Das águas da Baía do Guajará, o maior evento paralelo à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP30) tem início nesta quarta-feira (12) com a união de mais de 200 embarcações, entre canoas, barcos e navios, que transportam cerca de 5 mil pessoas de movimentos populares de 62 países, em ato simbólico de abertura da Cimeira dos Povos. O evento acontece até ao dia 16 de novembro, das 8h às 22h, na Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Guamá, em Belém.
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Miguel Pajares
Além de transporte, fonte de rendimento e elo fundamental entre homem e natureza, tradicionalmente, os barcos da Amazónia serão também mensageiros de bilhetes que correm os rios, com assinaturas e mensagens de afeto, dessa vez substituídas por vozes de todo o mundo, que anunciam que a resposta para um mundo sustentável vem dos povos das águas, das florestas, dos campos e das periferias, que resistem com suas práticas coletivas, agroecológicas e ancestrais.
Desde a última quinta-feira (6) a capital paraense já está movimentada com a presença de presidentes, ministros e chefes de estado para as discussões em torno da Cimeira do Clima e a COP30, mas a partir desta semana, a chegada de flotilhas e caravanas têm preocupado os organizadores dos eventos oficiais, que passam a receber diariamente marchas e protestos públicos em denúncia a projetos como o Ferrogrão e a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. A reunião de todos acontecerá na Marcha Unificada, programada para sábado (15) .
Um dia antes do início da Cimeira dos Povos, na terça-feira (11), o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fez um ato na AgriZone, área idealizada pela estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dentro da programação da COP30, em Belém, e que conta com patrocínio de grandes marcas como Nestlé e Bayer.
Na noite do mesmo dia, um protesto pediu a taxação das grandes fortunas na Zona Azul, área oficial da COP30 que concentra os espaços de negociação. A manifestação, que começou por volta das 19h30, acabou em tumulto. No entanto, o evento dos movimentos populares, que se inicia, é pautado por protestos, mas também por diálogo e diversidade.
Ao contrário da COP30, dedicada às discussões entre governos, a Cimeira dos Povos é construída pelos esforços de mais de 1.100 organizações da sociedade civil e, ao longo dos cinco dias, vai proporcionar diálogos abertos ao público, num ambiente coletivo de convivência, a partir de sessões plenárias. O evento conta ainda com espaço dedicado à infância e adolescência, feira popular, cozinha solidária, atividades culturais e reivindicações.
“Iniciamos a Cimeira dos Povos com todas as simbologias que carregam os rios da Amazónia, mas também reforçando a nossa resistência diante das falsas soluções apresentadas pela COP30, que carrega consigo a marca dos projetos de destruição da natureza, da poluição dos rios, do envenenamento das florestas e ameaças aos nossos modos de vida”, explica Ayala Ferreira, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O dia 15 de novembro será marcado pela Marcha Unificada, quando povos originários, quilombolas, juventudes, trabalhadores urbanos e rurais, organizações feministas, coletivos ambientais, sindicatos e redes internacionais devem reforçar nas ruas de Belém que a justiça climática está diretamente ligada à defesa da vida e dos territórios.
“Não é possível pensar numa COP30 em que a discussão da agenda climática não seja pautada na justiça climática. Não haverá transição justa enquanto não houver direitos garantidos aos povos tradicionais”, comenta Sara Pereira, da Fase Programa Amazônia.
Mobilização histórica
Construída ao longo de mais de dois anos, a Cimeira dos Povos tem o desafio de reunir a pluralidade de vozes em um mesmo território – a Universidade Federal do Pará, que, na terça-feira (11), já tinha um fluxo intenso de pessoas de todo o mundo circulando pelos espaços.
A programação de discussões da Cimeira dos Povos é baseada em seis eixos: territórios e soberania alimentar, reparação histórica e racismo ambiental, transição justa, democracia e internacionalismo dos povos, cidades justas e periferias vivas, e feminismo popular e resistências das mulheres.
A partir desses grandes temas, as organizações destacam através de carta política que “os países tomadores de decisão se têm omitido ou apresentado soluções absolutamente ineficientes”, ao mesmo tempo que “investimentos que alimentam as alterações climáticas têm crescido, enquanto direitos territoriais seguem ameaçados”.
Com expectativa de reunir mais de 30 mil pessoas, o encontro é ainda uma resposta concreta dos povos ao que chamam de inércia e falta de compromisso da Conferência das Partes (COP), que, segundo as lideranças da cimeira, apesar de alcançar a sua trigésima edição, com altos investimentos de realização e doações bilionárias a fundos de mitigação, pouco ou nada têm apresentado de resultados.
Artigo publicado em Brasil de Fato. Editado para português-PT pelo Esquerda.net