O antigo chefe militar e rival político de Benjamin Netanyahu anunciou este domingo a demissão do gabinete de guerra que até então era composto pelos dois e pelo ministro da Defesa Yoav Gallant, que tal como Netanyahu foi alvo de um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional para responder por crimes de guerra em Gaza.
Benny Gantz justificou a saída acusando Netanyahu de condicionar a evolução do conflito, nomeadamente um acordo para o cessar fogo e libertação dos reféns, ao cálculo político para garantir a sua sobrevivência no poder. No mês passado tinha dado um ultimato ao primeiro-ministro israelita para apresentar um plano para o “dia seguinte” na Faixa de Gaza, mas ficou sem resposta.
A demissão do antigo chefe militar e líder do partido Unidade Nacional já era esperada e chegou a ser anunciada para sábado, tendo sido adiada por causa da operação militar que arrasou o campo de refugiados de Nuseirat. Apresentada pelo governo sionista como um grande sucesso, por ter permitido a libertação de quatro reféns com vida, o massacre matou 274 palestinianos e deixou mais de 600 feridos, além de também ter morto outros três reféns que se encontravam no local, segundo o relato do Hamas.
Com a saída de Gantz do gabinete de guerra, Netanyahu fica mais dependente dos aliados extremistas. O ministro das Finanças Bezalel Smotrich, que considera um eventual acordo de cessar-fogo com o Hamas um “suicídio coletivo”, não poupou críticas a Gantz, enquanto o ministro do Interior Itamar Ben Gvir, que tinha ameaçado demitir-se se houvesse um acordo, não perdeu tempo a reclamar o lugar de Gantz no triunvirato do gabinete de guerra.
O partido de Gantz, que entrou na política em 2018 justamente com o objetivo de afastar Netanyahu do poder, apresentou na semana passada uma proposta no Knesset para dissolver o parlamento e marcar eleições para outubro.
Lei sobre isenção do serviço militar vai voltar a dividir o Knesset
Já esta segunda-feira, o parlamento israelita votará outra proposta que tem aumentado a tensão política do país: a de prolongar a isenção do serviço militar aos estudantes religiosos judeus ultra-ortodoxos maiores de 21 anos, quando até aqui se aplica a maiores de 26 anos.
A proposta foi apresentada em maio por Netanyahu, justificando que o texto da lei era semelhante ao que Benny Gantz tinha proposto no governo anterior. Mas o agora demissionário anunciou de imediato a oposição à lei que tinha escrito, afirmando que as circunstâncias eram outras e que agora “Israel precisa de soldados e não de manobras políticas que dividem o povo em tempo de guerra”.
Na proposta original, o limite de 21 anos subiria para 23 anos ao fim de dois anos e seriam estabelecidas quotas de recrutamento entre os jovens a estudar nas yeshivá, as escolas que promovem o estudo do Talmud e da Torá, a começar nos 15% e a aumentar de forma gradual até aos 35% em 2036. A lei prevê sanções para as escolas que não cumprissem essas quotas, a começar com corte de 20% no financiamento público. Os jovens poderiam optar entre um período de serviço de três semanas ou se três meses, passando depois à reserva, e poderiam ainda optar por fazer serviço cívico em vez de militar.
Ministro da Justiça obriga Netanyahu a apagar tweets de propaganda com reféns libertados
No meio da crise política, Netanyahu foi lesto a tentar recuperar a sua imagem junto da opinião pública, fazendo-se fotografar e filmar junto a cada um dos quatro reféns libertados. E foi mais longe ao publicar na rede social X seis tweets onde apareciam os registos das conversas entre a sua mulher, Sara, e os país dos reféns libertados no sábado.
“Quando as coisas acabam mal, o primeiro-ministro não aparece. E também não telefona”, afirmou ao Haaretz Avi Marciano, pai de um refém morto no bombardeamento ao hospital de Al-Shifa.
Os familiares dos reféns não foram os únicos a ficar indignados com a operação de propaganda de Netanyahu. O próprio ministro da Justiça deu ordem para Netanyahu apagar os tweets por violarem as regras de publicação na conta oficial do primeiro-ministro do país. A razão apontada é que essa conta não pode ser usada para mostrar as atividades pessoais da esposa do ocupante do cargo, a menos que este também participe nelas.
Mas para além da indignação das famílias dos reféns em Gaza, aumentou também a sua inquietação, ao perceberem que as condições de detenção dos seus familiares irão agravar-se a partir de agora e que é pouco provável que se repita com sucesso outra operação deste tipo para trazer de volta a casa os restantes 120 reféns, dos quais 40 estão dados como mortos.
Esta leitura é partilhada pelos próprios chefes militares israelitas, como o porta-voz Daniel Hagari, que reconheceu que “o que trará a maioria dos reféns de volta vivos é um acordo” com o Hamas. Da parte do movimento islamista, esta segunda-feira veio o apelo ao governo dos EUA para aumentar a pressão sobre o ocupante “para parar a guerra em Gaza”, afirmando que “o Hamas está pronto a negociar de forma positiva com qualquer iniciativa que garanta o fim da guerra”.
Melhor notícia do fim de semana veio das eleições europeias
Depois de a operação de propaganda da libertação dos reféns ter ficado ensombrada pelo massacre de centenas de pessoas na operação militar e de o anúncio da demissão de Benny Gantz ter ensombrado ainda mais o fim de semana dos governantes sionistas, a melhor notícia parece ter vindo do resultado das eleições europeias de domingo.
Segundo o diário Haaretz, o avanço das forças da extrema-direita na Europa, apesar de menor do que o previsto nas sondagens das últimas semanas, foi bem recebido pelo governo israelita. Uma satisfação redobrada pela perda de influência dos Verdes Europeus e sobretudo pela demissão do liberal que estava ao comando do governo belga, que Telavive suspeitava que iria em breve seguir os passos de outros governos europeus e reconhecer o Estado da Palestina.
Com a nova configuração de forças, o governo de Israel espera agora pela substituição de Josep Borrell, outro crítico do genocídio em Gaza que ainda este fim de semana chamou de “banho de sangue” a operação em Nuseirat, à frente da pasta da política externa europeia, o que deverá ocorrer nos próximos meses.