menor grau, os professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário, na sua maioria do setor público. Ao invés, tem muito pouca aceitação entre as “donas de casa”, os comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes e, em menor grau, os operários. Não surpreende, assim, que a grande maioria dos seus apoiantes se encontre entre os licenciados, enquanto que a menor adesão surge entre aqueles que têm um nível de escolaridade médio e baixo. Estamos, claramente, em presença de um voto das elites. Quanto à idade, trata-se, essencialmente, de um voto jovem, que regista a maior adesão entre os jovens da chamada “geração Erasmus” e vai diminuindo progressivamente até aos mais idosos. Relativamente ao género, verifica-se um grande equilíbrio, com muito ligeira predominância feminina. No que respeita à religião, o seu apoio vem, maioritariamente, dos não religiosos, seguido, a alguma distância dos não praticantes e é menor entre os praticantes. Dados que não surpreendem, dada a componente libertária e anticlerical dos radicais italianos, a que pertence a própria Emma Bonino.

Geograficamente, consegue os melhores resultados nas principais áreas metropolitanas do Norte (Milão e Turim) e, em menor grau, na de Roma. Mas, salvo o caso da capital, a sua maior implantação está nas regiões setentrionais, em especial na Ligúria (onde se situa Génova), no Friuli-Venetia Giulia, no restante Piemonte e na Emilia Romanha. Em contrapartida, tem pouco apoio no Sul, tendo as piores votações na Calábria, na Sicília e na Basilicata.

Outras pequenas forças aliadas do PD foram os social-democratas e ecologistas do Insieme (I) e os centristas e social-cristãos da Lista Civica Popolare (CP), que obtiveram, respetivamente, 0,6% e 0,5% dos votos na eleição de ambas as câmaras do Parlamento. Os primeiros elegeram 1 deputado e 1 senador, os segundos 2 deputados e 1 senador, todos eles em círculos uninominais e fruto dos acordos com o PD. A primeira foi buscar os seus poucos votos ao CD, à SC de Monti e à Italia dei Valori (IdV), de Di Pietro, que integrou a lista, enquanto os da segunda vêm, maioritariamente, da coligação de Monti, em especial da UdC, e de pequenos partidos.

Dada a pequena dimensão de ambas, a nossa referência estudou os seus eleitores em conjunto. Do ponto de vista socioprofissional, os seus votantes concentram-se mais nos comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes (muito provavelmente, os da CP) e nos professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário (muito provavelmente, os do I), sem grande diferença entre os setores público e privado. Em contrapartida, suscita pouca adesão entre os reformados, as “donas de casa” e os operários. Penetram mais facilmente entre os licenciados e menos naqueles que apenas possuem a escolaridade básica. Em termos etários, apresenta maior apoio entre os mais jovens (mais atraídos pelo I) e nos adultos maduros (pela CP). Já quanto ao género, não há diferenças significativas, havendo apenas uma ligeiríssima predominância feminina. Relativamente à influência da religião, é maior a penetração nos praticantes irregulares, seguidos dos regulares, algo que se explica pela forte presença de formações democrata-cristãs na lista CP.

Quanto à distribuição territorial do voto, ambas as listas têm as suas melhores votações no Sul, em especial na Campânia (exceto na zona metropolitana de Nápoles), na Basilicata e na Calábria, bem como nas regiões centro-orientais dos Abruzzo e de Molise. No Norte, os resultados são, em geral, muito fracos, com exceção do Trentino-Alto Adige/ Südtirol (para a CP) e a Emília Romanha (para o I).

Ainda na coligação do chamado centro-esquerda, o Südtiroler Volkspartei (SVP), que tem o apoio da maior parte da minoria austríaca, obteve 0,4% dos sufrágios a nível nacional. Porém, como se trata de um partido representante de uma minoria linguística, não está sujeito à cláusula-barreira de 3% a nível nacional, bastando-lhe, para aceder à representação proporcional, conseguir 20% dos votos ou dois eleitos nos círculos uninominais na região onde essa minoria se localiza. Como o SVP obteve 24,2% e venceu dois dos seis círculos no Trentino-Alto Adige/ Südtirol, ultrapassou a cláusula-barreira, o que lhe permitiu eleger 4 deputados e 3 senadores, menos um lugar na Câmara que em 2013, fruto da alteração do sistema eleitoral.

