19.862 pessoas presas, 18.772 torturadas, 20.814 exiladas, 459 assassinados ou desaparecidas. Este é um balanço dos 35 anos de governo de Alfredo Stroessner de acordo com um relatório da Comissão de Verdade e Justiça. O militar fez um golpe de Estado a 4 de maio de 1954, apoiado pelos Estados Unidos, e só deixou o poder quando outro golpe de Estado, igualmente apoiado pelos Estados Unidos, o depôs. Durante esse tempo foi uma das peças da operação Condor, a campanha de terrorismo de Estado promovida pelos EUA na América do Sul.
Este registo de perseguições políticas e de violações dos direitos humanos, comum às ditaduras da região naquela época, está bem documentado há muito tempo mas também novas descobertas. Em 2019, numa casa sua, foram descobertas ossadas humanas : três crânios humanos e vários ossos de membros inferiores. A equipa nacional de busca de presos políticos e desaparecidos entrou em campo e assegurou tratar-se de restos mortais de vítimas da ditadura. O local, explicou Rogelio Goiburu à RPC, era conhecido como a “casa do terror” porque “ele visitava este lugar e ouviam-se gritos de pessoas, uivos, gente que suplicava pela vida”.
Mas há ainda outro tipo de violência perpetrado pelo seu regime conservador de direita. Uma investigação de um jornalista paraguaio, Andrés Colman, resultou recentemente na publicação do livro “Las orgías del general” que mostra os detalhes daquilo que já tinha circulado como boato ou como diferentes pedaços de informações soltas: durante anos, Stroessner e o seu círculo mais próximo, sequestraram e violaram crianças entre os oito e os 15 anos de idade.
Colman explica que estas eram escolhidas por terem menos de 15 anos porque “mais do que essa idade já não queriam porque diziam que já tinham os ossos duros e coisas assim” e que elas eram depois “mantidas em casas tipo harém para as violarem sexualmente”.
O livro nasceu a partir de um trabalho jornalístico para o “Última Hora de Asunción” em 2016, dez anos depois da morte do general que viveu 17 tranquilos anos em Brasília depois de ter sido deposto. Em entrevista à agência EFE, o jornalista diz que, junto com Susana Oviedo e Fernando Boccia, descobriram “várias histórias, vários lugares novos sobre algo que parecia um mito que era o tema de que o ditador Stroessner e um grupo de coronéis sequestravam meninas ou compravam-nas ou traziam-nas enganadas ou pressionadas”.
O próprio esclarece que “durante muito tempo” não acreditou no que era dito sobre Stroessner, pensando que “era propaganda da oposição porque não havia denúncias explícitas”. Só que em 2008, uma primeira vítima, Julia Ozorio Gamecho, decidiu contar a sua história, num livro intitulado “Una Rosa y mil soldados” que se tornou “o primeiro caso que saiu à luz com nome e apelido”. Havia igualmente o caso de Ada Rafaela Ashwell Mallorquín de Rodríguez, publicado ainda em 1977 no The Washington Post e cuja informação estava na posse da Comissão Verdade e Justiça do Paraguai.
O jornalista sintetiza que o que fez então foi “juntar todas as peças de um amplo quebra-cabeças, versões, dar-lhe nome, colocar fotos, imagens, documentos e construir uma espécie de novela de não ficção sobre o tema”. Contudo, 35 anos depois da queda da ditadura, “há gente que ainda não consegue acreditar” que o ditador paraguaio “era un perverso, era um pedófilo, era um violador de crianças e por esse crime nunca foi julgado”, conclui.