Assédio moral nas universidades é agravado pela precariedade, diz presidente do Snesup

26 de abril 2023 - 16:14

Temos casos de dirigentes que fazem a vida um inferno a um determinado docente, com pedidos estapafúrdios, como recusar deslocações", denuncia José Moreira. Mas das dezenas de queixas recebidas pelo sindicato, acredita que quase nenhuma chegará a tribunal.

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Casos de assédio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa acabaram arquivados por falta de provas. Foto Marta Nogueira/Flickr

Em entrevista ao Público, o novo presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), José Moreira, diz que o problema do assédio moral nas universidades "é agravado pelo facto de termos muitos docentes e investigadores em condição precária", que assim estão "dependentes de uma boa avaliação ou expostos à necessidade de serem bem considerados na distribuição de serviço docente".

"O assédio está relacionado com relações de poder muito fortes e a Academia sempre teve relações de poder fortíssimas", refere José Moreira. Se no caso dos alunos, a dependência da figura tutelar do professor pode levá-los a ser alvo de pressões que podem chegar ao assédio sexual, o sindicalista sublinha que "há outros tipos de assédio igualmente graves, porque atentam, por exemplo, contra a saúde mental".

Face ao aumento das denúncias nos últimos anos, José Moreira diz que as instituições estão a ser reativas, pois até agora "isto era um não-assunto". E observa duas "tendências extremas" nessa resposta: ou as instituições tomarem conta de todo o processo ou externalizá-lo por completo, como fez a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nesta faculdade, "o nosso colega que ajudou as alunas na denúncia teve um processo disciplinar [que acabou por ser arquivado]. E teve algumas repercussões no serviço docente, porque não lhe foi atribuída uma das cadeiras que era costume ele dar", denuncia José Moreira. Quanto aos casos que seguiram para o Ministério Público, foram arquivados por falta de provas, o que o leva a dizer que "os mecanismos legais clássicos não funcionam".

O sindicalista refere que não chegaram queixas de assédio sexual ao sindicato, embora ressalve que o apoio jurídico do sindicato não é prestado por funcionários mas por advogados contratados, pelo que o conteúdo e as razões do pedido ficam entre advogado e cliente. Situação diferente é a do assédio moral, em que o Snesup recebe "várias dezenas de queixas por ano". Mas também aqui, "chegarão a tribunal uma ou duas – estou a ser otimista", admite José Moreira, justamente devido à dificuldade em provar as acusações. "Mesmo quando estamos apenas a falar de assédio moral, a situação exige uma resistência brutal da parte da vítima. Temos casos de dirigentes que fazem a vida um inferno a um determinado docente, com pedidos estapafúrdios, como recusar deslocações".

Além de mecanismos de denúncia independentes dentro das instituições e do empoderamento de docentes e investigadores para essa denúncia, nos casos em que a instituição não dá resposta é necessário um mecanismo externo, que no entender do líder do Snesup deveria passar pelo aumento do número de inspetores e regulação de atribuições da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.