Cinema

Costa-Gavras em Lyon: “Todos os filmes são políticos!”

21 de outubro 2024 - 19:36

Na abertura do Festival Lumière, Costa-Gavras recebeu do colega Tim Burton um prémio pelo conjunto da sua obra. “Honrado e emocionado“ foi como se declarou antes de mostrar o seu último filme Le Dernier Souffle. Sim, aos 91 anos, continua inabalável. Foi o que provou numa intensa masterclass.

porPaulo Portugal

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Costa-Gravas no Festival Lumière
Costa-Gravas recebeu prémio do Festival Lumière pelo conjunto da obra. Foto Léa Rener/Festival Lumière 2024

Sim, é verdade. 'Todos os filmes são políticos!' A frase precede o realizador, mas acaba por se imiscuir nas várias intervenções que Costa-Gavras tem feito ao longo das décadas e, naturalmente, muito a propósito de uma filmografia fortemente marcada por um certo pendor político.

Costa-Gavras é um dos grandes cineastas no ativo. Aos 91 esteve completamente à vontade na masterclass que lotou uma das salas principais do cinema Pathé Bellecour. O grego naturalizado francês - que não gosta muito que o tratem por Constantin. Na verdade, apresente-se Konstantinos Gavrás: ele que nasce a 13 de fevereiro de 1933, na região central do Peloponeso, filho de um militante comunista e resistente contra a ocupação nazi. Do pai corre-lhe a resistência de um homem várias vezes preso e anti regime monárquico, imposto no final da guerra civil, após a 2ª Guerra Mundial, quando a potência britânica que tutelava a Grécia defendeu uma monarquia como forma de suster a influência comunista naquele dealbar da Guerra Fria.

Talvez Costa-Gavras seja mais um cineasta militante. De causas dedicadas a questões que afetam a democracia e os seus ataques. Ao longo de mais de uma hora, aquela sala cheia foi ouvindo o mestre falar da sua arte, do cinema e da vida; a sua fuga da Grécia dos militares e a chegada a Paris, onde o trataram pela primeira vez de monsieur, da experiência na Sorbonne.

Dois dias antes da sua masterclass, na abertura do Festival Lumière (decorre de 12 a 20 de outubro), cerca de 5000 espetadores assistiram à antestreia de Le Dernier Souffle, a última longa-metragem do cineasta que reflete com lucidez sobre o fim da vida, os cuidados paliativos ou a derradeira ajuda antes do último suspiro. Um filme corajoso e tocante, embora sem nunca ser sentimental, visto na sua estreia mundial no passado festival de San Sebastian. A programação do festival incluiu ainda o seu par de filmes que abriram um caminho novo no xadrez político: Z (em Portugal, Z- A Orgia do Poder), de 1969, com Yves Montand e Simone Signoret além de Jean-Louis Trintignant e um cast de luxo, e L’Aveu (A Confissão), logo no ano seguinte, simbolizando o estertor do regime soviético, dos seus satélites e a catástrofe do estalinismo. Faz ainda parte da homenagem a série assinada por Yannick Kergoat, Le Siècle de Costa-Gavras, sobre esse século atormentado que a sua filmografia acompanha.

Aos 91 anos, Costa-Gavras olha de frente o problema: à medida que se aproxima o fim da minha vida fui-me dando conta de certos aspetos. Apercebi-me que é uma altura em que desejamos ter um bom fim de vida, pois há coisas terríveis que se podem passar. Foi então que comecei a pensar nesse momento - como acabar? Porém, não tenho soluções. É certo, o que não invalida que Le Dernier Souffle seja um belo filme que aborda de frente o tema, de frente sem rodeios nem maniqueísmos. Naturalmente, com uma proximidade à livre escolha do seu momento. Algo que terá pouco de político, mas de uma indiscutível liberdade.

Na verdade, Costa-Gavras desdenha até essa ideia de um cinema político. O cinema fala da vida, explica, afirmando que dantes não havia super-heróis. E ao pensar no cinema, na cidade que o viu nascer, recordou que a primeira projeção do cinematografo, em Lyon, teve apenas 33 espetadores, ao contrário da de Paris em que foram muitos mais. E depois o cinema mudou o mundo. Em todo o caso, defende a sua máxima, não é mudar o mundo pelo cinema, mas sim celebrar um cinema que conta uma história que nos pode tocar. É assim que faço os meus filmes.

