França

Como um ex-presidente vendeu favores a Kadhafi para ser eleito

06 de janeiro 2025 - 15:15

Depois de já ter sido anteriormente condenado por corrupção e financiamento ilegal de campanha, Sarkozy volta ao banco dos réus acusado de ter recebido pagamentos para a sua campanha eleitoral e outras contrapartidas em troca de favores económicos, diplomáticos e jurídicos em benefício dos então governantes líbios.

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Sarkozy chega ao julgamento. Foto de Teresa Suarez
Sarkozy chega ao julgamento. Foto de Teresa Suarez/EPA.

O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy voltou esta segunda-feira ao banco dos réus depois de já ter sido condenado definitivamente por corrupção e condenado em duas instâncias por financiamento ilegal de campanha presidencial. Desta feita será acompanhado por três dos seus ex-ministros (Claude Guéant, Brice Hortefeux e Éric Woerth).

A acusação construída durante dez anos e sintetizada em 557 páginas dá como provada a existência de "pagamentos e contrapartidas" num esquema montado com o regime líbio comandado por Mouammar Kadhafi. Sob Sarkozy em concreto incorrem neste caso acusações de corrupção, associação de malfeitores, recebimento de desvio de fundos públicos e financiamento ilícito de campanha. Isto por, ainda antes de ser candidato presidencial e quando era ministro do Interior, ter negociado vantagens a troco de favores económicos, diplomáticos e jurídicos em benefício do então Governo líbio.

Dois dos seus próximos mediaram os contactos com os líbios, montando duas redes paralelas. De um lado estava Ziad Takieddine, uma figura obscura que se dedicava a negociar avolumados contratos de importação-exportação. O seu contacto era Abdallah Senoussi, cunhado de Kadhafi e chefe dos serviços secretos do seu regime. Este fora condenado à revelia em França em 1999 por terrorismo, considerado culpado de ter organizado um atentado com uma bomba, dez anos antes, que resultou no despenhar de um avião francês e na morte de 170 pessoas. Os então chefe de gabinete de Sarkozy, Claude Guéant, e ministro das coletividades territoriais, Brice Hortefeux, chegaram a deslocar-se à Líbia para se encontrarem com o homem que era já acusado pelas autoridades francesas. Depois, Sarkozy reconhecerá que ele próprio conversou com Kadhafi sobre o caso do cunhado e o seu advogado e amigo Thierry Herzog ter-se-á também deslocado àquele país para se encontrar com a equipa jurídica de defesa daquele e propor um plano para inviabilizar o mandato de prisão contra ele. Tudo isto sempre na presença de Takieddine. É por uma empresa sua sediada em offshore que transitam 440.000 euro. Dinheir que acaba por chegar a um antigo colaborador de Sarkozy, Thierry Gaubert, que escreve então na sua agenda eletrónica a referência “NS-Campanha”.

A investigação descobrirá mais 1,2 milhões de euros vindos da Líbia recebidos numa conta de Takieddine na Suíça. Este reconhecerá que pagou, entre Novembro de 2006 e Janeiro de 2007, 5 milhões de euros em dinheiro a Claude Guéant e Nicolas Sarkozy.

Na outra rede estava Alexandre Djouhri, empresário e membro da equipa de Sarkozy e tido como rival de Takieddine. Relacionava-se com Béchir Salehm, chefe de gabinete de Kadhafi, que terá feito chegar também a Guéant 500.000 euros.

O dinheiro líbio a fluir para a campanha eleitoral de 2007 foi tanto que, de acordo com os juízes que instruíram o processo, no final ainda sobraram 250.000 euros em cofre não utilizados.

O Mediapart tinha já revelado um documento líbio que indicava que o montante global investido pelo seu executivo neste esquema teria sido de 50 milhões de euros. E foi também descoberto em vários cadernos manuscritos pelo ex-primeiro-ministro líbio Choukri Ghanem o registo de pagamentos no valor de 6,5 milhões de euros. O seu corpo foi encontrado a boiar no Danúbio, em Viena, em abril de 2012, não tendo sido cabalmente esclarecido o que terá sucedido.

Para se defender das acusações, Sarkozy primeiro recorreu à tese de que tudo teria sido uma cabala por parte dos apoiantes de Kadhafi para se vingarem depois de o governo francês tirar o tapete ao regime em 2011. Depois, decidiu culpar os mediadores, passando a afirmar que os líbios acreditavam efetivamente estar a financiar a sua campanha mas que o dinheiro teria ficado com Brice Hortefeux e Claude Guéant. A última versão é que a culpa seria toda de Takieddine, que teria enganado os líbios sobre o destino do dinheiro que pagaram.

A acusação contrapõe que os encontros secretos com Guéant e Hortefeux mostram que os líbios verificaram o destino dos pagamentos.