Conforme explicam os onze coletivos antirracistas e em defesa dos direitos dos imigrantes, o executivo da Junta de Freguesia de Arroios, em Lisboa, liderado por Madalena Natividade, da coligação Novos Tempos do PSD-CDS, decidiu, em edital datado de 9 de fevereiro, impor “a obrigatoriedade de apresentação de título de residência válido para emissão de atestados de residência a cidadãos estrangeiros, extracomunitários”.
Em comunicado enviado à imprensa, lembram que, até 2021, a Junta de Freguesia de Arroios, a “freguesia com maior representatividade de pessoas de diferentes nacionalidades”, prestava este serviço às pessoas da sua freguesia a título gratuito e sob compromisso de honra da própria pessoa. E que, após essa data, “não só o serviço passou a ter custos associados, como foi retirada a declaração de honra da própria requerente do leque de possibilidades para comprovar a sua morada”.
De acordo com os signatários, “o atestado de residência, um documento meramente administrativo que faz o que o nome o propõe - atestar que determinada pessoa reside em determinado local - tem sido usado desde há muito para intrincar a teia burocrática a que as pessoas migrantes estão sujeitas, dando azo à discricionariedade e desigualdade de tratamento”.
Lembrando que “o documento, emitido pelas Juntas de Freguesia, é exigido para coisas tão essenciais como a obtenção de uma autorização de residência, a inscrição no Serviço Nacional de Saúde, na Escola ou até nas Finanças”, alertam que “a medida agora implementada pelo executivo liderado por Madalena Natividade agrava o caminho perigoso da criminalização da imigração e constitui, efetivamente, um obstáculo no que concerne ao processo de regularização das pessoas migrantes, ao usufruto dos seus direitos e ao cumprimento das suas obrigações legais”.
“O edital agora publicado, ao ultrapassar as competências que este ato administrativo conferia às Juntas de Freguesia, fazendo-o depender de um título de residência válido, contraria o princípio do acesso a serviços públicos essenciais em condições de igualdade, e colide flagrantemente com a tão propalada - inclusive durante esta campanha eleitoral - política de integração dos imigrantes”, acrescentam.
No comunicado, é ainda feita referência a uma recomendação da Provedoria de Justiça que esclarece que, para o processo de regularização e respetiva fiscalização, a Junta de Freguesia “é absolutamente incompetente (…) para a prossecução destes fins, que cabem exclusivamente ao Estado”. Acresce que o então Provedor de Justiça reconhece que esta é, acima de tudo, uma questão de dignidade e de diretos humanos, alertando que “a apresentação de atestado de residência, a emitir nos moldes legalmente exigidos e acima apontados, determinará a potencial viciação dos circuitos vivenciais dos requerentes, uma vez que, ao não verem emitido, a seu favor, o atestado de residência solicitado, não dispõem de forma válida de quebrar a lógica de clandestinidade a que se encontram votados”.
Os coletivos acusam o executivo da Junta de Freguesia de Arroios de “condenar as pessoas migrantes a situações irregulares à face da lei, e a atirá-las para os esquemas fraudulentos que nos espoliam, e que todos queremos combater. Ou que, pelo menos, anunciamos querer combater”.
E assinalam ainda que a preocupação e homenagem à interculturalidade da Freguesia de Arroios, que os Novos Tempos do PSD-CDS não se coibiram de ostentar no passado, não pode ser usada quando a mesma não serve os interesses de todas as pessoas que aqui habitam.
Considerando que esta é uma luta todas as pessoas que “acreditam num país solidário, que respeita as suas pessoas, e não num país de ódio e desigualdade”, os signatários convidam outros coletivos, de diversas áreas, a subscreverem o comunicado preenchendo este formulário, e a divulgarem nas suas plataformas esta iniciativa.
O comunicado é assinado pela Casa do Brasil, Consciência Negra, DJASS – Associação de Afrodescendentes, Grupo Teatro do Oprimido (GTO), HuBB - Humans Before Borders, Kilombo - Plataforma de Intervenção Anti-racista, Olho Vivo, Renovar a Mouraria, Solidariedade Imigrante - Associação para a defesa dos direitos dos imigrantes (SOLIM), SOS Racismo e Vida Justa.
Bloco questiona sobre grave atropelo aos direitos dos cidadãos estrangeiros
O Bloco questionou a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares e o Ministério da Administração Interna sobre esta matéria.
Na missiva, o partido lembra que a emissão de um atestado de residência é um “ato meramente administrativo, instrumental e declarativo”. “Significa isto que não cabe às juntas de freguesia sindicar quaisquer outros factos para além da residência na área da freguesia”. E que, “tão pouco podem as juntas de freguesia atestar a situação jurídica do requerente por não terem competência para tal, não podendo a passagem da certidão ser recusada por quaisquer outros motivos que não a inveracidade da residência na respetiva área”.
O Bloco salienta que “à luz no nosso enquadramento jurídico, a Junta de Freguesia não só tem competência para emitir as certidões previstas na lei, como tem o dever de as emitir pelo que a recusa em fazê-lo é manifestamente ilegal”.
“A atuação da Junta de Freguesia de Arroios constitui não só um grave atropelo dos direitos dos cidadãos estrangeiros, impedindo-os de regularizar a sua situação em território nacional, como uma preocupante extrapolação ilegal das competências atribuídas por lei às Juntas de Freguesia”, defende o partido.