A lista Livres e Iguais (LeU)

A lista Liberi e Uguali (LeU), de centro-esquerda e esquerda moderada, que incluía dissidentes da ala esquerda do PD e a Sinistra Italiana (SI), principal formação de esquerda do país, foi outros dos derrotados deste ato eleitoral, tendo tido dificuldades em superar a cláusula-barreira dos 3%. A LeU obteve 3,4% dos votos para a Câmara e 3,3% para o Senado, pelo que apenas conseguiu eleger 14 deputados e 4 senadores. O seu eleitorado proveio de quase 40% da SEL, tendo apenas conquistado 5% de votantes do PD, apesar de integrar dois dos seus ex-líderes, Pier Luigi Bersani e Massimo D’Alema. Para além disso, foi buscar cerca de 1/6 da RC e percentagens residuais de partidos da esquerda extraparlamentar, de abstencionistas e jovens.

Em termos sociológicos, suscita maior adesão entre os estudantes, seguido dos professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário, maioritariamente do setor público, mas tem muito pouco apoio nos desempregados, nos operários e, em menor grau, nas “donas de casa”. Não surpreende, assim, que a maioria do seu eleitorado seja constituído por licenciados e pessoas com formação superior, gozando de muito menos apoio entre os possuidores de escolaridade média ou básica. Ou seja, um voto essencialmente das elites intelectuais e académicas. Relativamente à idade, a lista está bastante mais representada entre os mais jovens, o que confere com a sua penetração nos estudantes, e menos nos outros grupos etários, em especial entre o dos que possuem entre 35 e 49 anos. Quanto ao género, não há grandes diferenças, notando-se uma ligeiríssima predominância masculina. Sobre a influência da religião, verifica-se que a LeU penetra bastante mais nos não religiosos, tendo a menor adesão entre os praticantes regulares, algo que não surpreende.

Do ponto de vista geográfico, o melhor resultado ocorre na região meridional da Basilicata, onde terá captado mais votos vindos do PD. Contudo, são o Centro-Norte (Toscana, Emilia Romanha e Ligúria) e a área metropolitana de Turim, no Piemonte, antigos bastiões dos “democratas”, as áreas onde revela maior implantação. Já os piores ocorreram nas áreas rurais e pequenas cidades da Lombardia, dominadas pela Lega, e em certas regiões do Sul, onde o M5S “arrasou”. É um voto essencialmente urbano, sendo residual nas áreas rurais.

As forças extraparlamentares

Os outros concorrentes obtiveram 4,1% no seu conjunto. Desses, 1,5% são da esquerda - Potere al Popolo! (PaP), da esquerda radical, 1,1%; Partito Comunista (PC), comunista ortodoxo, 0,3%, e Per una Sinistra Revoluzionaria (PuSR, trotskista), 0,1% - enquanto 1,3% são da extrema-direita neofascista: a “social” Casa Pound Italia (CPI), 0,9% e a clássica Italia al Italiani (IaI), 0,4%. Por sua vez, 0,7% couberam ao Popolo della Famiglia (PdF), da direita religiosa reacionária. Os restantes 0,6% correspondem a pequenas formações com votações residuais e vão desde liberais a regionalistas e a filosofias “new age”.

Dada a sua heterogeneidade, não faz grande sentido colocar os seus dados agregados. Sobre a lista PaP, podemos estimar que a maioria dos seus votos proveio, maioritariamente, da RC e de outras forças da esquerda extraparlamentar e, em menor grau, da SEL e de jovens eleitores.

A abstenção

A abstenção somou 27,1% dos eleitores para a Câmara e 27,0% para o Senado. Com os votos brancos e nulos, temos 29,6% que ou se absteve ou não optou por qualquer candidatura. Em 2013, foram 27,5%. Se 77% já o tinham feito há cinco anos, agora juntaram-se cerca de 1/5 vindos de votantes no PD e seus aliados, 10% do M5S, 8% da coligação de Monti, cerca de 12% da RC, quase 1/4 de forças extraparlamentares e menos de 5% da direita.

