Esta quarta-feira, o Supremo Tribunal do Reino Unido decidiu por unanimidade que o “sexo biológico” é o que define o que é uma mulher no que diz respeito às leis sobre igualdade de género.
A decisão dizia respeito em concreto a um caso que opunha um grupo chamado “For Women Scotland” e o governo escocês, mas terá implicações mais alargadas tanto na Escócia como em Inglaterra e no País de Gales. Aquela associação, financiada pela escritora JK Rowling, que tem vindo a destacar-se pelas suas posições contra as mulheres trans, tinha processado o executivo escocês em 2018, a propósito de uma lei que procurava alcançar igualdade de género nos conselhos diretivos de órgãos do setor público, alegando que proteções baseadas em questões de género apenas deveriam ser aplicadas a quem tivesse o sexo feminino atribuído à nascença, dado que o sexo seria “um estado biológico imutável”. A posição deste governo, por sua vez, era que quem quer que tivesse um “certificado de reconhecimento de género” tinha direito àquelas proteções, sendo a mudança de sexo reconhecida “para todos os propósitos”.
Na última decisão nos tribunais escoceses sobre esta matéria, em 2022, a juíza Haldane tinha decidido que a definição de sexo “não estava limitada ao sexo biológico ou de nascença”.
Desta feita, na instância superior, segundo a BBC, o juiz Hodge alegou que as palavras “mulher” e “sexo” no âmbito do Equality Act de 2010 dizem respeito apenas às “mulheres biológicas” e ao “sexo biológico”, salientando ainda que a lei protege as pessoas trans “não apenas contra a discriminação através da característica protegida de redesignação de género, mas também contra a discriminação direta, a discriminação indireta e o assédio substancial no seu género adquirido”.
O mesmo órgão de comunicação social cita Susan Smith, fundadora do “For Women Scotland” que se congratulou pela decisão, vincando que “o sexo é real e as mulheres podem agora sentir-se seguras que serviços e espaços designados para mulheres são para mulheres”.
O governo do Reino Unido também reagiu, afirmando que sempre apoiou a proteção de espaços para pessoas do mesmo sexo baseados no sexo biológico e acrescentando que a decisão “traz clareza e confiança, para as mulheres e para os providenciadores de serviços como hospitais, refúgios e clubes desportivos”.
De acordo com os juízes, a interpretação biológica deve ser aplicada a espaços que são para pessoas do mesmo sexo para que estes “funcionem coerentemente”, citando balneários, hostels, serviços médicos e instituições de ensino superior separadas por sexo, e acrescentando que “confusão e impraticabilidade semelhantes” tinham vindo a surgir em associações e instituições de caridade exclusivas para pessoas do mesmo sexo, desporto feminino, igualdade no setor público e forças armadas.
Para além disso, alegaram que só a definição biológica de sexo protegeria as mulheres lésbicas nos espaços e associações de acesso exclusivo.
Do lado contrário, como escreve o Guardian, o grupo Scottish Trans apelou, na sua conta do BlueSky, a que não houvesse pânico por causa da decisão já que “em breve, muitos comentários surgirão, provavelmente exagerando deliberadamente o impacto que esta decisão terá na vida de todas as pessoas trans”. Promete-se uma análise cuidada da sentença e termina-se com a mensagem “por favor, cuidem de si e uns dos outros hoje”.
Já a Amnistia Internacional do Reino Unido considerou a decisão “claramente desapontante” e alertou para as “consequências potencialmente preocupantes para as pessoas trans”.
Sacha Deshmukh, a chefe-executiva da organização, também assinalou tratar-se de um “julgamento longo e complexo” e que “demorará a analisar todas as suas implicações”. A AI insiste que o reconhecimento legal de género é essencial para que as pessoas trans gozem o espetro total de direitos a que cada um de nós tem direito, incluindo segurança, saúde e vida familiar.
A ONG Stonewall manifestou igualmente “preocupação profunda com as implicações amplas” da sentença que são “incrivelmente preocupantes para a comunidade trans”. O seu porta-voz Simon Blake lembra que apesar disso as proteções estabelecidas no Equality Act foram “reafirmadas” pelo tribunal e estas continuarão a proteger as pessoas trans contra a discriminação.