Jody Wilson-Raybould foi desde 2015 Ministra da Justiça de Justin Trudeau e ao mesmo tempo procuradora-geral — os dois cargos estão associados no Canadá, ao contrário de Portugal. Em janeiro passado, foi despromovida a ministra com a pasta dos assuntos dos ex-combatentes, cargo onde que não chegou a durar um mês, tendo-se demitido a 12 de fevereiro. Desde então, deu origem a uma crise política que está a abalar o Canadá.
Aquando da saída de Wilson-Raybould do governo, falava-se que o motivo seria um tentativa de interferência do governo numa investigação criminal. O jornal Globe and Mail noticiou a 7 de fevereiro que Wilson-Raybould teria sofrido pressões para "ajudar" a empresa SNC-Lavalin num processo-crime. A SNC-Lavalin é uma empresa multinacional de engenharia do Quebeque, com 50 mil trabalhadores no mundo inteiro, 9 mil dos quais no Canadá. Nas suas atividades na Líbia, terá montado um esquema de subornos que transferiu cerca de 48 milhões de dólares canadianos (38 milhões de euros) para membros da família Ghadafi entre 2001 e 2011. Se fosse condenada, a SNC poderia ser proibida de concorrer a concursos do governo federal no país durante uma década. A notícia levou à saída do governo de Gerald Butts, considerado o braço-direito de Trudeau, que se demitiu a 18 de fevereiro, embora negando quaisquer pressões sobre Wilson-Raybould.
Duas semanas depois de sair do governo, a ex-ministra e procuradora confirmou as suspeitas num testemunho comprometedor para Justin Trudeau. Numa audição parlamentar a 27 de fevereiro, Wilson-Raybould afirmou que entre setembro e dezembro de 2018 foi alvo de um "esforço consistente e continuado de muitos membros do governo", que incluiu "ameaças veladas", para interferir no caso SNC-Lavalin.
A ex-ministra identificou 11 membros do governo que terão exercido pressões sobre si, incluindo o primeiro-ministro. Segundo ela, Trudeau ter-lhe-á pedido para "ajudar" no caso SNC-Lavalin, acrescentando que a empresa mudaria a sua sede para Londres caso fosse condenada, levando à perda de postos de trabalho. Quando Wilson-Raybould lhe retorquiu perguntando se ele estava a querer condicionar o processo, advertindo-o fortemente contra essa possibilidade, Trudeau terá respondido "Não, não, não. Temos é de encontrar uma solução".
Trudeau negou as acusações, afirmando que como primeiro-ministro tem o dever de defender o emprego no país mas não exerceu pressões para condicionar a investigação criminal. Sofreu no entanto um novo revés esta segunda-feira com a demissão de Jane Philpott, ministra com a pasta do orçamento, que invocou explicitamente o caso como razão para a sua demissão. O caso está entregue a uma comissão parlamentar de ética. O líder da oposição conservadora exigiu a demissão de Trudeau. Este recusou, respondendo que o povo terá ocasião de se pronunciar nas próximas eleições legislativas, marcadas para outubro.