Depois de dois anos de prisões e perseguição contra dissidentes na Bielorrússia, o regime de Alexander Lukashenko está à procura da novas formas para lidar com as consequências dos protestos pós-eleitorais que abalaram o país em 2020 e 2021.
A 5 de janeiro, Lukashenko promulgou uma nova lei que permite que as autoridades revoguem a cidadania bielorrussa a pessoas que estejam fora do país e que tenham “perdido a sua ligação legal” com o Estado bielorrusso.
“Serão estas pessoas merecedoras de serem cidadãos da Bielorrússia se fugiram do seu país natal e cortaram realmente ligações com ele?”, perguntou Lukashenko em setembro de 2022.
Milhares saíram do país desde 2020 quando as forças de segurança bielorrussas prenderam quem quer que encontrassem – e agora a ameaça de expulsão será usada para “encorajar” ainda mais pessoas a sair.
De facto, a verdadeira razão pela qual as autoridades bielorrussas introduziram esta nova peça no seu kit de ferramentas repressivo parece ser um esforço para mudar a natureza da própria sociedade bielorrussa.
Saiam se quiserem
Em 2020, depois de milhares de pessoas terem saído às ruas contra as eleições que a OSCE caracterizou com “não tendo sido transparentes, livres nem justas”, Lukashenko rejeitou a possibilidade qualquer compromisso com a sociedade e lançou uma campanha de repressão política em larga escala.
O objetivo da repressão era não apenas colocar milhares de indivíduos na prisão. Era ainda mais importante intimidar todos os outros e levar dezenas de milhares a saírem do país. As autoridades viram nesta jogada uma garantia de estabilização a longo prazo da situação política.
Apenas alguns dias depois das eleições presidenciais de 2020, o então secretário do Conselho Bielorrusso de Segurança lançou a sugestão de que quem não estivesse satisfeito como o regime podia ir viver para o Ocidente, “cada um deles libertando os seus empregos aqui, dando lugares para as crianças nos jardins de infância, reduzindo o fardo sobre os professores na escola, a competição para entrar na universidade e consultar um médico”. Depressa, Lukashenko passou a falar abertamente do facto da partida dos dissidentes do país ser uma coisa boa para o Estado.
Lukashenko deu instruções ao ministro bielorrusso da Educação para não reconhecer diplomas ocidentais no país e também prometeu não deixar “os bielorrussos espertos que saíram do nosso país nesta altura difícil” voltar a casa.
Nessa altura, as autoridades restringiam periodicamente a entrada e saída do país e também ameaçavam fechar completamente as fronteiras.
Com o pano de fundo da repressão em massas e das promessas oficiais de identificar todos os que se tinham juntado aos protestos, a mensagem do regime era inequívoca: deixem a Bielorrússia enquanto ainda têm a oportunidade e não voltem.
Não é possível calcular com precisão quanto bielorrussos saíram do país depois das eleições presidenciais de 2020: apenas um pequeno número de migrantes se candidataram ao estatuto de refugiado ou a outras formas de proteção. Mas, de acordo com alguns especialistas, entre 135.000 e 300.000 bielorrussos saíram do país.
O sociólogo Andrei Vardomatsky acredita que estas saídas se tornaram uma das fontes da manutenção da aceitação de Lukashenko no país – de facto, diz ele, há uma redução lenta do número de pessoas que estão contra o regime.
Um golpe para os exilados
Até agora, permanece obscuro até que ponto as autoridades bielorrussas vão utilizar o mecanismo de privação da cidadania.
A lei diz que os bielorrussos que estão fora do país podem ser privados da sua cidadania “por participaram em atividades extremistas ou causar graves prejuízos aos interesses da República da Bielorrússia”.
O palavreado não deixa margem para duplas interpretações: depois de 2020, o “extremismo” entrou firmemente na novilíngua das autoridades bielorrussas como termo que quer dizer qualquer forma de dissidência ou atividade de protesto.
Estes “extremistas” incluem as caras icónicas da oposição política bielorrussa no exílio – que as autoridades julgaram in absentia. Mas é significativo que estes julgamentos in absentia, sob as novas leis chamadas de “procedimentos especiais”, apenas tenham sido usadas contra as figuras de proa da oposição como Sviatlana Tsikhanouskaya, Pavel Latushko e muitos outros. Estas são pessoas que o regime considera inimigos pessoais mas que são comparativamente menos vulneráveis que os bielorrussos comuns que vivem fora do país.
