Bloco leva fim das rendas elétricas ao parlamento

09 de junho 2017 - 22:46

O nosso objetivo com esta proposta é uma aprovação por unanimidade, depois de termos ouvido o desabafo do primeiro-ministro sobre as manhas da EDP e vozes de todos os partidos a reconhecer a necessidade de terminar estes abusos sobre os consumidores"; afirmou ao esquerda.net o deputado bloquista Jorge Costa.

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Nesta sexta-feira, 9 de junho de 2017, o Bloco de Esquerda apresentou no parlamento um projeto de resolução que recomenda ao Governo que “tome as iniciativas necessárias à eliminação das rendas excessivas no setor elétrico, em particular, nos chamados Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)”. “Essa eliminação - seja por renegociação direta no âmbito do processo de revisibilidade final dos CMEC, seja mediante tributação específica do produtor - deverá refletir-se na formação das tarifas para o ano 2018 e seguintes”, aponta ainda o projeto.

Este projeto será debatido na próxima segunda-feira, 12 de junho, no plenário da Assembleia da República, por arrastamento sobre outro projeto bloquista na área da energia, sobre a REN - Aprova o controlo público da atividade de gestão técnica do sistema elétrico nacional mediante a sua separação da atividade de exploração da rede nacional de eletricidade. Leia artigo Sabia que a REN também pesa na fatura?, publicado no esquerda.net



António Mexia foi presidente da Galp Energia até 2004, passou a Ministro do Governo Santana Lopes (que decretou a lei dos CMEC) e daí transitou para a presidência da EDP.
Rui Cartaxo foi administrador da Galp e, entre 2006 e 2007, foi adjunto do Ministro Manuel Pinho, do PS, seguindo para a administração da REN de 2007 até ao final de 2014.
Miguel Barreto, passou de quadro da Boston Consulting a Diretor-geral da Energia, nomeado por Durão Barroso e mantido no posto por José Sócrates. Dali saiu para lançar como acionista a Home Energy, que depois vendeu à EDP.
João Conceição vem da mesma Boston Consulting para assessorar o Ministério da Economia, primeiro no governo Durão e depois com Sócrates, onde é adjunto de Manuel Pinho até 2009, ano em que se torna no administrador da REN.
Pedro Rezende, presidente até 2003 da filial portuguesa da Boston Consulting - que assessorou o Estado na criação do regime dos CMEC -, chegou à administração da EDP na gestão de João Talone.
Eduardo Catroga foi ministro das Finanças com Cavaco Silva, negociando acordos orçamentais do PSD com o governo Sócrates e depois, representando Passos Coelho, o memorando com a Troika. Está em órgãos sociais da EDP desde 2006, sendo chairman desde 2011.

Projeto de resolução (na íntegra)

Recomenda a eliminação das rendas excessivas nos chamados Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual

Os dados da pobreza energética em Portugal revelam uma realidade cruel. Portugal está no topo da tabela europeia da chamada "mortalidade excessiva" sob o frio (a par do Chipre e de Malta). Metade dos agregados com carência económica não consegue ter a casa adequadamente aquecida no Inverno. Dos principais fatores explicativos dessa realidade são os elevados preços da eletricidade e do gás, que são em Portugal os mais caros da Europa, em paridade de poder de compra. Em 2013, no pico da crise económica, Portugal foi o país europeu com maior número de cortes de energia por falta de pagamento, acima da Grécia.

Um dos fatores que explicam esta forte componente dos custos energéticos na economia das famílias e das empresas é o peso das chamadas rendas excessivas na parcela da fatura referente aos Custos de Interesse Económico Geral. Nestes, têm destaque os chamados Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual. Os CMEC são parte significativa daquelas rendas excessivas, tendo representado 2500 milhões de euros a cargo dos consumidores de eletricidade ao longo dos últimos 10 anos. No ano em curso, pesarão 300 milhões de euros na fatura elétrica.

Os CMEC foram estabelecidos a título de compensação pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE) celebrados entre o Estado e a EDP em 1995, na preparação da “liberalização do mercado elétrico” e da privatização da companhia. Os CAE garantiam a compra da eletricidade daquelas centrais a valores fixos, mas as diretivas europeias da liberalização do mercado elétrico impuseram a cessação antecipada destes contratos e à sua substituição pelos CMEC, que vieram garantir um adicional aos preços obtidos pela EDP no mercado grossista de eletricidade.

