Sociedade

Carta aberta critica ação policial no Benformoso e apela à manif de sábado

08 de janeiro 2025 - 15:15

Figuras públicas assinam carta aberta a criticar a ação policial na Rua do Benformoso e a retórica do governo. Leia aqui o texto na íntegra.

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Ilustração
Imagem retirada da ilustração de Rafael Medeiros/@orafadesenhou para a manifestação "Não nos encostem à parede"

Um grupo de cidadãos e figuras públicas assinam carta aberta a criticar a ação policial na Rua do Benformoso e a retórica do governo sobre essa ação. A carta tem o título "Não nos encostem à parede" e foi publicada no jornal Público, frisando a necessidade de "não deixarmos que isso volte a acontecer" e de sair à rua no dia 11 de janeiro para a manifestação contra o racismo. Leia aqui o texto na íntegra.


O que aconteceu a 19 de Dezembro, na rua do Benformoso, não é um caso isolado, mas não é por isso que deixa de ser inadmissível. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta.

Quando, no dia 19 de dezembro, uma operação policial encomendada pelo governo encostou dezenas de imigrantes à parede, tendo sido previamente notificada a comunicação social, para, segundo o primeiro-ministro, dar visibilidade ao combate ao crime e à percepção de insegurança, o que se fez foi humilhar pessoas que vivem e trabalham nessa rua, obrigando-as a estar encostadas à parede longas dezenas de minutos.

Depois da indignação que se seguiu, a direcção da PSP tentou justificar a ação, enquadrando-a numa legislação de controlo de armas e afirmando que na zona tinha havido 52 assaltos com arma branca nos últimos dois anos.

A montanha pariu um rato. O resultado de tão espectacular acto de humilhação colectiva dirigida a trabalhadores e comerciantes imigrantes foi a apreensão de uma faca de 17 centímetros e duas detenções. Numa anterior operação que o governo reputou de necessária para combater a imigração ilegal, foi encontrada uma pessoa “sem papéis”.

Toda a gente percebe que não são os comerciantes e imigrantes que trabalham nessa rua que estão envolvidos nos alegados assaltos. O objectivo desta operação não é tornar a zona mais segura, coisa que se consegue com mais iluminação pública, polícia de proximidade e, sobretudo, com políticas sociais que combatam o alastramento de drogas, como o crack, na zona, mas mostrar que o Estado reprime os trabalhadores imigrantes com mão pesada.

Nos dias anteriores e seguintes, o governo repetidamente afirmou que esta e outras operações respondiam à sua nova orientação para controlar os imigrantes e combater a criminalidade, e que apesar do país ser dos mais seguros do mundo, não podia viver “à sombra da bananeira”.

O executivo de Luís Montenegro repetiu a várias vozes e de várias maneiras a ideia que era preciso combater a “imigração ilegal”, a criminalidade e as percepções.

Na realidade, estas operações são feitas para agradar ao eleitorado da extrema-direita e aumentar os discursos que associam imigração a crime. Mesmo que todas as estatísticas demonstrem que não existe essa relação e que a criminalidade em Portugal tem descido ao longo das últimas décadas de uma forma sustentada.

A operação policial não foi feita para combater qualquer delito, mas para criminalizar, aos olhos da opinião pública, os imigrantes que trabalham em Portugal. Tornar essas pessoas os bodes expiatórios da ausência de políticas sociais, da falta de construção pública de habitação e do atual insucesso na gestão do Serviço Nacional de Saúde.

Nesses mesmos dias, o governo aprovou, com a extrema-direita, um pacote que corta o acesso aos cuidados de saúde a muitos milhares de imigrantes. Numa decisão de uma enorme gravidade, os imigrantes com a situação não regularizada podem, como fazem, contribuir para a Segurança Social e pagar impostos, mas estão proibidos de aceder ao Serviço Nacional de Saúde nas condições dos demais trabalhadores. Uma medida injusta e desastrosa do ponto de vista da saúde pública.

O que aconteceu a 19 de Dezembro, na rua do Benformoso não é um caso isolado, mas não é por isso que não deixa de ser inadmissível. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido, sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta.

Por isso centenas de pessoas e dezenas de organizações apelam para que no próximo sábado, dia 11 de janeiro, milhares de pessoas se manifestem em Lisboa. As suas palavras são claras.

O que aconteceu na rua do Benformoso a centenas de imigrantes, com pessoas encostadas à parede pela polícia, tornou óbvia a necessidade de não deixarmos que isso volte a acontecer. Sabemos que o que ali se tornou visível não foi um ato isolado, é algo que acontece regularmente em outras periferias de Lisboa e do país.

