No dia 30 de abril, o Paraguai regressou às urnas por ocasião das eleições gerais que ocorrem a cada cinco anos. Entre a continuidade e a novidade, o vencedor foi Santiago Peña, de apenas 44 anos, candidato presidencial do Partido Colorado, que tem, quase continuamente, governado o país há mais de sete décadas.
Com um programa neoliberal, assente numa economia de incentivos fiscais às empresas, e sob a promessa de criar mais de 500 mil postos de trabalho e de investir na segurança pública, Santiago Peña foi eleito com quase 43% dos votos, numas eleições cuja afluência foi de 63%.
Além da Presidência, o Partido Colorado vai assumir, pela primeira vez, o controlo de tanto a Câmara dos Senadores como da Câmara de Deputados, assim como o controlo sobre 15 dos 17 departamentos do país. Consolida-se assim o poder executivo, legislativo e regional do Partido Colorado no país.
Quem é Santiago Peña?
Santiago Peña é economista de formação, licenciado pela Universidade Católica de Assunção e mestre pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. O perfil de Santiago Peña faz recordar o de Iván Duque, agora ex-presidente da Colômbia, escolhido quando o uribismo (ultradireita colombiana associada a Álvaro Uribe) desesperava por renovação. Tal como Iván Duque, que trabalhou por mais de uma década no Banco Interamericano de Desenvolvimento nos EUA, também o Partido Colorado paraguaio se serviu do passado tecnocrata de Santiago Peña para legitimar a sua escolha. Anteriormente em Washington, onde trabalhou para o Fundo Monetário Internacional, e posteriormente diretor do Banco Central Paraguaio, Santiago Peña só ganhou relevância na política paraguaia a partir de 2015.
Estranhamente, Santiago Peña não começou o seu percurso partidário no Partido Colorado, mas sim na oposição, no Partido Liberal. Foi escolhido pelo antigo Presidente do Paraguai e atual líder do Partido Colorado, Horacio Cartes (2013-2018) - agora em maus lençóis por acusações de corrupção e envolvimento em crime organizado -, para ser Ministro das Finanças, tornando-se assim num dos herdeiros naturais das lideranças vindouras. Tentou ser o candidato do Partido Colorado às eleições presidenciais de 2018, mas sem sucesso - venceu-o Mário Abdo, atual presidente do país. No entretanto, foi aprofundando a relação de apadrinhamento com Horacio Cartes, passando a integrar a direção de um dos bancos do Grupo Cartes, que representa 2% do Produto Interno Bruto paraguaio.
O estranho caso do Paraguai
Para entender a longevidade do conservadorismo no Paraguai é necessário algum contexto sobre este país sem acesso ao mar e de história relativamente desconhecida. O Paraguai, país cuja independência foi obtida em 1842, é um país relativamente jovem, mais ainda do que os seus vizinhos sul americanos. Logo após a independência, o Paraguai sofreu anos atribulados. A força dos interesses britânicos na região e as disputas territoriais regionais deram origem à Guerra da Tripla Aliança (1864-1870), em que Brasil, Uruguai e Argentina atacaram o Paraguai, causando efeitos devastadores para a demografia nacional.
Foi durante a guerra que se formaram os dois partidos que até hoje dominam o sistema bipartidário paraguaio: de um lado o Partido Colorado, ou Associação Nacional Republicana, e do outro, o Partido Liberal. Sob a necessidade de construção do Estado e de reconstrução pós-guerra, o poder e redes clientelistas e de dependência ao redor destes partidos manteve-se até aos dias de hoje. Sublinhe-se que atualmente, dos quase 5 milhões de paraguaios habilitados a votar, mais de 2 milhões e meio estão filiados ao Partido Colorado e mais de 1 milhão e meio ao Partido Liberal.
Apesar do sistema bipartidário, a governação do Paraguai há muito que está entregue ao Partido Colorado desde 1947, excepto por um curto período de cinco anos. Foi também pelas mãos do Partido Colorado que o Paraguai teve a ditadura mais longa da América do Sul, entre 1954 e 1989, sob a Presidência do general Alfredo Stroessner, que, enquanto perseguia setores de esquerda, garantia asilo a nazis alemães e a franquistas espanhóis. Ao contrério dos países vizinhos, o fim da ditadura paraguaia deu-se através de um golpe palaciano, no qual Stroessner foi pacificamente substituído pelo próprio genro, o general Andrés Rodríguez, mas deixando que as estruturas de apoio ao regime saíssem ilesas.
A perpetuação no poder do Partido Colorado explica-se por vários motivos. Do ponto da gestão de um partido que quase se confunde com o Estado, pelo grande número de filiados e dependentes, bem estabelecido em todo o país, e pela prestação de serviços públicos, que mais do oferecida pelo Estado paraguaio, é garantida por representações locais do partido. Do ponto de vista das alternativas, há muito que a oligarquia paraguaia e que o Partido Colorado lançam redes de influência e que sequestram a oposição. Desde o período da ditadura de Stroessner que o Partido Comunista Paraguaio, movimentos sociais organizados, movimentos indígenas, de camponeses sem terra e sindicatos são perseguidos ou enquadrados nas estruturas do Partido. Do ponto de vista internacional, por fim, os interesses estrangeiros protegem a oligarquia nacional latifundiária e agroindustrial e o conservadorismo instalado.
Neste contexto de democracia ilusória, blindada contra o aparecimento de qualquer alternativa, a disputa de espaço político pelas esquerdas tem sido difícil. Nos últimos 75 anos, ou até desde a formação do Paraguai, houve apenas um curto período de esperança. Tal deu-se aquando da eleição de Fernando Lugo (2008-2012), um antigo bispo católico e progressista, cuja família havia sido perseguida pela ditadura de Stroessner, e adepto da teologia da libertação e defensor da causa indígena guarani e dos movimentos sem terra do Paraguai. Acabou por ser destituído num processo de impeachment que durou menos de dois dias. O Partido Colorado acabaria por recuperar o poder nas eleições seguintes.