Economistas criticam resposta "desadequada" à inflação e defendem aumentos salariais

20 de julho 2023 - 11:13

Um estudo publicado pelo Observatório das Crises e Alternativas defende que a subida das taxas de juro não ajuda a combater o atual processo inflacionário e só acentua as fragilidades estruturais da economia portuguesa.

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Treês carrinhos de supermercado comparam as compras feitas com o mesmo dinheiro em 2020, 2021 e 2022.
Foto de Ana Mendes.

O estudo “A inflação pós-pandémica: reflexões a partir da economia portuguesa”, da autoria de Diogo Martins e Vicente Ferreira, foi lançado esta semana no Caderno do Observatório sobre Crises e Alternativas. Ele analisa as razões por detrás da subida da inflação nos últimos anos e a resposta dos bancos centrais no sentido de aumentarem as taxas de juro como forma de controlar essa subida.

Para os autores, esta receita é errada e ainda mais no caso da economia portuguesa, onde o principal problema “não é a inflação em si, mas sim a crise do custo de vida que resulta da compressão dos salários reais”. E defendem uma resposta progressista que tenha o foco na crise do custo de vida, através de "aumentos salariais que permitam proteger o poder de compra dos trabalhadores e por um reforço do poder relativo do fator trabalho, através de medidas de promoção da negociação coletiva e da organização laboral".

"A subida das taxas de juro não constitui uma resposta adequada ao processo inflacionário e arrisca-se a acentuar as fragilidades estruturais da economia portuguesa", defendem os autores, criticando a política seguida por Christine Lagarde à frente do Banco Central Europeu por estar a "fechar a janela de oportunidade aberta no início da pandemia: a articulação entre a política monetária e a política orçamental em torno de objetivos socialmente úteis, como a manutenção do emprego e dos rendimentos e a resposta contracíclica à crise".

No caso português, juros altos significam "um entrave aos investimentos necessários para promover a transformação estrutural" da economia, pois o atual crescimento acima da média europeia está em grande medida ligado ao dinamismo do setor do turismo. Um modelo que assenta em "serviços de baixo valor acrescentado, baixa incorporação de conhecimento e tecnologia, baixas remunerações e elevada precariedade laboral, reforçando a dependência de setores particularmente voláteis, com pouco potencial produtivo e pouco adequados às qualificações das novas gerações", apontam.

"O capital tem saído vencedor" com este aumento da inflação

Mas também no plano europeu e internacional a receita usada pelos bancos centrais é ineficaz para lidar com o problema das economias, pois a inflação resulta da subida de preços em setores como a energia e os bens alimentares, "sobre os quais a política monetária dificilmente produzirá efeitos", como a própria Lagarde admitiu no ano passado. E é também uma "estratégia injusta do ponto de vista social", acrescentam, pois ao tornar mais caro o recurso ao crédito, visa a restrição do consumo e do investimento privado. Os efeitos desta política monetária recessiva "aprofundam as desigualdades, através da destruição de emprego (que atinge desproporcionalmente os grupos sociais mais vulneráveis), do efeito disciplinador sobre o trabalho e do aumento dos rendimentos do capital rentista".

Na avaliação do impacto da inflação dos últimos anos, estes economistas concluem que "o capital tem saído vencedor", com a manutenção ou mesmo o aumento das margens de lucro, enquanto os salários perdem poder de compra. O resultado é uma "alteração da distribuição funcional do rendimento em favor dos detentores de capital e em detrimento dos trabalhadores, operando uma transferência de rendimento dos segundos para os primeiros". E isto explica-se pela posição desfavorável dos trabalhadores, com os níveis de sindicalização em mínimos históricos e o fraco alcance da negociação coletiva, a que se junta a opção do Estado por impor cortes reais no salário dos seus funcionários.

Para os dois economistas, uma estratégia de crescimento dos salários nominais para preservar o seu valor real "é consistente tanto com uma taxa de inflação que diminui ao longo do tempo quanto com a preservação dos lucros reais". E concluem que essa estratégia é "essencial" para que o aumento temporário da inflação não venha a transformar-se numa crise do custo de vida e num aumento persistente da desigualdade.

A apresentação pública do estudo tem lugar esta quinta-feira pelas 18h30 nas instalações do Centro de Informação Urbana de Lisboa, com a presença dos autores e um debate moderado por João Ramos de Almeida em que participam o jornalista Nuno Aguiar e os economistas João Ferreira do Amaral e Ana Costa.

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