A natureza excessiva da remuneração assegurada pelos CMEC está bem identificada desde a sua origem. No parecer do regulador (ERSE) ao projeto de decreto-lei 240/2004, já eram apontadas as suas consequências negativas ao nível dos preços, quantificando-se um sobrecusto para além dos 7,5% de rentabilidade prevista, em função de futuras decisões discricionárias a tomar durante a vigência do decreto-lei. A ERSE assinalava também que o decreto 240/2004 abria caminho a novos diplomas para a transferência de direitos, cujos desequilíbrios também quantificava antecipadamente. Esses diplomas concretizaram-se em 2007, em particular quanto à capitalização dos CMEC, à extensão dos contratos e ao domínio público hídrico.

Em 2012, no quadro da intervenção da Troika em Portugal e da medida 5.15 do respetivo Memorando, o Secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, encomendou à Universidade de Cambridge o estudo das rendas excessivas no setor elétrico. Esse estudo concluiu, quanto aos CMEC, estarem os consumidores a suportar taxas de remuneração efetivas na ordem dos 14% (sem contar com a remuneração da garantia de potência, cujo regime foi alterado em 2016). Esse nível de remuneração resultava de três fatores: os cálculos presentes dos Contratos de Aquisição de Energia celebrados com a EDP em 1995 e que vigoraram até à sua substituição pelos contratos CMEC, em Julho de 2007; o cálculo do valor da extensão da concessão das barragens; a taxa de remuneração dos ativos CMEC (10,6% em vez de 7,5%, que era o custo médio ponderado do capital investido (WACC) pela EDP em 2007. Em conclusão, o estudo da Universidade de Cambridge situava o valor total da renda excessiva nos CMEC em 2133 milhões de euros, cobrados aos consumidores só entre 2007 e 2020.

Já em 2013, a Autoridade da Concorrência recomendou a revisão destes contratos, sinalizando que corresponderam, nos anos 2008 a 2012, a parcelas entre 15% e 34% dos resultados da EDP antes de impostos. Nesse ano, o governo realizou um ajustamento à taxa de juro na parte fixa dos CMEC, com poupanças anuais de 13 milhões de euros.

Já em 2016, o relatório da OCDE sobre Portugal é taxativo: "Uma ação mais forte para reduzir esquemas de remuneração herdados do passado - através da renegociação desses contratos anteriores e da aceleração do calendário de retirada dos esquemas de preços garantidos – poderia resultar em preços da energia mais competitivos".

Durante o ano de 2017, o Governo procederá ao ajustamento final dos CMEC para o período 2018-2027. Para determinar esse ajustamento final, foi aprovada com o Orçamento do Estado para 2017 a constituição de um grupo de trabalho a ERSE, cujo estudo deve ser apresentado até ao final do primeiro semestre. A taxa de remuneração a utilizar nesse ajustamento final deverá ser revista e adequada ao custo de capital do produtor.

O peso das rendas garantidas no sistema elétrico português não tem paralelo noutros países europeus. No caso espanhol, estes custos foram eliminados por decreto do governo Zapatero logo em 2006. No preâmbulo do diploma, o governo espanhol sublinhava que o mecanismo se tornara “ineficiente, em primeiro lugar porque gera distorções nos preços de mercado ao serem integrados como determinantes nas estratégia da oferta; em segundo lugar, porque se tornaram obsoletas as hipóteses da lei em que se basearam os cálculos dos “custos de transição para a concorrência” [equivalentes aos CMEC]; por último, os relatórios disponíveis revelam um alto grau de amortização das instalações afetadas. Em suma, é um mecanismo desnecessário e fonte de distorções, impondo-se a sua urgente supressão”.

O diagnóstico feito há mais de uma década no país vizinho reflete bem a situação portuguesa. O objetivo da redução dos custos da eletricidade no orçamento das famílias e das empresas não se compagina com a permanência de rendas excessivas no setor eletroprodutor.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que tome as iniciativas necessárias à eliminação das rendas excessivas no setor elétrico, em particular, nos chamados Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). Essa eliminação - seja por renegociação direta no âmbito do processo de revisibilidade final dos CMEC, seja mediante tributação específica do produtor - deverá refletir-se na formação das tarifas para o ano 2018 e seguintes.

Assembleia da República, 09 de junho de 2017.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,