Quanto ao estatuto socioprofissional, os abstencionistas estão mais representados entre os desempregados, seguidos das “donas de casa” e dos estudantes. Ao invés, os empresários, gestores e quadros superiores e, em menor grau, os professores, quadros intermédios e empregados do setor terciário estão entre os que menos se abstiveram. Os eleitores com nível de instrução básica aparecem como mais abstencionistas e os que possuem formação superior politécnica como menos. Quanto à idade, ao contrário do que é habitual, foram os mais idosos e não os mais jovens aqueles que menos votaram, enquanto os adultos maduros e de “meia idade” os que mais acorreram às urnas. Relativamente ao género, há uma clara predominância feminina na abstenção. Co respeito à religião, os praticantes regulares são os que menos votaram, seguidos pelos não religiosos, sucedendo o contrário com os praticantes irregulares e os não praticantes .

                Relativamente à distribuição territorial da abstenção, verifica-se um claro contraste entre o Norte e o Sul. Assim, é nas regiões insulares e meridionais que ela atinge os valores mais elevados: a Sicília foi onde menos se votou, seguida da Calábria e da Sardenha. Em contrapartida, é bem mais fraca nas regiões setentrionais e centrais: o Veneto, a Emília Romanha, a Umbria, as Marche e a maior parte da Toscana e da Lombardia foi onde se registou maior afluência às urnas.

O que podemos concluir?

Os italianos estão fartos dos políticos do sistema, peritos em jogos de poder, mas incapazes de resolver os grandes problemas do país: a estagnação económica, o desemprego, a precariedade, a pobreza, a corrupção, o crime organizado, a insegurança, o subdesenvolvimento crónico do Sul, entre outros. Para grande parte do eleitorado, eles são parte do problema e não da solução. O êxito da Lega e do M5S resulta do facto de terem apresentado novos protagonistas e de, mesmo de forma perversa, terem ido ao encontro das preocupações e do desejo de mudança da maioria dos cidadãos.

Tanto a Lega como o M5S ensaiaram, nestas eleições, estratégias que lhes permitiram vencer os obstáculos que limitavam as suas possibilidades de conquistar o poder. No primeiro caso, o bloqueio era territorial; no segundo, de credibilidade. Ao deixar de se apresentar como defensora do Norte contra o Sul, retirando a palavra Nord da designação do partido, e aparecer como a voz da Itália contra a UE, Salvini resolveu, de certa forma, o problema. No segundo, Beppe Grillo, comediante e blogueiro, fundador do partido, é uma figura carismática, mas ninguém o vê como possível primeiro-ministro. Ao nomear Luigi Di Maio, uma figura ainda jovem e ainda relativamente “virgem” nos meandros da política italiana, como candidato à chefia do governo, o M5S mostrou que não estava destinado a ser apenas o destinatário do voto de protesto

O M5S, formação populista que é difícil rotular de direita ou de esquerda, venceu porque, para além de ter ideias novas ao nível da regeneração do sistema político e formas de comunicação igualmente inovadoras, que lhe permitiram ir ao encontro do eleitorado mais jovem, soube, também, apresentar propostas de cariz social, que agradaram a vários setores das classes médias (como os professores) e baixas (como os operários) e aos desempregados. Soube captar, ainda, as reivindicações de maior igualdade do Sul. Por isso, o “5 estrelas” capturou uma parte muito significativa de potenciais eleitores de esquerda, descontentes com o PD e as suas políticas antipopulares, e uma grande parte do eleitorado meridional. Por outro lado, embora não seja, tradicionalmente, contra os imigrantes, nesta campanha, o M5S, captando o espírito de muitos eleitores, apareceu com um discurso muito crítico face à imigração, que lhe terá evitado a perda de votos para a Lega. Finalmente, a ideia original de apresentar o seu futuro executivo no final da campanha mostrou confiança e deu uma ideia de transparência que acabou por revelar-se compensadora.

