Esta terça-feira realiza-se mais uma jornada de luta em França contra o aumento da idade de reforma, depois de na semana passada o Governo ter usado o artigo 49.3 da Constituição que lhe permite aprovar leis por decreto, contornando a necessidade de serem aprovadas pelos deputados.
As manifestações voltaram a juntar centenas de milhares de pessoas em todo o país, com uma adesão inferior às da passada semana e semelhantes às do dia 15 de março. Os organizadores estimam a participação em Paris em 450 mil pessoas face aos 800 mil da semana passada e em Marselha nos 180 mil, menos 100 mil do que na semana passada. Após o desfile, centenas de pessoas seguiram para a gare ferroviária marselhesa de Saint-Charles e interromperam a circulação de comboios até meio da tarde.
E como noutras cidades, já não é só a questão da idade da reforma que traz as pessoas à rua. "Agora tudo nos revolta. Votámos Emmanuel Macron contra a Frente Nacional e agora ele aproveita-se disso. A França está em crise como nunca antes esteve, o clima está em crise, mas ele não faz nada", contou ao Le Monde Elise, uma jovem manifestante que acompanhava a mãe no desfile em Estrasburgo.
Os números gerais das greves desta terça-feira seguiram a mesma tendência, em geral abaixo dos registados na semana passada. Nas últimas semanas tem havido vários setores em greve reconduzível, como é o caso dos trabalhadores da limpeza urbana de Paris. Após 23 dias de greve, e apesar dos serviços mínimos decretados, há ainda sete mil toneladas de lixo por recolher nas ruas da cidade. A CGT anunciou que a greve será suspensa a partir desta quarta-feira, bem como os bloqueios à porta das incineradoras. O passar dos dias sem salário foi diminuindo a mobilização e o sindicato diz querer voltar a discutir com os trabalhadores para retomarem "uma greve mais forte". A greve reconduzível na refinarias prossegue, com a falta de combustível a atingir um terço das bombas de gasolina nalgumas províncias. Em alta está a mobilização estudantil, tanto na presença nas manifestações como no número de escolas bloqueadas, mais de 500 face às 400 da semana passada. E os bloqueios de estradas também voltaram a fazer parte do calendário destas jornadas de luta em várias cidades francesas.
Governo recusa mediação para travar a escalada da crise social
A decisão de recorrer ao artigo 49.3 tornou Elisabeth Borne na primeira-ministra a recorrer mais frequentemente a esse instrumento jurídico na história da V República, fazendo-o em média uma vez por mês. Mas fez subir de tom a indignação dos franceses contra uma reforma que nas sondagens é reprovada por dois terços da população. A entrevista televisiva de Macron a atacar os manifestantes, comparando-os aos invasores do Capitólio, ajudou a incendiar os ânimos e nos dias seguintes a violência da repressão policial intensificou-se, com o ponto alto num protesto ambientalista este fim de semana no centro do país, que acabou com vários feridos graves. Uma petição para a dissolução da brigada policial BRAV-M, responsável por agressões a manifestantes documentadas em vídeos, reuniu em poucos dias 130 mil assinaturas.
Ante os apelos à diminuição da escalada da violência, o líder sindical da CFDT, Laurent Berger, lançou um apelo à mediação entre Governo e sindicatos para encontrarem uma saída para a crise social que se vive no país. Os partidos de esquerda apoiaram a iniciativa, tal como o MoDem, que pertence à maioria presidencial. Mas o Governo apressou-se a fechar a porta à iniciativa e a sugerir que a primeira-ministra iria em breve propor um encontro com os sindicatos para discutir vários assuntos, à exceção da sua reforma das pensões.
Em reação a essa recusa, o líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, diz que "há pessoas na maioria que dizem que isso é uma loucura". "É útil que estas propostas sejam feitas, Laurent Berger fê-la, eu também tinha feito uma de remeter todo o dossier das reformas para o conselho de administração da segurança social", prosseguiu Mélenchon, alertando que a França "não se governa à pancada". Comentando a abertura ao diálogo dos deputados do MoDem, Mélenchon diz que é natural, por haver nesse partido pessoas que já foram ministros e presidentes e têm "a experiência do sufrágio universal", sendo por isso "mais normais do que estes iluminados que nos governam".