Já passaram quase dois meses das eleições de 9 agosto e a Bielorrússia continua a assistir a manifestações com dezenas de milhares de pessoas todas as semanas contra a fraude eleitoral. O autocrata que dirige o país há 26 anos diz que as eleições foram limpas e deram-lhe mais uma vitória esmagadora com 80% dos votos. Mas ao contrário da pompa habitual das tomadas de posse presidencial, desta vez Lukashenko foi empossado quase em segredo. Enquanto isso, o KGB trata de prender ou empurrar para o exílio as principais figuras da oposição.
As manifestações nas ruas têm sido pacíficas e com forte presença de jovens e mulheres, mas poucos imaginam Lukashenko a ser capaz de ceder o lugar pacificamente, dado que é quase refém de um sistema político que criou à sua imagem, acumulando quase todos os poderes até se tornar num Presidente absoluto. Neste dossier, Jorge Martins resume a história e o contexto político do país, da idade Média aos dias de hoje. Olhamos também para a ascensão política de Lukashenko desde os tempos da URSS e a forma como conseguiu consolidar um regime presidencialista, neutralizando quase por completo a oposição.
A reação da esquerda europeia aos protestos na Bielorrússia e à perseguição dos opositores de Lukashenko é abordada no artigo de Luís Fazenda, que critica o facto de alguns setores da esquerda se sentirem na obrigação de apoiar os interesses de Putin e da Rússia, colocando pretensas razões geopolíticas acima da vontade democrática dos povos.
Com as mulheres a aparecerem na primeira linha dos protestos dos últimos dois meses, a ativista feminista Irina Solomatina analisa a forma como a pandemia afetou a credibilidade do regime em vésperas de eleições. E opõe-se a quem veja no protagonismo feminino das líderes da oposição um virar de página em relação aos preconceitos e mitos patriarcais do país.
As violações dos direitos humanos na Bielorrússia não começaram com a prisão dos candidatos presidenciais ou na violência contra os manifestantes nos primeiros dias dos protestos. A estes episódios recentes, a União Europeia deu uma resposta contraditória, com o Chipre a bloquear até esta semana as sanções ao círculo próximo de Lukashenko e o Conselho da Europa a demorar um mês até emitir palavras de condenação, relata Kanstantsin Dzehtsiarou, académico da área da Legislação de Direitos Humanos.
Por seu lado, o investigador da Universidade de Dresden Volodymyr Ishchenko defendia logo após as eleições que as comparações da situação bielorrussa com a revolta de Maidan na Ucrânia devem ser cuidadosas e resistirem à tentação da colagem de rótulos, dadas as diferenças evidentes entre as duas sociedades e os seus contextos. Na mesma altura, dois militantes da esquerda bielorrussa, Ksenia Kunitskaya e Vitaly Shkurin, alertavam também para as interpretações erradas do descontentamento social, descrevem o ambiente nos primeiros dias de protestos e explicam como o país chegou a este ponto de saturação.