Venâncio Mondlane tinha pedido publicamente aos seus apoiantes para às oito horas da manhã começarem a deixar os seus carros, motas ou bicicletas no meio da estrada. “Vamos usar as nossas estradas como parque de estacionamento, com os carros cheios de cartazes. Vamos desligar o carro na estrada. Fechamos o carro e vamos andar a pé até ao local de trabalho”, dissera o ex-candidato presidencial que lidera a contestação aos resultados das últimas eleições em Moçambique.
Na prática, o que se concretizou foi o pulular de barricadas feitas com pedras, detritos vários e contentores do lixo.
De acordo com a Lusa, no centro de Maputo, os manifestantes “impediam à força qualquer tentativa de passagem por automobilistas, enquanto a polícia apenas assistia”. Relata-se ainda que há militares a tentar limpar as vias mas, depois da sua passagem, as barricadas regressam. No cruzamento entre as avenidas Eduardo Mondlane e Guerra Popular, o ambiente é de “festa”, com manifestantes a jogar futebol, sentados ou a dançar nas ruas, com o som de apitos e vuvuzelas.
Os bloqueios são relativos. Há quem peça o pagamento de uma “portagem” a quem queira passar. Mas ocupam vários pontos da capital moçambicana. Também os táxis a transportes estão parados, grande parte do comércio fechou e mesmo muitos dos vendedores informais decidiram parar.
É o caso de José Luís dos Santos, vendedor ambulante entrevistado pela agência noticiosa portuguesa. que apela a que todos respeitem os bloqueios e não tentem forçar passagem: “aqui o povo é que manda. Aqui há muita polícia nos cantos, mas não vêm aqui intervir”. Acrescenta “estamos cansados de tanto sofrimento, injustiça” mas garante: “estamos a organizar o país”.
Imagens de um atropelamento geram revolta
Estes protestos seguem-se ao violento atropelamento de uma jovem manifestante pacífica por uma viatura militar blindada. As Forças Armadas reconhecem o facto mas dizem ter sido um acidente enquanto o veículo estava numa “missão de proteção de objetos económicos” e que a vítima foi prontamente socorrida. As imagens que circulam e as testemunhas no local mostram que os carros blindados se deslocaram a alta velocidade contra os manifestantes, seguindo caminho depois do atropelamento.
A União Europeia reagiu condenando o “uso excessivo da força”, exigindo o fim da “repressão violenta das manifestações” e considerando “chocantes” as imagens divulgadas. O porta-voz da diplomacia de Bruxelas, Peter Stano, escreveu ainda que “os direitos da população de se insurgirem e protestarem pacificamente têm de ser assegurados”.
Catherine Sozi, coordenadora residente da ONU em Moçambique, pede que haja uma investigação e a responsabilização dos autores do atropelamento. Em comunicado, mostra-se “profundamente alarmada com os relatos de mortes e ferimentos – incluindo uma pessoa atropelada por um veículo blindado – relacionados com protestos em Moçambique”.
Já o partido que apoiou Mondlane na sua candidatura, o Podemos, exige a demissão do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, do Comandante-Geral da Polícia, do Inspetor-Geral da Polícia, do Chefe do Ministério Público e da Procuradora-Geral da República. Refere-se que as autoridades são “grupos criminais que capturaram o Estado” e terão cometido “crimes contra a humanidade”. O caso do atropelamento “deixa claro que o Governo de Moçambique, os órgãos do Estado, assim como o partido Frelimo, não medem esforços para a sua manutenção no poder e de tudo farão para assim se manter”.
Mais dois dias de tiros e gás lacrimogéneo
Para além desta manifestante, pelo menos outras cinco pessoas ficaram feridas na capital, de acordo com as declarações de Dino Lopes, diretor do Serviço de Urgência de Adulto no Hospital Central de Moçambique. Indica como causas balas de borracha e cartuchos de gás lacrimogéneo.
Nas suas redes sociais, a Plataforma Eleitoral Decide, uma organização não governamental de monitorização dos processos eleitorais, faz o balanço até ao momento da chamada quarta fase de protestos que vai no seu segundo dia. Esta quarta e quinta, assinalam-se três mortes em Nampula; dez baleamentos, quatro em Nampula, três na província de Maputo e três em Inhambane; cinco detenções, uma em Nampula, duas em Sofala e duas em Moatize.
Por sua vez, a Carta de Moçambique acrescenta que houve três mortos em Mangungumete, no distrito de Inhassoro, província de Inhambane. Depois de às oito da manhã os manifestantes terem bloqueado a Estrada Nacional 1, como aconteceu em muitos outros pontos, a Unidade de Intervenção Rápida da polícia interveio. Para além de gás lacrimogéneo, foram usadas balas verdadeiras e duas pessoas morreram.
Os manifestantes reagiram destruindo depois o posto da polícia e apropriando-se de armas de fogo, tendo morrido um agente da Unidade de Intervenção Rápida.