Um grupo de cidadãos e figuras públicas assinam carta aberta a criticar a ação policial na Rua do Benformoso e a retórica do governo sobre essa ação. A carta tem o título "Não nos encostem à parede" e foi publicada no jornal Público, frisando a necessidade de "não deixarmos que isso volte a acontecer" e de sair à rua no dia 11 de janeiro para a manifestação contra o racismo. Leia aqui o texto na íntegra.
O que aconteceu a 19 de Dezembro, na rua do Benformoso, não é um caso isolado, mas não é por isso que deixa de ser inadmissível. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta.
Quando, no dia 19 de dezembro, uma operação policial encomendada pelo governo encostou dezenas de imigrantes à parede, tendo sido previamente notificada a comunicação social, para, segundo o primeiro-ministro, dar visibilidade ao combate ao crime e à percepção de insegurança, o que se fez foi humilhar pessoas que vivem e trabalham nessa rua, obrigando-as a estar encostadas à parede longas dezenas de minutos.
Depois da indignação que se seguiu, a direcção da PSP tentou justificar a ação, enquadrando-a numa legislação de controlo de armas e afirmando que na zona tinha havido 52 assaltos com arma branca nos últimos dois anos.
A montanha pariu um rato. O resultado de tão espectacular acto de humilhação colectiva dirigida a trabalhadores e comerciantes imigrantes foi a apreensão de uma faca de 17 centímetros e duas detenções. Numa anterior operação que o governo reputou de necessária para combater a imigração ilegal, foi encontrada uma pessoa “sem papéis”.
Toda a gente percebe que não são os comerciantes e imigrantes que trabalham nessa rua que estão envolvidos nos alegados assaltos. O objectivo desta operação não é tornar a zona mais segura, coisa que se consegue com mais iluminação pública, polícia de proximidade e, sobretudo, com políticas sociais que combatam o alastramento de drogas, como o crack, na zona, mas mostrar que o Estado reprime os trabalhadores imigrantes com mão pesada.
Nos dias anteriores e seguintes, o governo repetidamente afirmou que esta e outras operações respondiam à sua nova orientação para controlar os imigrantes e combater a criminalidade, e que apesar do país ser dos mais seguros do mundo, não podia viver “à sombra da bananeira”.
O executivo de Luís Montenegro repetiu a várias vozes e de várias maneiras a ideia que era preciso combater a “imigração ilegal”, a criminalidade e as percepções.
Na realidade, estas operações são feitas para agradar ao eleitorado da extrema-direita e aumentar os discursos que associam imigração a crime. Mesmo que todas as estatísticas demonstrem que não existe essa relação e que a criminalidade em Portugal tem descido ao longo das últimas décadas de uma forma sustentada.
A operação policial não foi feita para combater qualquer delito, mas para criminalizar, aos olhos da opinião pública, os imigrantes que trabalham em Portugal. Tornar essas pessoas os bodes expiatórios da ausência de políticas sociais, da falta de construção pública de habitação e do atual insucesso na gestão do Serviço Nacional de Saúde.
Nesses mesmos dias, o governo aprovou, com a extrema-direita, um pacote que corta o acesso aos cuidados de saúde a muitos milhares de imigrantes. Numa decisão de uma enorme gravidade, os imigrantes com a situação não regularizada podem, como fazem, contribuir para a Segurança Social e pagar impostos, mas estão proibidos de aceder ao Serviço Nacional de Saúde nas condições dos demais trabalhadores. Uma medida injusta e desastrosa do ponto de vista da saúde pública.
O que aconteceu a 19 de Dezembro, na rua do Benformoso não é um caso isolado, mas não é por isso que não deixa de ser inadmissível. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido, sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta.
Por isso centenas de pessoas e dezenas de organizações apelam para que no próximo sábado, dia 11 de janeiro, milhares de pessoas se manifestem em Lisboa. As suas palavras são claras.
O que aconteceu na rua do Benformoso a centenas de imigrantes, com pessoas encostadas à parede pela polícia, tornou óbvia a necessidade de não deixarmos que isso volte a acontecer. Sabemos que o que ali se tornou visível não foi um ato isolado, é algo que acontece regularmente em outras periferias de Lisboa e do país.
Todas as pessoas que vivem e trabalham em Portugal têm de ser tratadas com dignidade, como consagram as leis da democracia, nomeadamente a Constituição da República. Nem mais nem menos se espera de um Estado Democrático.
