Da “reengenharia demográfica” aos “estrangeiros na sua própria terra”, o PSD repete o discurso da extrema-direita

03 de novembro 2025 - 15:38

O ministro Leitão Amaro, o secretário de Estado Rui Armindo Freitas e o ex-primeiro-ministro Passos Coelho repetiram nos últimos dias alguns chavões conhecidos da extrema-direita internacional. Coube a Montenegro fechar a sequência referindo-se aos “portugueses de ocasião”.

PARTILHAR
Leitão Amaro e Passos Coelho com apitos de cão
Leitão Amaro e Passos Coelho com apitos de cão.

Desde o início do seu mandato, o Governo tem apostado em tomar como sua a agenda do Chega contra a imigração, ou mais concretamente contra os direitos dos imigrantes. Com grandes setores da economia a dependerem da mão-de-obra imigrante, as medidas do atual Governo apoiam-se na propaganda sobre as “portas escancaradas” que o anterior executivo teria aberto e o atual pretenderia encerrar. Na verdade, o fluxo migratório continuará, como sempre foi, a ser ditado pelas necessidades da procura de mão-de-obra. Ou seja, recorrendo à mesma metáfora das “portas escancaradas”, os imigrantes passarão agora a entrar pelas janelas, com menos direitos e assim mais sujeitos à exploração dos patrões e dos intermediários que contratam para escapar à punição legal.

A agenda do Governo não é novidade, com legislação sobre imigração introduzida em vésperas de atos eleitorais, nas europeias e legislativas. Mais recente é a adoção por atuais e antigos altos responsáveis do PSD de chavões da extrema-direita internacional. Uma tendência acentuada nos últimos dias, à boleia do debate da lei da nacionalidade. Figuras como o ministro Leitão Amaro, o seu secretário de Estado Rui Armindo Freitas e o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho ensaiaram a prática discursiva conhecida como “apito de cão” (dog whistle em inglês), que consiste em transmitir uma mensagem política com expressões que têm um significado para o público em geral e outro mais concreto para um determinado grupo-alvo.

Leitão Amaro acusou o PS de querer “acabar o trabalho de reengenharia demográfica e reengenharia política do país que lançou com a manifestação de interesse”. Indiferente ao facto de os imigrantes representarem uma pequena parte dos pedidos de nacionalidade, que se concentram sobretudo nos descendentes de sefarditas a aproveitar o regime especial e nos descendentes de portugueses emigrados, o ministro diz que a lei da nacionalidade em vigor antes das alterações agora aprovadas iria gerar “uma substantiva mudança na composição da comunidade política”. Não passaram despercebidas ao Expresso as semelhanças com a “teoria da Grande Substituição”, em voga no discurso da extrema-direita em França na década passada e também presente na alt-right estadunidense com acusações aos Democratas de promoverem a entrada de imigrantes para substituírem o eleitorado do país.

As declarações do ministro foram secundadas pelo secretário de Estado Rui Armindo Freitas, quando questionado pelo Observador sobre se achava que o objetivo do PS era mesmo o de mudar a base social do país para conquistar votos. “Estaria sempre subjacente, porque era isso que sucederia”, respondeu o governante.

Carta

Sim, Sr. Passos Coelho, somos estrangeiros na nossa terra

por

Artur Ramos

24 de outubro 2025

Também o ex-primeiro-ministro Passos Coelho, que antes de sair do Governo em 2015 queria abrir o debate europeu sobre os benefícios de uma “política de imigração mais aberta”, e que nos últimos anos tem criticado a abertura que antes defendia, veio agora dizer que “se tudo se mantiver como está com o reagrupamento familiar e por aí fora, qualquer dia as pessoas que fazem parte daquela sociedade, se sentem estrangeiras na sua própria terra”.

Esta expressão remete para uma recente polémica no Reino Unido, quando o primeiro-ministro Keir Starmer, também ele a endurecer a política anti-imigração com a esperança de suster o avanço da extrema-direita ao adotar a sua agenda, falou do risco de o país se tornar “uma ilha de estrangeiros”. A expressão é a mesma que em 1968 foi usada no discurso racista e anti-imigração do então deputado conservador (e depois unionista) Enoch Powell, que ficou conhecido pelo discurso dos “Rios de Sangue”.

Apesar de inicialmente ter dito que mantinha o que disse, fazendo aumentar ainda mais o volume das críticas dentro e fora do Partido Trabalhista, Keir Starmer viria depois a lamentar ter usado a expressão, alegando que nem ele nem o seu escritor de discursos tinham reparado na semelhança da expressão com a do discurso de Powell.

Primeiro-Ministro Luís Montenegro faz declaração sobre aprovação do Orçamento do Estado e da Lei da Nacionalidade, Lisboa, 28 outubro 2025 (Gonçalo Borges Dias/GPM)
Primeiro-Ministro Luís Montenegro faz declaração sobre aprovação do Orçamento do Estado e da Lei da Nacionalidade, Lisboa, 28 outubro 2025 (Gonçalo Borges Dias/GPM)

A fechar o coro de declarações de figuras do PSD em tudo semelhantes às da extrema-direita, surgiu na sua residência oficial, rodeado de oito bandeiras nacionais e dispensando por uma vez a da União Europeia, o primeiro-ministro Luís Montenegro. O objetivo era congratular-se com a aprovação da lei da nacionalidade por parte do PSD, CDS, Chega e IL numa declaração ao país e deixar claro que “não queremos portugueses de ocasião”. Palavras contestadas pela constitucionalista Teresa Violante, lembrando que “o artigo 13º proíbe a discriminação por origem”, pelo que não existem “portugueses de primeira” nem “de ocasião” e essa retórica “introduz, de forma perigosa, uma gradação moral que o texto constitucional rejeita”.

 

Termos relacionados: PolíticaExtrema-direita