Nascido em 1954, Aleksandr Lukashenko juntou-se à guarda fronteiriça logo após completar o curso de História em 1975. Foi instrutor político no exército e dirigente local do Komsomol, a organização juvenil do Partido Comunista da União Soviética, ao qual viria a aderir em 1979. Ocupou vários cargos no partido e na gestão de explorações agrárias estatais ao longo da década de 1980, mas a sua carreira política conheceu um avanço importante em 1990, quando foi eleito deputado no parlamento da Bielorrússia.
Foi o discurso contra a corrupção que o tornou conhecido numa altura em que a União Soviética caminhava para a desagregação. No parlamento bielorrusso formou uma fação chamada Comunistas pela Democracia e em 1991 foi o único deputado a votar contra o acordo entre as repúblicas soviéticas da Rússia, Bielorússia e Ucrânia que dissolveu na prática a URSS.
A decisão foi imposta pelo facto consumado da dinâmica política, mas contra a vontade do povo bielorrusso, que tinha votado contra a independência poucos meses antes. No referendo de março de 1991, 83% declaram preferir continuar na União Soviética. A carreira parlamentar de Lukashenko prosseguiu com a bandeira anticorrupção mas também do regresso da aproximação a Moscovo e em oposição à nomenclatura do Partido Comunista que permaneceu no poder após a independência.
Com a nova Constituição a prever eleições presidenciais, Lukashenko foi um dos seis candidatos, apresentando-se como independente e cultivando a imagem de “homem do povo”, adversário das reformas económicas liberais. Apesar de não partir como favorito, capitalizou o descontentamento com a elite partidária, que acusara de corrupta, acabando por surgir à frente na primeira volta. Na segunda esmagou com 80% dos votos o seu adversário e então primeiro-ministro, Vyacheslav Kebich, que tinha assinado o acordo do fim da URSS.
O Presidente absoluto
No ano seguinte, o Presidente começou a consolidar o seu poder absoluto, quer através do silenciamento da imprensa independente e do controlo dos media públicos, quer de um braço de ferro com o parlamento, a propósito de um referendo. Os deputados aprovaram apenas uma das perguntas, acerca da integração económica com a Rússia, chumbando as três restantes. Lukashenko anunciou que avançaria à mesma com o referendo, levando dezenas de deputados a entrar num protesto de greve de fome dentro do Parlamento. O protesto acabou com a polícia a espancá-los e a obrigá-los a sair à força e os bielorrussos acabaram por aprovar tanto a integração económica como a nova bandeira, o estatuto igual para a língua russa e um novo poder de dissolução do parlamento por parte do Presidente do país.
De 2001 até 2020, as sucessivas eleições presidenciais que lhe deram entre 77% e 84% dos votos são vistas como atos de manipulação destinados a exibir o seu controlo total do país, ao invés de procurarem dar uma aparência de credibilidade aos resultados apurados.
Tanto a oposição como a OSCE contestaram os resultados e o processo eleitoral deste referendo. E o mesmo viria a acontecer no referendo do ano seguinte, desta vez com sete perguntas. Uma delas propunha emendas à Constituição que davam ao Presidente o poder de governar por decreto e estender o seu mandato até 2001. Após nova vitória, Lukashenko empossou uma Câmara de Representantes composta apenas pelos seus fiéis, esvaziando politicamente o parlamento que tentava sem sucesso impugnar a sua presidência.
A partir daí, Lukashenko teve mãos ainda mais livres para concentrar em si mesmo a política do país, acabando com a limitação aos seus mandatos, perseguindo opositores e colocando o Estado ao seu serviço. De 2001 até 2020, as sucessivas eleições presidenciais que lhe deram entre 77% e 84% dos votos são vistas como atos de manipulação destinados a exibir o seu controlo total do país, ao invés de procurarem dar uma aparência de credibilidade aos resultados apurados. Ao contrário de outros países da ex-URSS, que sempre impediram as principais figuras da oposição de concorrerem contra o poder estabelecido, a debilidade da oposição bielorrussa nunca assustou Lukashenko até este ano, em que decidiu prender ou mandar para o exílio três candidatos às presidenciais.