Todas as pessoas que vivem e trabalham em Portugal têm de ser tratadas com dignidade, como consagram as leis da democracia, nomeadamente a Constituição da República. Nem mais nem menos se espera de um Estado Democrático.

Não podemos aceitar mentiras que tentam normalizar e desculpar o indefensável.

A Segurança não se confunde com instrumentalização da polícia, nem com repressão discriminatória contra populações trabalhadoras, pobres, imigrantes e pessoas racializadas que produzem grande parte da riqueza do país. Portugal é um Estado em que a liberdade e a dignidade têm de ser valores fundamentais.

No dia 11 de Janeiro, às 15 horas, em Lisboa, vamos sair à rua, contra o racismo e a xenofobia, para exigir dignidade, direitos sociais e liberdade para quem vive e trabalha em Portugal. Queremos que as promessas de Abril se cumpram.

Da Alameda D. Afonso Henriques ao Martim Moniz faremos a festa pela diversidade, mostrando que todas as culturas fazem parte da nossa sociedade comum.

Alexandra Mota Torres, funcionária pública

Aly Abouhegazy, construção

Ana Paula Costa, Presidente da Casa do Brasil de Lisboa e Investigadora no IPRI

Ana Suspiro, jurista

Anabela Rodrigues, mediadora cultural e ativista

André Oliveira Carrilho, advogado

Anizabela Amaral, jurista e ativista na Kilombo - Plataforma de Integração Anti-Racista

António Brito Guterres, assistente social, Vida Justa

António Garcia Pereira, advogado

Augusto Neves Júnior, empresário de turismo

Bernardo Marques Vidal, jurista

Bernardo Mendonça, jornalista

Carla Matos, funcionária pública

Carmen Granja, historiadora

Catarina Morais, advogada

Catarina Silva, autarca (Arroios)

Catarina Soares Barbosa, The Revolution Will Not Happen In Your Screen

Cátia Rosas, vereadora CML

Célia Costa, produtora cultural

Cláudia Semedo, atriz e jornalista

Diogo Espinhal Torres, economista

Edna Tavares, psicóloga

Elizabeth Olegário, investigadora do CHAM – NOVA/FCSH

Erica Acosta, advogada

Eurico Brilhante Dias, deputado à AR

Fabiana Fernandes, engenheira agrónoma e business analyst

Faranaz keshavjee, psicotraumatologista e escritora

Farid Ahmed Patwary, assistente social e jornalista

Francisco Paupério, investigador

Inês Cisneiros, advogada e investigadora

Isabel Mendes Lopes, deputada à AR

Isabel Moreira, deputada à AR

Joana Deus, trabalhadora social na Associação Renovar a Mouraria

Joana Mortágua, deputada à AR

João Costa, professor universitário

João Rosário, jornalista

Jonathan Ferreira Da Costa, serralheiro-soldador / Grupo de Ação Revolucionária Antifascista

Jorge Garcia Pereira, arquitecto e vereador CMPorto

Jorge Pinto, deputado à AR

José Falcão, SOS Racismo

José Leitão, advogado

José Rui Rosário, músico

José Soeiro, deputado à AR

Lígia Morais, Observatório de Violência Obstétrica, bancária

Luís Lisboa, mediador cultural

Luís Monteiro, museólogo, investigador

Luís Nuno Barbosa, presidente da CIVITAS Braga

Maria Escaja, promotora musical e autarca em Lisboa

Mariana Carneiro, socióloga do trabalho

Marta Bulhosa, advogada

Miguel Costa Matos, deputado à AR

Miguel Domingos Garcia, CEO/diretor criativo

Miguel Prata Roque, professor universitário e advogado

Nuno André Silva, jurista

Nuno Ramos de Almeida, jornalista, Vida Justa

Patrícia Gonçalves, professora universitária

Patrícia Mariano, autarca (Arroios)

Patrícia Robalo, arquiteta

Paula Marques, vereadora CML

Pedro Mendonça, assessor político

Pedro Soares, professor universitário

Pedro Vieira, escritor e ilustrador

Ricardo Sá Fernandes, advogado

Rodrigo Alves, estudante/Grupo de Ação Revolucionária Antifascista

Rosa Monteiro, professora universitária

Rui Tavares, deputado à AR

Sara Amâncio, professora jubilada

Sara Ferreira, profissional de saúde

Sara Morbey Mesquita, advogada

Sofia Ferro Santos, professora universitária

Sofia Pereira, secretária-geral da JS

Timóteo Macedo, presidente da Solidariedade Imigrante