Está aqui
Brasil: Prisão de Temer complica reforma da Previdência
A decisão de prender preventivamente o ex-presidente Michel Temer teve menos a ver com as investigações dos 10 inquéritos que pendem sobre ele e mais com a crise da Lava-Jato, com o desempenho desastroso do governo nos seus primeiros meses e com a disputa entre as principais instituições do regime.
Mas dizer que o momento escolhido para a detenção obedeceu a interesses alheios às investigações não significa afirmar que inexistem motivos para que Temer seja preso. Muito pelo contrário. O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro afirma que as luvas recebidas, prometidas ou desviadas pelo ex-presidente e seu grupo ultrapassam os 1800 milhões de reais. O juiz Marcelo Bretas, que atua no âmbito da operação Lava-Jato, denunciou Temer como “líder de uma organização criminosa” que atua há 40 anos e é “responsável por atos de corrupção”. Além do ex-presidente, foram presos o ex-ministro Moreira Franco, o coronel reformado da polícia João Lima Filho, auxiliar de longa data de Temer, e outras sete pessoas.
Dez inquéritos, uma panóplia de crimes
O inquérito que levou às prisões investiga o superfaturamento de contratos entre a Eletronuclear e a empresa Engevix, relacionados com a usina nuclear de Angra 3. Os restantes inquéritos que envolvem Temer investigam uma completa panóplia de crimes: lavagem de dinheiro no Porto de Santos; superfaturação de contratos da empresa do coronel Lima em obras no Tribunal de Justiça de São Paulo e outras; favorecimento da empresa Odebtecht em troca de luvas; o chamado “Quadrilhão do MDB”, envolvendo vários órgãos e empresas pública, como Petrobrás, Furnas, Caixa Económica, Ministérios da Agricultura e Integração Nacional, e a própria Câmara dos deputados; há também a gravação da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, na qual o ex-presidente lhe diz que “tem que manter” uma “boa relação” com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, já então preso; outro inquérito investiga as obras na casa da filha do ex-presidente, Maristela Temer, que teriam sido usadas para lavar dinheiro; e finalmente a famosa mala com 500 mil reais em dinheiro recebida por Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Temer, que foi filmado pela polícia ao recebê-la e cujo destinatário seria Temer.
Como se vê, motivos não faltam para prender Temer. Estas investigações permaneceram suspensas enquanto ele ocupou a Presidência da República, mas foram reatadas quando o político do MDB deixou de ter foro privilegiado.
O que é pouco convincente é o argumento do procurador Bretas de que a prisão preventiva se justifica neste momento pelo risco de ocultar provas ou dinheiro. Passaram cem dias desde que Temer saiu do Palácio do Planalto. Nesse tempo, e durante os anos que ocupou a cadeira presidencial, ele e seus associados tiveram mais que tempo para ocultar provas e dinheiro. Assim, a escolha da data para desencadear a nova operação da Lava-Jato, ao que tudo indica, obedeceu a outros motivos e interesses.
Bolsonaro: queda de popularidade inédita
A prisão de Temer traz o governo Bolsonaro de volta ao lema cujo apelo popular permitiu à direita ocupar as ruas com enormes mobilizações: a luta contra a corrupção. Depois dos primeiros meses de governo, quando se acumularam os desastres e os tiros nos pés desferidos pelo clã Bolsonaro, o governo obteve uma queda de popularidade inédita: no dia 20 de março, uma sondagem realizada pelo instituto Ibope revelou que, de janeiro a março, a parcela da população que considera o governo de Jair Bolsonaro ótimo ou bom caiu de 49% para 34% – uma queda de 15 pontos percentuais. De acordo com o levantamento, 24% dizem que o governo é ruim ou péssimo. Outros 34% consideram que é regular, e 8% não souberam avaliar.
Depois dos primeiros meses de governo, quando se acumularam os desastres e os tiros nos pés desferidos pelo clã Bolsonaro, o governo obteve uma queda de popularidade inédita.
