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Amnistia Internacional denuncia uso de balas de borracha contra manifestantes

“O meu olho explodiu” é o nome do relatório da organização de defesa dos direitos humanos que detalha como as polícias de muitos países estão a ferir, mutilar ou matar manifestantes pacíficos através do uso sistemático e indevido daquilo a que se chama “armas menos letais”.
Cartaz contra a violência policial. Foto de ep_jhu/Flickr.

Leidy Cadena Torres tinha 22 anos quando numa manifestação contra as reformas fiscais do governo colombiano, em abril de 2021, não percebeu o que se tinha passado. Conta que tirou o telemóvel e tirou uma fotografia da sua cara. Mas não a conseguiu ver. Só mais tarde percebeu que tinha perdido um olho por ter sido atingida por uma bala de borracha disparada à queima-roupa por um polícia.

O seu caso está longe de ser único. A experiência que viveu “tem sido um resultado comum deste tipo de atuação policial durante as manifestações em Estados da América do Sul e Central, Europa, Médio Oriente, África, e EUA”, conta o relatório “O meu olho explodiu” da Amnistia Internacional.

A organização de defesa dos direitos humanos avalia que “o uso excessivo e incorreto de balas de borracha e outras armas menos letais pela polícia contra manifestantes pacíficos é cada vez mais comum, provocando mortos e feridos”.

Balas de borracha, de plástico, projéteis de impacto cinético (PICs), granadas de gás lacrimogéneo, ou outras armas “não letais” estão a ser usadas “de forma sistemática e indevida” pelas autoridades, causando milhares de feridos, centenas de incapacitados permanentemente e dezenas de mortes, conclui a investigação feita em conjunto com a Omega Research Foundation e que analisou situações de mais de 30 países nos últimos cinco anos.

A Amnistia Internacional, junto com 30 organizações, apela a um “Tratado de Comércio Livre de Tortura Global” de forma a “regular o comércio de equipamento de policiamento e proteger o direito à manifestação pacífica”. Querem “proibir o fabrico e comércio de PICs”, que consideram ser “por natureza abusivos” e estabelecer “controlos comerciais que se fundamentem no respeito pelos direitos humanos” no caso de outros tipos destas armas.

Michael Crowley, investigador associado da Omega Research Foundation, explica que um tratado deste tipo “proibiria toda a produção e comércio de armas e de equipamento de natureza abusiva como os PICs, que são perigosos e imprecisos, balas de metal revestidas a borracha, e munições com múltiplos projéteis que têm provocado ferimentos graves, cegueira em muitos manifestantes pacíficos e mortes em todo o mundo”. E Patrick Wilcken, investigador da Amnistia Internacional para questões militares, de segurança e de policiamento, acrescenta que “os controlos globais juridicamente vinculativos sobre o fabrico e comércio de armas menos letais são urgentemente necessários”.

O meu olho explodiu”

Entre as consequências mais comuns do uso destas “armas menos letais” estão as lesões oculares, como ruturas do globo ocular, descolamentos de retina e perda total da visão, as fraturas ósseas e cranianas, lesões cerebrais, rutura de órgãos internos e hemorragias, corações e pulmões perfurados por costelas partidas, lesões nos órgãos genitais e traumas psicológicos, pode ler-se no documento, ilustrado ainda com mais casos para além do de Leidy.

O caso que dá o título ao relatório passou-se nos EUA. Um manifestante foi atingido no rosto em Minneapolis a 31 de maio de 2020 e contou à Amnistia Internacional: “O meu olho explodiu com o impacto da bala de borracha e o meu nariz deslocou-se para o lado do olho oposto. Na minha primeira noite no hospital, recolheram os pedaços do meu olho e coseram-no de novo. Depois, colocaram-me o nariz no lugar e reconstruíram-no. Agora, tenho uma prótese ocular no olho perdido, por isso só consigo ver do meu olho direito”.

O mapa dos abusos policiais contra manifestantes passa por países como Chile, Colômbia, Equador, França, Gaza, Guiné, Hong Kong, Irão, Iraque, Peru, Sudão, Tunísia e Venezuela. Mas a Europa não está de fora. Em Espanha, “a utilização dos PICs de borracha imprecisos e do tamanho de uma bola de ténis provocou, pelo menos, uma morte por traumatismo craniano e 24 lesões graves, onde constam 11 casos de lesões oculares severas, de acordo com o grupo de campanha Stop Balas de Goma. Em França, uma revisão médica de 21 pacientes com lesões faciais e oculares causadas por balas de borracha, concluiu existirem lesões graves, como fragmentação óssea, fraturas e ruturas que resultaram em posteriores casos de cegueira”.

Acrescenta-se ainda que “as normas nacionais sobre o uso destes projéteis raramente cumprem as exigências internacionais sobre o uso da força, que estipulam que a sua aplicação se limite apenas a situações de último recurso quando existem indivíduos violentos que representam uma ameaça iminente para outras pessoas” e que “as forças de segurança desrespeitam regularmente, e de forma impune, estes regulamentos”.

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