Está aqui

COP26: A nação fóssil e a falta de chá

Se fosse um país, a nação da indústria dos combustíveis fósseis teria mais delegados do que qualquer país presente na COP26. São 503 delegados de mais de 100 empresas. Artigo de Nelson Peralta, em Glasgow.
Stand da Google na COP26. Foto Esquerda.net

Sou um dos delegados de Portugal presentes na cimeira das Nações Unidas para as Alterações Climáticas que decorre em Glasgow (COP26) de onde escrevo este artigo. Será certamente uma pequena delegação quando comparada com outras. Mas qual é mesmo a maior delegação? Se fosse um país, a nação da indústria dos combustíveis fósseis teria mais delegados do que qualquer país presente na COP26. São 503 delegados de mais de 100 empresas.

E as comparações mostram quão elevado é este número. Os delegados "fósseis" totalizam o dobro dos delegados indígenas na COP26. Estes 503 são mais que a soma dos delegados dos oito países que mais sofreram com as alterações climáticas nas últimas duas décadas (Porto Rico, Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão). Foram 27 países a credenciar delegados da indústria fóssil, onde se incluirá Portugal.

Estes números da Corporate Europe Observatory mostram como a cimeira que decide o futuro do nosso planeta é desigual desde logo no acesso à mesma. As desigualdades sociais e mesmo a distribuição desigual da vacinação no globo são entraves à participação. Já o pavilhão das Nações Unidas alberga bancas do Facebook, Google e Bloomberg. Esta última oferece o café a quem por lá passa.

Mas esta não é a última desigualdade. Não estamos bem no mesmo barco. Num evento da Presidência dedicado à adaptação, os discursos dos oradores refletem bem essa realidade.

A primeira representante a tomar a palavra foi uma ministra britânica. O exemplo usado para retratar a necessidade de adaptação: a forma como a produção agrícola de chá - um bem tal apreciado por estas terras - fica em risco com alterações do clima. É certo que o disse com um misto de realidade e um tom leve para quebrar o gelo. Mas isso mesmo contrasta com os dois oradores seguintes. Pelo Fórum das Ilhas do Pacífico ouvimos falar da perda de casas e do Quénia escutamos o número de mortes devido à crise climática e questões relacionadas com a fome.

É mesmo assim a crise climática: nasceu de um sistema que, pelos mesmos mecanismos, cria as desigualdades sociais. E são essas desigualdades que também definem a resposta climática e formas de ver. A cimeira reúne positivamente todas as nações na tentativa de uma resposta, mas nunca com os resultados necessário. Mas reproduz essa desigualdade no seu acesso e nos seus resultados. É também esse sistema de desigualdades estruturais que tem evitado uma solução climática. Os interesses económicos bem firmados têm levado a melhor em relação aos interesses da população, em particular daqueles que estão na linha da frente a sofrer os efeitos das alterações climáticas.

Sobre o/a autor(a)

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
Termos relacionados COP26, Ambiente
(...)