É o pior resultado de um presidente nos primeiros meses do mandato. Fernando Henrique Cardoso, em 1995, tinha 41% de ótimo e bom, Lula da Silva, em 2003, tinha 51% e Dilma Rousseff era aprovada por 56% em 2011, índices bastante superiores aos 34% de Bolsonaro.
A prisão do presidente mais impopular da história do Brasil pode inverter, ou pelo menos travar, este declínio e, neste sentido, foi uma boa notícia para o atual presidente.
Conflitos institucionais
A decisão de prender Temer tem também de ser vista à luz do conflito que vem sendo travado entre os procuradores da Lava-Jato e o Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 14 de março, por 6 votos a 5, o STF decidiu que a Justiça Eleitoral tem competência para investigar casos de corrupção quando eles envolverem simultaneamente os crimes de caixa 2 de campanha (saco azul) e outros crimes comuns, como lavagem de dinheiro.
Em comentário no Twitter a esta decisão, Deltan Dalagnol, o chefe da força-tarefa da Lava-Jato, cargo que ocupou depois da saída de Sérgio Moro para o governo Bolsonaro, escreveu: “Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava-Jato”. O temor de Dalagnol é que a decisão do STF possa resultar em penas mais brandas, já que a Justiça Eleitoral não é conhecida pela sua rigidez. Por outro lado, o STF retira da Justiça Federal processos contra políticos que envolvam simultaneamente crimes comuns e caixa 2 de campanha. Finalmente, pode levar à revisão e até anulação de processos sempre que o tribunal chegar à conclusão de que o dinheiro desviado não foi só para o bolso do envolvido, mas também para financiar campanhas eleitorais.
A prisão de Temer pode assim ser vista como um contra-ataque da Lava-Jato nesta disputa com o STF, uma demonstração de força dos procuradores.
Vingança de Moro
Há ainda uma dimensão pessoal em todo este imbróglio que envolve o ministro Sérgio Moro. Apresentado como um superministro, uma das estrelas do governo Bolsonaro, Moro não passou imune às trapalhadas envolvendo presidente, ministros, e os vários grupos de pressão que atuam sobre Bolsonaro. O “justiceiro” implacável transformou-se num carneirinho diante dos crimes praticados por aliados seus, como o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzonni, que admitiu ter recebido dinheiro de caixa 2 na campanha eleitoral. “Ele já admitiu e pediu desculpas”, esclareceu Moro, como se um simples pedido de desculpas pudesse absolver um crime de corrupção. Em 2017, o mesmo Moro considerara que o caixa 2 nas eleições “é trapaça, é crime contra a democracia” e ainda afirmara que “corrupção para financiamento de campanha eleitoral é pior que para o enriquecimento ilícito”.
Apesar da mudança de atitude, Moro, que sonha ainda com uma fulgurante carreira política, não escapou a ser humilhado quando Bolsonaro, pressionado pelas críticas nas redes sociais, o forçou a retirar a nomeação de uma cientista política para suplente de um Conselho vinculado ao Ministério da Justiça por ser contrária à flexibilização do porte de armas. O cargo sequer era remunerado. E o Brasil inteiro descobriu que o superministro, afinal, nem para nomear uma conselheira suplente tinha autonomia.
Sentindo a sua boa estrela cada vez mais baça e a sua autoridade em frangalhos, Moro procurou voltar à ribalta defendendo que a sua proposta de medidas ditas anticorrupção (na verdade um lote de alterações legislativas para agravar penas) poderia tramitar no Congresso em paralelo à reforma da Previdência. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, reagiu mal, lembrando que é a ele que cabe definir a agenda, que a prioridade era a Previdência e que o projeto de Moro não passaria de um texto “copia e cola” de uma proposta apresentada no passado. A troca de mimos prosseguiu com Moro insinuando que Maia dava menos importância ao combate ao crime, e Maia recordando que Moro era apenas um “funcionário de Bolsonaro”.
