1 A contestação massiva, continuada, as detenções aos milhares de pessoas, sucederam ao ato eleitoral de 8 de agosto. Quer em Minsk, quer noutras cidades, a oposição não desiste de denunciar a fraude eleitoral que reconduziu pela sexta vez Lukashenko como presidente da república. O presidente apregoou ter tido 80% dos votos expressos para escândalo geral. Não restam dúvidas sobre o poder ter ordenado a exclusão de candidatos e o afastamento de observadores internacionais. Não restam dúvidas de que o poder forçou a necessidade de a oposição ter apresentado como candidata oficial, Svetlana Thikhanovskaia, a mulher do principal líder oposicionista, entretanto preso pelo regime para o impedir de ser candidato. Svetlana, receosa, exilou-se na Lituânia e reclama ter ganho nas urnas. Mais de um mês depois a contestação pacífica ao autocrata não dá sinais de ceder.
A veracidade destes factos é disputada por Lukashenko e por toda a órbita do líder russo Putin, que reafirmam a legalidade do processo quando Putin avisa que se for preciso entra no país soberano seu vizinho. A veracidade dos factos descritos é, contudo, confirmada por muitos intervenientes e analistas que não são propriamente adeptos do imperialismo americano, como é o caso do partido bielorrusso Mundo Justo, membro da Esquerda Europeia, cujo líder foi preso nesses protestos, Pavel Katarzheuski de seu nome.
2 Achar que todos os oposicionistas são adeptos e agentes da Nato não releva apenas do desespero político do círculo de Lukashenko, faz sobressair o completo desprezo pelas reivindicações democráticas e de respeito pelos direitos humanos que a população e a juventude exigem. Seguramente, nesta oposição há setores adeptos da Nato e das privatizações, mas reduzir tudo a isso é de uma inacreditável miopia política. Quem quer dizer aos povos que não podem ter democracias porque caem nas mãos do imperialismo?
Há quem venha insinuar que se trata de uma reedição da crise e guerra ucraniana. Como se pode ver facilmente, isso é de uma falsidade absoluta. No caso da Ucrânia a revolta popular foi liderada por fascistas e dissolveu-se num conflito militar entre os territórios dominados ou influenciados pela Rússia e as autoridades do ocidente do país. Na Bielorrússia o movimento de mudança é pacífico, de índole constitucionalista, não é portador de conflitos étnicos nem religiosos.
Para alguns, a necessidade de apoiar os interesses de Putin e da Rússia parece ser uma obrigação de "esquerda". Não será certamente por causa do socialismo cuja caricatura que vigorava na União Soviética desapareceu sem deixar alternativa credível num país onde só conta o nacionalismo reacionário e o regime ultraconservador. Não, é sempre por causa da pretensa geopolítica. Quaisquer autocracias que tenham contradições com os fautores do imperialismo são importantes para os povos, assim pensam eles. Como mero exemplo pode ler-se nas Teses do PCP para o seu próximo congresso que depois dos países socialistas, depois de países dirigidos por forças progressistas, são convidados a uma confluência anti-imperialista "países dirigidos por diferenciadas forças, mesmo com elementos contraditórios". Percebe-se a bênção a Putin, entre outros, a qualquer Assad ou Lukashenko.
3 A larguíssima maioria dos partidos da Esquerda Europeia e o próprio "Partido" em si condenaram a fraude eleitoral, a repressão e manifestam-se a favor de uma solução pacífica que corresponda à autodeterminação democrática do povo da Bielorrússia. Isso não quer dizer validar sanções da União Europeia, que, aliás, no seu seio tem muito com que se preocupar com o avanço da extrema-direita e dos Orban. PCE/Esquerda Unida, hoje no governo com dois ministros, destoaram da generalidade por apoiarem Lukashenko. O nosso debate na Esquerda Europeia só pode ser reconduzido à sua premissa constitutiva: a luta pelo socialismo é inseparável da luta pela democracia. Aqui se exprime toda a solidariedade ao partido Mundo Justo e às vagas de luta que reclamam um estado constitucional e o fim da autocracia.