A Lega aproveitou, de forma demagógica, o aumento da imigração e da crise dos refugiados, em grande parte fruto da cobardia da UE, que colocou a Itália na linha da frente do problema. Como sucede noutras latitudes, a extrema-direita associa a chegada dos imigrantes ao aumento da criminalidade e da insegurança, mesmo que os dados não o confirmem. Esse discurso, que explora os medos de muitos cidadãos, consegue, e aqui não foi exceção, captar eleitores menos instruídos e com receios face ao outro, ao diferente, desde operários que temem perder o emprego a comerciantes e donas de casa que temem a criminalidade. E a Lega soube transformar esta questão no principal tema da campanha, especialmente depois do incidente de Macerata, sem que as forças da esquerda e do centro tenham conseguido contrariar essa estratégia. Por outro lado, a escolha para líder de Matteo Salvini, um eurodeputado que não integrara os governos de Berlusconi e, por isso, não se encontrava tão desgastado como outros dirigentes, acabou por se revelar uma mais-valia. Falou claro e disse abertamente ao que vinha, algo que lhe permitiu captar votos para além do eleitorado tradicional da extrema-direita.

À direita, a ultrapassagem da Lega à FI é o corolário lógico do que referimos acima. Mostra, claramente, que Berlusconi já está “fora do prazo de validade” e pouco ou nada tinha a oferecer aos italianos, até porque nem sequer podia ser primeiro-ministro, pois, por ter sido condenado por fraude fiscal, está inibido de exercer cargos públicos até 2019, A campanha que realizou foi baça e pouco coerente. A jogada desesperada de última hora, de apresentar o atual presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, como candidato a primeiro-ministro, revelou-se contraproducente, pois, para mutos, implicaria um acordo de “bloco central” com o PD, algo que a maior parte do eleitorado da direita não desejava. Não foram os seus problemas judiciais que o derrotaram, mas sim o facto de ser uma figura gasta e associada aos jogos de poder de que a maioria dos italianos está farta.

O PD sofreu uma grande derrota, fruto de uma legislatura em que, frutos dos jogos de poder de Renzi, teve três primeiros-ministros, um dos quais ele próprio. Ao apresentar-se de novo à chefia do governo, após se ter demitido na sequência da derrota das suas propostas de reforma constitucional, no referendo de 2016, Renzi mostrou uma ambição de poder que desagradou a boa parte do eleitorado. É visto pela maioria como alguém que coloca os seus próprios interesses à frente dos do país. Por outro lado, a reforma regressiva das leis laborais, da autoria do seu governo, não foi esquecida pelos mais desfavorecidos, como prova a rejeição do PD entre os operários e os desempregados. É uma ironia trágica que seja entre empresários e gestores que o partido consiga maior percentagem de apoio. E é também alarmante o envelhecimento do seu eleitorado. Como tem vindo a suceder em muitos países da Europa, a conversão dos partidos social-democratas ao neoliberalismo está a contribuir para os conduzir à irrelevância política.

O euroceticismo cresceu bastante em Itália e o centro implodiu. A coligação de Monti, que somara 10,6% dos votos em 2013, acabou engolida na aliança de direita, através da lista NcI, com resultados residuais. Mas também o centro-esquerda europeísta não tem razões para sorrir: o partido +E, de Emma Bonino, defensor do federalismo europeu, não atingiu os 3% necessários para obter lugares na distribuição proporcional dos mandatos, enquanto as outras listas (Insieme e CP), juntas, somam pouco mais de 1%. A economia italiana, cujas exportações viviam muito das desvalorizações competitivas da lira, ressentiu-se muito da adesão ao euro e o país experimenta, desde então, um crescimento anémico. O apoio à UE, até aí esmagador, diminuiu rapidamente e a crise dos refugiados só contribuiu para acelerar essa tendência. Daí que mais de metade do eleitorado tenha votado em forças assumidamente eurocéticas (M5S, Lega e também os nacionalistas FdI, que, apesar da concorrência da Lega, mais que dobraram a sua votação).

