Ayres de Campos aponta "razões políticas" para exonerações no Santa Maria

12 de julho 2023 - 17:03

O ex-diretor do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Hospital Santa Maria foi ao Parlamento dizer aos deputados que as obras no hospital não tornavam necessário encerrar o bloco de partos.

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Diogo Ayres de Campos.
Diogo Ayres de Campos. Foto publicada na sua página Facebook.

Numa audição na Assembleia da República semanas após o seu afastamento devido às críticas ao plano da administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte para a requalificação do bloco de partos no Hospital de Santa Maria, Diogo Ayres de Campos afirmou que "não havendo razão técnico científica para a exoneração, pode haver provavelmente razões políticas”.

Ayres de Campos e Luísa Pinto, diretora do Serviço de Obstetrícia, foram afastados depois de terem subscrito uma carta da esmagadora maioria dos profissionais do serviço sobre o plano que implica a passagem da equipa para o Hospital de São Francisco Xavier durante um ano. O especialista disse aos deputados que a carta "não era crítica”, servindo apenas para “levantar algumas preocupações e manifestar desgosto pela forma como as coisas foram feitas”. Mas a administração não entendeu dessa forma, exonerando os dois responsáveis e provocando a revolta nos restantes profissionais, que se recusam a fazer mais horas extraordinárias depois de já terem esgotado o limite anual das 150 horas extra, além da demissão dos diretores clínicos. Em resposta, o Santa Maria passou a encaminhar grávidas para hospitais privados.

Na semana passada, dezenas de médicos do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução pediram ao ministro da Saúde que intervenha de forma  “pessoal, direta e urgente” no sentido de readmitir Ayres de Campos e Luísa Pinto. No Parlamento, o médico afirmou que a decisão das exonerações transmite aos mais novos uma mensagem de “desrespeito pelo mérito, pelo esforço técnico cientifico das pessoas, mas também um desrespeito pelo departamento”, o que se traduz no aumento da vontade dos novos profissionais em sair para o estrangeiro ou para o privado. Aliás, o próprio diretor exonerado diz estar a ponderar “ir trabalhar para o privado, a ganhar mais”.

Encerrar bloco de partos "não é necessário" porque as obras são num edifício anexo ao hospital

Mas a audição serviu também para Ayres de Campos expor as razões das suas reservas quanto ao plano que está no centro da polémica e considerar um "absurdo" apontá-lo como um obstáculo às obras planeadas no Santa Maria. "Se houve quem sempre defendeu a construção do novo bloco de partos fui eu e a dra. Luisa Pinto. Temos estado a trabalhar nisso desde há quatro anos", afirmou, citado pela Lusa.

Segundo o Expresso, o ex-diretor do departamento defendeu que o encerramento do bloco de partos no Santa Maria "não é necessário", dado que as obras "irão ser feitas num edifício anexo ao hospital”. Por outro lado, a comunicação às equipas para irem para o São Francisco Xavier já em agosto também não se compreende, pois "não vai haver obras em enfermarias antes de outubro". O especialista apontou ainda as dificuldades de acesso a um hospital que “não tem estação de metro, só há dois autocarros e uma hora de viagem”, além da falta de condições nas enfermarias pós-parto, com quatro camas por quarto e sem casa-de-banho ou a redução de 25% na capacidade de resposta unificada.

Ayres de Campos traçou ainda um retrato sombrio da situação atual das urgências obstétricas, afirmando que “no mínimo, as condições são débeis, para não dizer mais”. E também revelou que as escalas não cumprem os requisitos da Ordem dos Médicos, pois em vez dos cinco médicos por turno já houve turnos com apenas um especialista e um interno no início da formação. O médico também é crítico da medida da Direção Executiva do SNS de encerrar rotativamente as maternidades, considerando que "levam a mais transferências intra-hospitalares, com riscos, e de intervenções para que o trabalho de parto seja mais rápido, logo com mais cesarianas e mais partos instrumentados.”

Cordão humano marcado para quinta-feira de manhã

Para esta quinta-feira às 10h está marcado um cordão humano solidário pela obstetrícia do Hospital de Santa Maria e pelo respeito pelos profissionais de saúde e pelas grávidas. O objetivo é juntar profissionais e utentes no sentido de "impedir o encerramento da maternidade de Santa Maria e a transferência de grávidas para hospitais privados”, considerando "uma irresponsabilidade" o encerramento programado da maternidade nos meses de verão, "quando a falta de profissionais de Obstetrícia se acentua".

Os promotores consideram ainda que “o plano para a reorganização da obstetrícia na região de Lisboa resultou na transferência de grávidas para os hospitais privados e todo o processo foi uma confusão, que envolveu o despedimento de chefias por delito de opinião, em que os profissionais nunca foram ouvidos, mesmo quando apresentaram soluções alternativas ao encerramento.” E chamam a atenção para as insuficiências na urgências de obstetrícia na região de Lisboa que duram há anos, antes de concluírem que "o problema é um e só um: faltam profissionais de saúde no SNS”.