“Em geral, [estas pessoas] opuseram-se ao país. Já não têm qualquer ligação com este país. Por conseguinte, como devem ser tratadas? É preciso admitir que perderam a sua cidadania por si próprios. E o Estado, neste caso, pode reconhecer o facto desta perda” explicou a chefe adjunta da Administração Presidencial bielorrussa, Olga Chupris.
Mas ao mesmo tempo, as autoridades não vão revogar automaticamente a cidadania a todas as pessoas que saíram: fazê-lo implica um veredito de um tribunal num caso criminal que esteja relacionado com política. O espaço de manobra é amplo: no total, 55 artigos diferentes do Código Penal são indicados na lei.
Substituição de eleitores
Provavelmente, as autoridades da Bielorrússia não privarão pessoas da cidadania em massa num futuro próximo. Há pouca necessidade disso, aos olhos do regime, pelo menos. Os exilados políticos foram de facto marginalizados quando as autoridades simplesmente recusaram abrir mesas de voto no estrangeiro para o referendo constitucional de 2022. Agora está planeada a consagração da proibição de votar fora da Bielorrússia no código eleitoral do país. Contudo, as autoridades continuam a lembrar aos exilados que só a prisão os espera se regressarem a casa.
Há muitos casos nos quais, imediatamente após terem regressado, bielorrussos foram presos por terem participado em protestos ou comentado em redes sociais e foram forçados a gravar “vídeos de arrependimento”. Um tentativa de ir ao funeral de um dos pais ou apenas uma visita a familiares pode resultar em anos atrás das grades.
Frequentemente, tais ações são exemplares. Por exemplo, em dezembro de 2022, ativistas dos direitos humanos relataram que guardas fronteiriços pararam autocarros com bielorrussos que regressavam a casa, verificaram os seus passaportes e chamaram a polícia de choque.
O próprio Lukashenko regularmente apela ao regresso a casa mas as suas declarações são mais uma forma de ridicularização. “O meu conselho para vocês: voltem para casa, arrependam-se e ajoelhem-se… Paguem as multas pelos prejuízos causados… Sentem-se algures tranquilamente por algum tempo”, disse. Até prometeu criar uma “comissão pública” para decidir o destino de cada “fugitivo”. Esta, sugeriu, deveria ser liderada por um dos principais arquitetos da repressão massiva que se seguiu às eleições de 2020, o procurador-geral Andrei Shved, e o propagandista de Estado Grigory Azarenok, que apela publicamente a represálias contra os dissidentes.
Ao mesmo tempo, no último ano e meio, outra tendência emergiu: paralelamente com a expulsão de pessoas “pouco fiáveis” da Bielorrússia, as autoridades começaram a distribuir passaportes a estrangeiros leais ao regime.
Como resultado disso, 7.317 cidadãos estrangeiros receberam cidadania bielorrussa nos passados 16 meses. Estas pessoas são na sua maioria imigrantes ucranianos do Donbass sem nenhuma ligação legal à Bielorrússia mas que defendem posições pró-russas e pró-Lukashenko. Em agosto de 2021, Lukashenko ordenou que fossem emitidos passaportes de forma simplificada a uma “certa categoria” de ucranianos. “Em geral, estas são as nossas pessoas”, disse.
Em última instância, as atuais manipulações do regime com a cidadania são a continuação lógica de uma campanha de larga escala para construir uma sociedade totalitária nova, da qual os dissidentes devem ser excluídos de uma forma ou de outra.
O regime de Lukashenko viveu uma catástrofe estratégica depois das eleições de 2020, perdendo completamente a sua legitimidade aos olhos de uma parte significativa da população do país. As autoridades ainda não conseguiram sair deste abismo eleitoral. E como não era possível mudar as simpatias do povo, Lukashenko decidiu – pelo menos parcialmente – substituir a própria sociedade bielorrussa.
Igor Ilyash é um jornalista bielorrusso que trabalha na Belsat TV. Junto com Katsyaryna Andreeva é co-autor de Belarusian Donbas, a study of the role of Belarusian citizens in the conflict in eastern Ukraine.
Artigo publicado originalmente no Open Democracy.
Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.