Além da conotação política, uma das 'marcas' biográficas de Costa-Gavras é a sua recusa do projeto O Padrinho, como se sabe, acolhida com o sucesso que se conhece por Francis Ford Coppola, de quem agora vemos o novo Megalopolis. No entanto, há que fazer uma precisão: eu não recusei O Padrinho, eu recusei o livro (do Mario Puzzo), que era um livro menor, com muitas cenas de sexo. Aliás, Gavras reconhece: não deixa de ser um magnífico filme sobre a mafia e os novaiorquinos.

Costa-Gravas em Lyon
Costa-Gravas em Lyon. Foto de Paulo Portugal.

A primeira vez que picou a França foi em 1955. Viajou de comboio a partir de Brindisi, atravessando a Itália, ao longo de 3 dias. Chegou à Gare de Lyon, ainda com os comboios a vapor.

Sobre a saída da Grécia, disse: na altura era para fugir. O meu pai era anti-realista e comunista. A minha mãe não tinha estudos e queria que eu estudasse. O único país onde os estudos eram gratuitos era em França. Então inscrevi-me na Sorbonne, em Letras. Sim, a França era, na altura, como diz "o paraíso de um emigrante!" Foi nessa condução que descobriu a escola IDHEC (hoje FEMIS), trocando as letras pelo cinema, onde descobriu e aprendeu a técnica. Relevante foi nesse percurso o trabalho como assistente de realização de René Clair e Jacques Demy, entre outros. Foi uma aprendizagem. E um outro ensinamento. É que a técnica tem um problema, é autoritária.

Z é ainda hoje considerado um dos grandes filmes policiais de sempre. Foi um grande sucesso, reconhece. Embora o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro desse ano não o tenha feito perder a noção da realidade. Por isso, lança hoje a pergunta, sem modéstia: o que significa um filme ‘oscarisado'? A meu ver não significa que sejam os melhores do ano.

Comportem-se como Adultos

29 de novembro 2019

Costa-Gavras tinha apenas 36 anos na altura da estreia de Z, narrando a crónica verídica de um assassinato político, adaptado do romance do grego Vassilis Vassilikós, numa Grécia submersa num regime autoritários, dos coronéis, imposto em 1967 e que duraria até ao ano de 1974. Quando Z chega às salas irrompe a política no cinema; não a política dos politicos profissionais, mas a política como bem comum, como lugar de partilha, escreve Planel, na introdução deste filme de suspense e ação narrando a anatomia de um assassinato político em forma de teatro grego.

Na verdade, foi em 1968, em Algers, que tudo começou. Em plena independência, e no país onde o filme pode ser rodado. É aí que começa também o percurso de Edwy Planel, autor de Tous les films sont politiques, o livro que o autor nos assinou no final da sessão - tal como a autobiografia Va où il est impossible d’aller, de C-G, lançada em 2017, já a pensar no filme Comportem-se como Adultos (2019), a propósito da crise económica grega e das memórias de Yanis Varoufakis.

Na memória de muitos estava ainda o fulgurante Batalha de Algers, de Gillo de Pontecorvo (1966). É claro que o facto de o filme aparecer em França num dos momentos de maior euforia política depressa elevou-o a um estatuto que ainda hoje conserva. Em casa, recorda o pai que considerava Stalin um deus, sobretudo personalizado após o desaire nazi na batalha de Stalingrad, em que morreram ou foram prisioneiros mais de 600 mil alemães. Stalin resiste!, gritava o pai. É essa transição que é trabalhada em A Confissão, de novo com Yves Montand. Onde eram exploradas as técnicas da confissão deste alto responsável do regime comunista checo (Montand) que é preso, torturado, lutando contra a fome, a sede e privação do sono até quebrar e admitir todos os crimes que não cometera.

Ao longo de 50 anos de carreira, fez 20 filmes. Tentei fazer os filmes que conseguia fazer, admite. Encarados como um arco em que se destaca-se uma visão política do mundo. E que engloba até a nouvelle vague, um período em que o cinema passou a ser um affaire personelle que teve como herança o neorealismo italiano. Acrescentando ainda: Ninguém conseguiu fazer filmes como o Godard.

Por isso, no fim, reconhece, afinal de contas, todos os seus filmes são políticos. Só que, defende, é sempre preciso uma história. Pois nós queremos provocar emoções. É isso o cinema. Mas não podemos fazer filmes para mudar o mundo.

Paulo Portugal
Sobre o/a autor(a)

Paulo Portugal

Jornalista de cultura e cinema, autor do site insider.pt
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