Extrema-direita

Chega indicou acusado de prostituição de menores para Assembleia de Crianças de Lisboa

06 de fevereiro 2025 - 16:41

O dirigente do Chega que pagou a um menor para ter relações sexuais foi o nome escolhido para representar o partido no Grupo de Trabalho da Assembleia das Crianças de Lisboa. Semanas antes de levar o adolescente para um pinhal, Nuno Pardal via “a sociedade a desmoronar-se à nossa frente”.

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Nuno Pardal e André Ventura
Nuno Pardal e André Ventura

Acusado pelo Ministério Público de dois crimes de prostituição de menores agravados, o dirigente do Chega Nuno Pardal anunciou a sua renúncia ao mandato de deputado municipal. No decurso do mandato, foi indicado para representar o partido da extrema-direita no grupo de trabalho da Assembleia de Crianças de Lisboa, um projeto em que cada escola elege um rapaz e uma rapariga entre os 8 e os 12 anos para a Assembleia de Crianças da respetiva freguesia, que por sua vez escolhe de entre os eleitos um rapaz e uma rapariga para os representarem na Assembleia de Crianças do município.

Além de proporcionar às crianças “novas oportunidades de aprendizagem de participação política”, esta iniciativa visa igualmente “proporcionar o diálogo entre as crianças e decisores políticos”, com os deputados do grupo de trabalho presentes nas sessões desta Assembleia onde as crianças têm voz.

Segundo a página de atividades desta assembleia, os membros deste grupo de trabalho foram convocados em quatro ocasiões entre março de 2023 e novembro de 2024. Em três destas reuniões, o programa é semelhante, iniciando-se com a receção das crianças no hall de entrada do Fórum Lisboa, uma primeira ronda de mesas de trabalho, um lanche e idas à casa de banho, seguindo-se a apresentação de conclusões no auditório com a presença dos deputados municipais. Durante a iniciativas, as crianças são sempre acompanhadas pelos técnicos das juntas de freguesia que as trouxeram ao local.

Em novembro de 2023, quatro meses após ter pago a um menor de 15 anos em troca de atos sexuais, Nuno Pardal disse numa reunião do Grupo de Trabalho da Assembleia das Crianças de Lisboa, que “a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais é, de facto, para o Chega um ponto fundamental no âmbito da justiça" e que, por isso, “não admitem a desculpabilização desse tipo de condutas configuráveis com crimes”. E lamentava que “se prefira arranjar argumentos para defender os agressores ao invés de trabalharmos na alteração à legislação de forma a aumentar a defesa das potenciais vítimas”. Nessa intervenção, elogiou a defesa por parte do Chega da “castração química de pedófilos e abusadores” como uma “medida de coragem” na prevenção dos abusos sexuais de menores.
 

Pardal foi apresentado aos deputados como “um firme defensor das tradições portuguesas” que representa o que é “o ser do Chega”

Nuno Pardal chegou à Assembleia Municipal de Lisboa em substituição de Pedro Pessanha, que é seu cunhado. Pessanha lidera a distrital de Lisboa do Chega, onde Pardal é vice-presidente. No dia em que tomou posse, a 29 de março de 2022, o líder da bancada municipal do Chega, Bruno Mascarenhas, aproveitou a sua primeira intervenção naquela reunião da Assembleia para dar os parabéns à presença de Nuno Pardal, apresentando-o aos restantes deputados como “um firme defensor das tradições portuguesas é um ex-cavaleiro tauromáquico e, portanto, representa muito bem aquilo que é a vontade e o ser do Chega”.

Depois de várias substituições nas reuniões seguintes, só dois meses depois de tomar posse os deputados puderam ouvir a primeira intervenção de fundo de Nuno Pardal. O dirigente do Chega agora acusado de recorrer à prostituição de menores estreou-se no plenário a apresentar um voto de saudação ao Casa Pia pela subida à primeira liga de futebol profissional.

Num mandato marcado por muitas faltas e substituições, Nuno Pardal ganhou ainda assim relevo na bancada do Chega, sendo o escolhido para intervir em nome do partido no último debate sobre o Estado da Cidade do atual mandato de Carlos Moedas.

Ao longo do mandato, por várias vezes tratou de matérias relacionadas com menores. Em julho de 2022, numa intervenção sobre um voto de protesto do PAN contra a realização de touradas no Campo Pequeno, Nuno Pardal começou por fazer a sua declaração de interesses enquanto antigo cavaleiro tauromáquico, Presidente da Associação Nacional de Toureiros e Vice-Presidente da Pró-Touro. Em seguida defendeu a participação de menores em touradas, argumentando que não existe “correlação negativa entre menores e as touradas” e que “o contrário sim verifica-se: vários jovens com problemas no seio familiar e social foram acolhidos pelas escolas de toureio e revelaram uma alteração positiva no seu comportamento”.

Semanas antes de levar o adolescente para um pinhal, Pardal via “a sociedade a desmoronar-se à nossa frente”

Ainda em 2022, num debate de um voto de saudação do PS ao 5 de Outubro, Pardal defendeu que “a República Portuguesa, implementada em 1910, foi sempre uma bandeira ideológica movida por grandes causas fraturantes”, lamentando o “confisco” de bens da Igreja e lembrando que o facto de Portugal ser uma República “não impede que seja hoje um país de compadrios” e de “escândalos que envolvem políticos” concluindo com a constatação da “delapidação dos valores morais da política” nos tempos de hoje.

Saudando um voto do CDS sobre o Dia Internacional da Família em junho de 2023, semanas antes de marcar o encontro com o menor de 15 anos para ter relações sexuais a troco de vinte euros, Nuno Pardal avisou os deputados que “a sociedade está a desmoronar-se à nossa frente”, com a “desvalorização ou até mesmo a destruição dos valores familiares” que leva a “um crescendo de idosos e crianças abandonadas à sua sorte”. O agora acusado de dois crimes de prostituição de menores acusou “a esquerda com a conivência de outros partidos” de subverter e destruir a família como pilar base da sociedade.

No ano passado, o Chega apresentou na Assembleia Municipal de Lisboa um voto de saudação ao Dia Mundial da Criança. Questionado por um deputado do PAN sobre o que significava a expressão “acabar com a ideologia de género nas escolas”, Nuno Pardal respondeu: “Queremos dizer que as crianças são educadas em casa, são livres na escola e não devem ter essas ideologias que todos nós sabemos de esquerda e de extrema-esquerda e, por isso, somos completamente contra essa mesma ideologia”. Mais à frente, num debate sobre um voto de repúdio pelos ataques racistas na baixa do Porto, Pardal voltou à carga contra “supostos programas de educação multicultural, que mais não fazem que doutrinar prematuramente as crianças e os jovens para a esquizofrenia e paranóia coletiva da ideologia woke”.

Em mais uma mensagem que hoje pode ser lida como premonitória, o dirigente do Chega que meses antes recorrera à prostituição de um rapaz de 15 anos, sentenciou: “Temos de acordar para a realidade, deixando o politicamente correto e as fantasias. Se é criminoso, será criminoso e nunca vítima”.