Isolado internacionalmente com sanções, apontado pela então chefe da diplomacia dos EUA Condoleeza Rice como o líder “da última ditadura da Europa”, Lukashenko nunca perdeu a pose desafiadora face às condenações europeias e norte-americanas. Com Moscovo manteve ao longo de mais de duas décadas e meia uma relação muito próxima, tendo lançado com a Rússia e o Cazaquistão a União Económica da Eurásia para facilitar a circulação de bens, capital e trabalhadores. Em 2015, a Arménia e o Quirguistão juntaram-se ao grupo. Mas ainda em 1999, Rússia e Bielorrússia assinaram um Tratado de União, que previa uma integração que culminasse na criação de um parlamento único, moeda única e uma Constituição comum. Boris Ieltsin sairia de cena pouco depois da assinatura do acordo e Lukashenko nunca acreditou que Putin o fosse tratar como parceiro de igual para igual. Nos últimos anos, ficaram mais evidentes as pressões de Moscovo - e as resistências de Minsk - para aprofundar essa integração.
O que mudou?
A favor do autocrata bielorrusso tem contado o desempenho económico do país, em grande parte alimentado pela compra a preço subsidiado de gás e petróleo à Rússia, que também é revendido ao ocidente a preço de mercado. A taxa de pobreza é comprável à dos países nórdicos, o desemprego é baixo e o índice de desigualdade é menor do que em qualquer país da União Europeia, Ao contrário dos países vizinhos, a transição pós soviética não passou pelas privatizações em massa e o setor público continuou a representar a maior fatia da economia bielorrussa. O poder de compra é superior ao dos seus vizinhos, mas a proteção social herdada dos tempos soviéticos contrasta com as leis laborais que generalizaram a precariedade, após a introdução dos contratos de curta duração no início deste século. Dado o peso do emprego público no país, essa precariedade revelou-se uma ameaça que tem ajudado muito o regime a prevenir a dissidência política por parte de quem tem medo de perder o emprego.
O poder de compra é superior ao dos seus vizinhos, mas a proteção social herdada dos tempos soviéticos contrasta com as leis laborais que generalizaram a precariedade, após a introdução dos contratos de curta duração no início deste século. Dado o peso do emprego público no país, essa precariedade revelou-se uma ameaça à dissidência que tem ajudado muito o regime.
Com o nível de vida a satisfazer a maioria da população, a comunicação social controlada pelo regime e o KGB (que na Bielorrússia não mudou de nome) a reprimir os dissidentes, até agora a oposição centrava-se em grupos associados a posições nacionalistas que apenas encontram apoio em franjas marginais da sociedade bielorrussa.
O surgimento de uma nova geração a apontar o dedo ao anacronismo de um regime nostálgico e a adoção das novas tecnologias de informação tiraram aos media tradicionais o monopólio da informação e opinião. Canais no Youtube, jornais online e canais no Telegram começaram a juntar milhões de pessoas. E por cima do abrandamento económico veio a pandemia, que alimentou ainda mais a procura por informação independente.
A desastrada resposta de Lukashenko ao novo coronavírus a poucos meses das eleições - primeiro negando a sua existência, depois aconselhando o consumo de vodka para o combater - caiu mal entre uma população preocupada com a saúde dos mais velhos e fez nascer redes de solidariedade à margem do Estado, minando a legitimidade do regime.
O afastamento de três candidatos às eleições presidenciais contribuiu depois para acirrar ainda mais uma parte da população contra o autoritarismo de Lukashenko e a mobilização em torno da candidata autorizada - Sviatlana Tsikhanouskaia, esposa de um dos candidatos presos e sem experiência política anterior - parece ter sido um fator que o Presidente recandidato não contava, após ter conseguido unir inadvertidamente quem se lhe opunha. A repressão que se seguiu à noite eleitoral provocou a reação da própria base de apoio de Lukashenko, que acabou vaiado pelos trabalhadores numa grande fábrica onde tentou discursar na semana seguinte ao ato eleitoral contestado nas ruas e enfrentou greves solidárias com as vítimas da repressão.
Apercebendo-se do efeito de ricochete da violência policial, que desacreditou ainda mais o seu poder, Lukashenko passou a recorrer ao KGB para prender e expulsar do país os dirigentes da oposição. Voltou a recorrer a Moscovo para pedir auxílio económico e político e manteve a retórica de acusar quem se lhe opõe de serem marionetas controladas por potências estrangeiras. As manifestações continuam nas ruas todas as semanas, com forte presença jovem e feminina. Não se sabe por quanto tempo continuarão e o regime aposta no cansaço da mobilização. Aconteça o que acontecer, o mito da invulnerabilidade de Lukashenko foi desfeito.