Criptomoedas: José Gusmão critica “regulação a fingir para ativos a fingir”

27 de abril 2023 - 11:09

O Parlamento Europeu aprovou na semana passada a versão final do Regulamento em mercados de criptoativos (MiCA). O eurodeputado bloquista diz que esta regulamentação, "tal como os criptoativos, está feita para falhar”.

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José Gusmão intervém no Parlamento Europeu
José Gusmão interveio no plenário a 19 de abril. Foto Parlamento Europeu

A semana passada foi aprovado no Parlamento Europeu a versão final do Regulamento em mercados de criptoativos (MiCA). 

Como o Esquerda.net já tinha explicado em julho, o principal objetivo do MiCA é garantir a responsabilização das plataformas que oferecem serviços de compra e venda de criptoativos dos produtos que oferecem. Passam a precisar de licenças para operar na União Europeia, tanto na emissão como na transação de ativos digitais, e de assegurar que os investidores são devidamente informados quanto ao risco de perdas associadas.

O eurodeputado José Gusmão explicou “A regulamentação pretende normalizar, e incentivar, a utilização de criptos como se fossem um veículo de investimento. E tal como os criptoativos, está feita para falhar”. 

Lacunas graves no regulamento tornam-no obsoleto e ineficaz 

Em debate de plenário, o eurodeputado bloquista alertou que “a ligação entre o mercado dos criptoativos e o sistema financeiro convencional é cada vez maior e são cada vez mais as famílias que dão dinheiro a sério em troca de ativos a brincar” e que “o regulamento que aqui é proposto já é obsoleto, como disse a presidente do Banco Central Europeu”.

Uma das principais falhas no MiCA é não regular produtos de finanças descentralizadas (DeFi) e NFTs. Os membros do BCE têm sito muito ativos a alertar para os perigos de contaminação do setor cripto para o sistema financeiro tradicional e esta lacuna aumenta ainda mais este risco.

Em maio, o BCE escrevia: “Após uma análise profunda na alavancagem e empréstimo de criptoativos, concluímos que, se a atual trajetória de crescimento no tamanho e na complexidade do ecossistema de criptoativos continuar, e se as instituições financeiras se envolverem cada vez mais com criptoativos, então os criptoativos ativos representarão um risco para a estabilidade financeira”.

Num discurso a 5 de abril, Elizabeth McCaul, membro do quadro de supervisão do BCE apelava às falhas existentes na regulação e os perigos daí decorrentes. Explicou que “a FTX não teria sido classificada como uma CASP (plataformas que oferecem serviços de compra e venda de criptoativos) significativa sob o MiCA porque não atingia o limite de 15 milhões de utilizadores ativos. De facto, a Binance, que é o maior ator cripto, supostamente tem entre 28 milhões e 29 milhões de utilizadores ativos em todo o mundo, mas provavelmente nem atingiria o limite para ser classificado como significativa na UE”. 

Apontou ainda que o MiCA não resolve o problema das plataformas que não estão registadas em nenhuma jurisdição ou que têm uma estrutura tão complexa que é difícil determinar a empresa-mãe.

Gusmão rematou dizendo que o MiCA “não faz absolutamente nada – a não ser uma pequena declaração de intenções – sobre as consequências ambientais desta absurda indústria”. Referia-se ao facto de o lóbi ter conseguido impedir a proibição das moedas mineradas através de “proof-of-work” e apenas estar previsto a declaração destes impactos junto dos consumidores. Para que se tenha noção, estima-se que a energia computacional anual necessária para minerar Bitcoin, que utiliza esta forma de mineração, equivale ao consumo energético da Bélgica.

Regra anti-branqueamento referente a pagamentos cripto aquém do que seria necessário 

Para além do MiCA, foi também aprovado o Regulamento Transferência de Fundos. Criado em 2015, foi agora revisto para que estender a criptoativos a obrigação de os prestadores de serviços de pagamentos garantirem a transmissão de informação sobre o ordenante e o beneficiário do pagamento. A ideia é detetar e investigar transferências para efeitos de branqueamento de capitais ou financiamento de terrorismo.

Conseguiu-se em relação à proposta original da Comissão eliminar o limiar de 1000 euros a partir do qual as transferências em cripto devem ser acompanhadas de informação, proibir a transferências para ou de prestadores de serviços determinados não conformes, isto é, que não estejam estabelecidos numa jurisdição ou que operem na UE sem autorização ao abrigo do MiCA, e obrigar a EBA a manter um registo público de prestadores de serviços de criptoativos considerados não conformes ou de elevado risco. 

Contudo, há duas grandes lacunas que comprometem a eficácia no combate à lavagem de dinheiro através de criptoativos. Primeiro, as regras não se aplicam em cenários em que as transações entre utilizadores independentes (entre duas “carteiras não hospedadas”). Depois, em casos de transferências entre um utilizador independente e uma plataforma, esta última só é obrigada a recolher e verificar informação para transferências acima dos mil euros. Isto permite que sejam criados novos esquemas para impedir o rastreamento dos movimentos, por exemplo, através de um maior fracionamento das transferências.