Habitação

Ana Paula, vítima da crise da habitação

20 de março 2025 - 13:27

Ana Paula foi despejada da sua casa autoconstruída e está numa pensão da Segurança Social a viver. Teve agora o quarto filho e foi informada que "o bebé não poderá sair da maternidade se ela não tiver uma casa para o receber". Vigília de solidariedade está marcada para esta quinta-feira às 18h, em frente à Maternidade Alfredo da Costa.

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Ana Paula dos Santos
Ana Paula dos Santos. Still da Sic Notícias

Funcionária num lar de idosos com 38 anos, Ana Paula sustenta sozinha os três filhos e teve agora o quarto. Pelo aumento da renda da casa onde vivia, teve de sair e optou pela autoconstrução no bairro do Talude Militar, em Loures. Em setembro do ano passado, e com um aviso apenas 48 horas antes, a casa foi demolida. Fez parte da cruzada do autarca do PS da Câmara de Loures, Ricardo Leão, que defendeu uma série de despejos “sem dó nem piedade”. Juntamente com os seus três filhos, foi encaminhada para uma pensão da Segurança Social, no centro de Lisboa, com condições precárias.

Previa-se que Ana Paula desse à luz dia 18 de março e "foi informada de que o bebé não poderá sair da maternidade se ela não tiver uma casa para o receber e que, se assim for, será acionada a CPCJ". António Brito Guterres, assistente social e investigador em Estudos Urbanos, que integra o movimento Vida Justa, explica que a justificação é por a pensão a que foi dirigida "não tem condições para acolher um recém-nascido". Mais, "as filhas de Ana Paula serão retiradas da pensão enquanto ela estiver [na unidade hospitalar], pois não podem permanecer sozinhas ali sozinhas".

Petição assinala o problema sistémico

O caso ganhou visibilidade através de uma petição assinada por mais de mil pessoas e 59 organizações, dirigida ao Presidente da República, ao Governo, ao presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, e à Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral. A petição alerta para o risco de famílias perderem a tutela dos filhos por falta de acesso a habitação e exige "soluções habitacionais" em vez de "penalizações".

Segundo os peticionários, a situação de Ana Paula reflete um problema sistémico. "É um exemplo entre muitas mulheres e famílias que enfrentam despejos e ameaças, sendo penalizadas e culpabilizadas por não conseguirem prover as necessidades básicas com o rendimento do seu trabalho, devido ao rumo das políticas e ao modelo económico e social seguido".

De facto, segundo um dos estudos mais recentes da Causa Pública, Portugal tem atualmente a pior relação entre rendimentos e preços da habitação, ou acessibilidade habitacional, sendo o caso que mais piorou no universo dos países da OCDE. Em particular, entre 2017 e 2023, o valor mediano dos novos contratos de arrendamento aumentou 64%, enquanto o crescimento salarial foi de 28%. Para além disso, Portugal tem uma percentagem de parque habitacional público, menos de 3%, significativamente mais baixa que a média da UE.

Hoje, às 18h, em frente à Maternidade Alfredo da Costa, onde Ana Paula teve o filho, haverá uma vigília de solidariedade com todas as mulheres que estão a passar por esta situação.