Moro não respondeu, mas no dia seguinte a Lava-Jato prendeu, na mesma leva de Temer, o ex-ministro Wellington Moreira Franco, que é sogro de Rodrigo Maia.
E a Previdência?
Temos assim que Bolsonaro beneficiou-se com a prisão de Temer, que pode melhorar a sua popularidade em queda, a Lava-Jato marcou um tento, mostrando que ainda tem poder para enfrentar o STF, e o próprio Sergio Moro sentiu o doce sabor da vingança sobre Maia. Mas e o governo saiu vencedor? A verdade é que os benefícios obtidos no curto prazo podem provocar, a médio prazo, uma derrota do governo Bolsonaro, caso não consiga fazer aprovar a (contra)reforma da Previdência (Segurança Social), pelo menos nos termos pretendidos pelo ministro da Economia Paulo Guedes.
Nestes dias que se seguiram à prisão do ex-presidente, a possibilidade de aprovação célere do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que introduz as alterações drásticas no sistema de pensões parece ter-se reduzido muito. A Bolsa de Valores reagiu em queda às prisões, justamente por prever complicações na aprovação da reforma da Previdência.
Rodrigo Maia acusou o toque da prisão do sogro e sacudiu a água do capote de qualquer responProtesto contra a reforma da Previdência (Segurança Social). Foto Esquerda online. imagem widgetsabilidade na aprovação da (contra)reforma. A responsabilidade pela relação do governo com a Câmara é de Bolsonaro, afirmou. “Ele não pode delegar a ninguém. Se ele não comandar, não teremos os 308 votos”, alertou. Para Maia, ou Bolsonaro se torna o “garoto-propaganda” da reforma ou será muito difícil conseguir a aprovação. E alfinetou: “Ele [Bolsonaro] precisa ter um engajamento maior. Ele precisa ter mais tempo para cuidar da Previdência e menos tempo cuidando do Twitter, porque, se não, a reforma não vai andar”.
Ninguém sabe quem apoia a reforma da Previdência
A confusão reina entre os partidos no Congresso Nacional e a apresentação da lei que altera a reforma dos militares veio tornar tudo ainda mais confuso, por ter regras bastante mais suaves para quem usa farda se comparadas às que abrangem os civis.
Para o líder do PSL, partido de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, “o único partido hoje que declarou apoio à reforma da Previdência foi o PSL, mas hoje já inclusive temos cisões internas”, disse o deputado Delegado Waldir, que reconheceu não existirem hoje os 308 votos necessários à aprovação. Há casos de partidos que depois de afirmarem apoio às mudanças na Previdência recuaram dessa posição.
Para ajudar à confusão, os chamados partidos do centrão preparam-se para derrubar medidas recentemente adotadas por Bolsonaro, como o decreto que dispensa vistos para turistas dos Estados Unidos e outros países, e a medida que muda as regras para a contribuição sindical.
Protestos têm boa dimensão
Se as dúvidas se acumulam entre os deputados sobre as vantagens da reforma da Previdência, as centrais sindicais não têm dúvidas e realizaram na última sexta-feira protestos em todas as capitais e muitas cidades do interior. Em muitos casos, a vanguarda foram os trabalhadores vinculados à educação, que têm sofrido muitos ataques por parte do governo.
Foi verdadeiramente um dia de luta que abre a porta para novas jornadas mais amplas, è medida em que a população vai se dando conta que a reforma da Previdência reduz direitos e em muitos casos força as pessoas a trabalharem até morrer.
É esta mobilização que poderá entravar de vez a principal engrenagem em curso por parte do governo Bolsonaro. É certo que as sucessivas divisões e os disparates cometidos por Bolsonaro & filhos têm enfraquecido o governo. Mas as divisões entre os de cima superam-se muito rapidamente se os de baixo não irromperem na cena.
Manifestação contra a reforma da Previdência no Rio de Janeiro. Foto Mídia Ninja
Adicionar novo comentário