A esquerda continua na “mó de baixo” e tem de repensar completamente a sua estratégia. A lista LeU resultou de um equívoco e redundou em fiasco. A ideia de juntar a esquerda aos dissidentes do PD parecia, teoricamente, garantir um alargamento do eleitorado, captando os eleitores social-democratas desiludidos. O problema é que D’Alema ou Bersani, entre outros, são políticos do sistema, com uma imagem gasta pelo seu protagonismo nos habituais jogos de poder de que o povo se fartou. Acresce, ainda, que o primeiro chefiou um governo que não se distinguiu, propriamente, pelas suas políticas de esquerda. Daí que, apesar de o seu cabeça de lista, Pietro Grasso, até aqui presidente do Senado, ser uma figura respeitada, a maioria dos eleitores de esquerda, sedenta de mudança, não viu que a LeU lhes pudesse oferecer algo de diferente. Acabaram, por isso, por ir atrás do M5S. Por outro lado, a lista da esquerda radical, Potere al Popolo! (PaP), fundada a partir de coletivos de base e de movimentos sociais com o apoio dos dois principais partidos comunistas, tem potencialidades, mas foi criada muito próximo do início da campanha e não teve tempo para se afirmar. O futuro deverá passar pela junção entre o PaP, a SI e outras forças de esquerda, com novos protagonistas, novos tipos de organização, capazes de protagonizar uma rutura, quer com as políticas neoliberais, quer com as formas tradicionais de fazer política. E há que rever, também, a estratégia comunicacional, de forma a que a mensagem possa passar, algo que, nesta campanha, esteve muito longe de acontecer. Só assim a esquerda italiana, que já foi uma das maiores da Europa, poderá sair do canto para onde se deixou remeter.

As desigualdades entre o Norte e o Sul continuam a fazer-se sentir, não apenas a nível económico e social, mas também político. Assim, enquanto a Lega domina o Norte, o M5S é senhor do Sul e das ilhas. O PD fica reduzido a uma pequena parte dos seus antigos bastiões do Centro (apertado pela primeira a norte, sul e oeste e pelo segundo a leste), a que acrescem as áreas centrais das maiores cidades do Norte (Milão e Turim) e de Roma.

 Ao contrário do que seria, teoricamente, expectável, é nos círculos uninominais que ocorre a maior fragmentação partidária, Assim, as listas da NcI, I e CP só aí conseguiram obter representação parlamentar. Tal fenómeno deve-se a dois fatores: as alianças pré-eleitorais nos círculos maioritários e o facto de existirem cláusulas-barreiras no acesso à representação proporcional.

O que podemos esperar?

A formação de um governo, no quadro parlamentar saído das eleições de 4 de março, será uma tarefa hercúlea. O M5S tornou-se incontornável para uma maioria, tendo, para o efeito, dois possíveis parceiros: o PD e a Lega. Do ponto de vista matemático, poderia também aliar-se à FI, mas seria quase um suicídio aliar-se a Berlusconi. Assim, as principais hipóteses são:

Governo M5S-PD, chefiado por Di Maio. No atual contexto, parece ser o mais coerente, mas encontra fortes resistências no seio do segundo. Renzi, que, após as eleições, anunciou a sua demissão, avisou que só a concretizará após a formação de um novo executivo e opõe-se firmemente a esse cenário. Contudo, no interior do PD, há quem o defenda. Até porque o M5S suavizou a sua posição anti-UE, o que poderia facilitar a sua aproximação aos “democratas”. Curiosamente, estamos numa posição inversa à de 2013, em que era o PD a querer “puxar” o “5 estrelas” para o governo, algo que este recusou. Por outro lado,

Governo M5S-Lega. Seria o pesadelo de Bruxelas, mas não parece tão crível, já que, apesar de algumas convergências em determinados pontos, as duas formações são rivais. Poderiam, no entanto, unir-se para aprovar uma nova lei eleitoral, que reforce a componente maioritária do sistema, o que, no atual quadro político, beneficiaria ambos.

Governo “técnico”, constituído por tecnocratas sem partido, que pudesse ter apoio de M5S, de pequenos partidos, do PD e/ou da FI, quiçá com a missão de aprovar a enésima lei eleitoral até nova ida às urnas.

Mas, como disse aqui:  “Se há algo que caracterizou, desde sempre, a vida política italiana é a sua imprevisibilidade. (…), a facilidade e a velocidade com que se fazem e desfazem alianças e coligações, se criam, extinguem e fundem partidos e movimentos políticos é verdadeiramente alucinante”. Acrescento que as dissidências são vulgares na política italiana, pelo que pode haver um executivo apoiado por parte de uma ou mais forças políticas, entretanto transformadas em novos partidos. Para já, a “bola” está do lado do presidente da República, Sergio Matarella.

Artigos relacionados: 

Termos relacionados Internacional
(...)