Não podemos aceitar mentiras que tentam normalizar e desculpar o indefensável.
A Segurança não se confunde com instrumentalização da polícia, nem com repressão discriminatória contra populações trabalhadoras, pobres, imigrantes e pessoas racializadas que produzem grande parte da riqueza do país. Portugal é um Estado em que a liberdade e a dignidade têm de ser valores fundamentais.
No dia 11 de Janeiro, às 15 horas, em Lisboa, vamos sair à rua, contra o racismo e a xenofobia, para exigir dignidade, direitos sociais e liberdade para quem vive e trabalha em Portugal. Queremos que as promessas de Abril se cumpram.
Da Alameda D. Afonso Henriques ao Martim Moniz faremos a festa pela diversidade, mostrando que todas as culturas fazem parte da nossa sociedade comum.
Alexandra Mota Torres, funcionária pública
Aly Abouhegazy, construção
Ana Paula Costa, Presidente da Casa do Brasil de Lisboa e Investigadora no IPRI
Ana Suspiro, jurista
Anabela Rodrigues, mediadora cultural e ativista
André Oliveira Carrilho, advogado
Anizabela Amaral, jurista e ativista na Kilombo - Plataforma de Integração Anti-Racista
António Brito Guterres, assistente social, Vida Justa
António Garcia Pereira, advogado
Augusto Neves Júnior, empresário de turismo
Bernardo Marques Vidal, jurista
Bernardo Mendonça, jornalista
Carla Matos, funcionária pública
Carmen Granja, historiadora
Catarina Morais, advogada
Catarina Silva, autarca (Arroios)
Catarina Soares Barbosa, The Revolution Will Not Happen In Your Screen
Cátia Rosas, vereadora CML
Célia Costa, produtora cultural
Cláudia Semedo, atriz e jornalista
Diogo Espinhal Torres, economista
Edna Tavares, psicóloga
Elizabeth Olegário, investigadora do CHAM – NOVA/FCSH
Erica Acosta, advogada
Eurico Brilhante Dias, deputado à AR
Fabiana Fernandes, engenheira agrónoma e business analyst
Faranaz keshavjee, psicotraumatologista e escritora
Farid Ahmed Patwary, assistente social e jornalista
Francisco Paupério, investigador
Inês Cisneiros, advogada e investigadora
Isabel Mendes Lopes, deputada à AR
Isabel Moreira, deputada à AR
Joana Deus, trabalhadora social na Associação Renovar a Mouraria
Joana Mortágua, deputada à AR
João Costa, professor universitário
João Rosário, jornalista
Jonathan Ferreira Da Costa, serralheiro-soldador / Grupo de Ação Revolucionária Antifascista
Jorge Garcia Pereira, arquitecto e vereador CMPorto
Jorge Pinto, deputado à AR
José Falcão, SOS Racismo
José Leitão, advogado
José Rui Rosário, músico
José Soeiro, deputado à AR
Lígia Morais, Observatório de Violência Obstétrica, bancária
Luís Lisboa, mediador cultural
Luís Monteiro, museólogo, investigador
Luís Nuno Barbosa, presidente da CIVITAS Braga
Maria Escaja, promotora musical e autarca em Lisboa
Mariana Carneiro, socióloga do trabalho
Marta Bulhosa, advogada
Miguel Costa Matos, deputado à AR
Miguel Domingos Garcia, CEO/diretor criativo
Miguel Prata Roque, professor universitário e advogado
Nuno André Silva, jurista
Nuno Ramos de Almeida, jornalista, Vida Justa
Patrícia Gonçalves, professora universitária
Patrícia Mariano, autarca (Arroios)
Patrícia Robalo, arquiteta
Paula Marques, vereadora CML
Pedro Mendonça, assessor político
Pedro Soares, professor universitário
Pedro Vieira, escritor e ilustrador
Ricardo Sá Fernandes, advogado
Rodrigo Alves, estudante/Grupo de Ação Revolucionária Antifascista
Rosa Monteiro, professora universitária
Rui Tavares, deputado à AR
Sara Amâncio, professora jubilada
Sara Ferreira, profissional de saúde
Sara Morbey Mesquita, advogada
Sofia Ferro Santos, professora universitária
Sofia Pereira, secretária-geral da JS
Timóteo Macedo, presidente da Solidariedade Imigrante