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Conflito armado em Cabo Delgado não travou “apetites dos interesses mineiros”

Centro de Integridade Pública de Moçambique revela que os pedidos de concessões mineiras aumentam à medida que intensifica o conflito. Bem como aumenta a opacidade em relação aos seus beneficiários finais. Boa parte das concessões estão nas mãos da elite política moçambicana.
Foto publicada na página de Facebook da Montepuez Ruby Mining.

Um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP) revela que “os maiores beneficiários finais das concessões mineiras em Cabo Delgado são indivíduos que não são identificáveis através dos registos públicos existentes em Moçambique”.

De acordo com o CIP, apesar dos compromissos assumidos no âmbito da Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (ITIE), Moçambique continua sem divulgar a propriedade beneficiária das explorações mineiras.

A associação, criada em 2005 com o objetivo de contribuir para a promoção da Transparência, Anti-corrupção e Integridade em Moçambique, alerta que “a transparência da propriedade beneficiária é relevante, não só para a prestação de contas, mas também para que os moçambicanos, verdadeiros donos dos recursos naturais no país, conheçam quem detém as companhias que exploram esses recursos e quem, em última instância, se beneficia das atividades dessas companhias”.

Ocultação deliberada dos beneficiários legais com recurso a offshores

Nesta análise, o CIP identifica “indícios de ocultação deliberada dos beneficiários legais das concessões mineiras nesta província” e explica que “a ocultação é feita, ou através das sociedades anónimas, ou por empresas registadas no estrangeiro, e em alguns casos em países considerados paraísos fiscais”.

Na realidade, uma “parte considerável das empresas identificadas tem o seu domicílio fiscal nas Maurícias, país considerado paraíso fiscal”. Exemplo disso é a Mwiriti, Limitada, detentora do maior número de concessões através das suas empresas Mwiriti 1, 2, 3, 4, 5, e 6. Não é possível rastrear a propriedade beneficiária da empresa, na medida em que não há publicação dos beneficiários da Nairoto Resources Holding, que detém 99,95% do seu capital. Esta sociedade é constituída sob as leis da República das Maurícias, e representada em Moçambique por Victoria Rumbidzai Sande. Outro exemplo é a Gemfields Mauritius Ltd, também com registo nas Maurícias, que detém 5% das concessões.

“A concentração de concessões num número pequeno de empresas, cujo registo fiscal se encontra fora de Moçambique, e a existência de conflito de terras nas zonas de maior exploração de recursos, levanta a hipótese de que os beneficiários destas concessões, pelo poder que detêm para influenciar as dinâmicas do sector, optam por esta prática para que não sejam associados aos conflitos de terra existentes, tirado proveito desta situação”, lê-se no documento.

Guerra não travou “‘apetites’ dos interesses mineiros”

O CIP assinala que “era expectável que, com o conflito armado, que se pode estender por toda a província, houvesse uma redução dos pedidos de concessões mineiras”. Mas os dados mostram “uma situação completamente diferente em Cabo Delgado”.

Em 14 anos, de 1992 a 2016, ano anterior ao eclodir do conflito armado em Cabo Delgado, foram atribuídas 67 licenças de concessão mineira naquela província. Ou seja, uma média de cinco licenças por ano. Já de 2017 a fevereiro de 2021, após o início do conflito armado, em apenas quatro anos, foram distribuídas 46 licenças, 68% acima das licenças atribuídas em 14 anos, numa média de 12 licenças por ano.

O CIP avança que não só “a guerra não foi motivo suficiente para travar os ‘apetites’ dos interesses mineiros” como se registou “um aumento dos conflitos de terra, principalmente nos distritos de maior exploração de minérios, com maior intensidade nos distritos de Palma e Montepuez, conforme declarações do Coordenador do Departamento de Terras em Cabo Delgado, José Alberto, numa entrevista a rádio Zumbo FM”.

Concessões nas mãos da elite governativa de Moçambique

Existem 113 concessões mineiras em Cabo Delgado, detidas por 83 empresas. Destas, 65 são detentoras de apenas uma concessão mineira.

A empresa Mwiriti Mining, Limitada, legalmente pertencente a Raimundo Domingos Pachinuapa (60%) e Asghar Fakhraleali (40%), é aquela que detém o maior número de concessões mineiras em Cabo Delgado, 7%. Pachinuapa é um general na reserva, membro sénior do partido Frelimo que integra a Comissão Política deste partido. As concessões da Mwiriti Mining, Limitada destinam-se à exploração de ouro no distrito de Montepuez. Contudo, a empresa tem participações indiretas em outros projetos, como é o caso de da exploração de Rubi, através da Montepuez Rubi Mining.

Mas na lista das concessões mineiras é possível encontrar nomes facilmente identificáveis com a elite política do país como: Basília Miguel Chipande (Atalaia Ruby Mining, Limitada), N’naite Joaquim Chissano (CMS - Consolidated Mining Services, S.A), Margarida Adamugi Talapa (Lurio Ruby Mining, Lda), Teodoro Andrade Waty (Lurio Ruby Mining, Lda) e Nkutema Namoto Alberto Chipande (Mavanda Minerals, limitada).

Conflitos e recursos naturais

O CIP aponta que, dos 17 distritos de Cabo Delgado, apenas quatro não possuem concessões mineiras: Ibo, Mocímboa da Praia, Nangade e Quissanga.

“Embora maior parte dos distritos que já tenham sofrido ataques dos insurgentes não possuam licenças de concessões mineiras, os distritos de Nagande e Mocimboa da Praia fazem fronteira com o distrito de Palma, onde se localiza um dos maiores projectos de exploração de gás do país”, escreve a associação.

Sublinhando que “a implantação do projeto em Palma implica a deslocação física e económica de pessoas”, o CIP não descarta a possibilidade de “uma ligação entre o conflito armando e a exploração de recursos naturais”.

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