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França: ONG denunciam militarização da repressão a ambientalistas

A manifestação contra a construção de bacias de água para a agricultura no centro de França foi reprimida com recurso a material de guerra, denuncia a Liga dos Direitos Humanos francesa. Dezenas de pessoas ficaram feridas, algumas em estado grave.
Local onde se encontravam deputados a proteger a zona dos feridos na manifestação de sábado em Sainte-Soline. Foto publicada na conta Twitter de Marianne Maximi.

Os sindicatos e organizações ambientalistas anunciaram a presença de 25 mil pessoas no protesto de sábado contra a construção de bacias de água destinadas à agricultura em Sainte-Soline, no centro-oeste de França. Do outro lado estavam mais de três mil agentes dispostos a impedir que o cortejo se aproximasse do local dessa construção. O protesto em defesa da água contra mais projetos de agricultura intensiva tinha sido proibido pelas autoridades.

A manifestação anunciava-se pacífica, mas a ação da polícia cedo frustrou o objetivo dos ambientalistas. Uma equipa de observadores de várias ONG, incluindo a Liga dos Direitos Humanos, acompanhou todo o processo desde a sexta-feira até domingo e conta como a estratégia de tensão começou a ser montada ainda na véspera, com barreiras policiais que revistavam os automóveis que passavam na zona. O cortejo partiu e foi seguido por dois helicópteros, até ao momento em que chegou junto ao estaleiro das obras e foi recebido por agentes em 20 veículos moto-quatro, disparando indiscriminadamente bombas de gás lacrimogéneo sobre os manifestantes.

"Assim que os cortejos chegaram ao local da Bacia, os policias dispararam contra eles armas semelhantes às de guerra: granadas de gás lacrimogéneo, granadas atordoantes, granadas explosivas dos tipos GM2L e GENL, incluindo tiros do tipo LBD 40. Observámos tiros de LBD 40 a partir das moto-quatro em andamento", relata a LDH, referindo que logo após as explosões das granadas se começaram a ouvir gritos de socorro e pedidos de assistência médica.

Para esta organização, o dispositivo montado pôs em perigo o conjunto das pessoas presentes no local e provocou ferimentos graves. A LDH testemunhou também entraves por parte da polícia ao socorro médico dos manifestantes, incluindo da ambulância de urgência que ia acudir um dos feridos em perigo de vida numa zona que estava "absolutamente calma há mais de dez minutos".

Objetivo policial foi "impedir o acesso à bacia, qualquer que fosse o custo humano"

"Em geral, constatámos um uso imoderado e indiscriminado da força sobre todos os presentes no local, com um objetivo claro: impedir o acesso à bacia, qualquer que fosse o custo humano", conclui a LDH, prometendo um relatório mais pormenorizado nas próximas semanas. Em resposta, os manifestantes incendiaram quatro carrinhas policiais.

O resultado da batalha campal em que se transformou este protesto ambientalista foi de 200 feridos, dos quais 40 em estado grave, anunciaram os organizadores, com "mandíbulas arrancadas e feridas desfigurantes causadas por granadas GM2L e LBDs". Três pessoas tiveram de ser evacuadas de helicóptero e uma foi entubada no próprio local, relata o Mediapart. As autoridades municipais de Deux-Sèvres acrescentam que três jornalistas ficaram feridos, bem como 29 polícias, dois dos quais em estado grave.

Umas das situações que melhor ilustra a violência da repressão policial foi testemunhada de perto pelo eurodeputado dos Verdes Benoît Biteau, que se encontrava com os restantes eleitos numa zona recuada onde chegavam os feridos em busca de assistência. "Nesta área protegida, recebemos uma quantidade incrível de granadas sonoras e gás lacrimogéneo, ao ponto de sermos forçados a abandonar os feridos. Não há qualquer deontologia ou discernimento por parte da polícia!", exclama o eurodeputado ao Mediapart. E acrescentou que a passagem das ambulâncias só foi desbloqueada após um telefonema da secretária nacional do partido, Marine Tondelier, ao gabinete da primeira-ministra.

A deputada da França Insubmissa Marianne Maximi publicou uma foto da zona onde se encontravam com os feridos, que capta também um dos projéteis lançados pela policia. Segundo esta deputada, terão sido disparadas quatro mil granadas numa manifestação que durou menos de três horas.

"Não havia possibilidade de sermos violentos, apenas nos protegemos das bombas"

As imagens dos confrontos chocaram a França e a primeira-ministra Elisabeth Borne aproveitou para voltar a condenar a "explosão intolerável de violência" por parte dos manifestantes, como já tinha feito após os protestos que varreram o país na sequência da aprovação da reforma das pensões sem voto parlamentar. Por seu lado, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, disse que "em Sainte-Soline, a ultra-esquerda e a extrema-esquerda são extremamente violentas contra os nossos agentes".

"O governo fala de violência por parte dos manifestantes, mas nós não fomos violentos! Não havia possibilidade de sermos violentos, apenas nos protegemos das bombas", disse ao Mediapart Juliette, de 24 anos, acrescentando ter visto os seus camaradas "caírem" à sua volta.

"Quando os polícias viram que as pessoas estavam a enterrar os gases lacrimogéneos, começaram a atirar outros que explodiam", conta outro manifestante, relatando que os manifestantes que continuaram a enterrar as latas do gás "caíam sistematicamente", atingidos pelos estilhaços das explosões.

Outra manifestante, Anne-Laure, orgulhosa do seu "passado militante", disse que esta é a primeira vez que fui a uma manifestação com Maalox [medicamento utilizado para aliviar os efeitos dos gases irritantes], soro fisiológico, máscaras FFP2 e com a possibilidade de acabar sob custódia policial".

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