A barragem do Alqueva está atualmente a três metros da quota máxima, havendo a expectativa de que a mesma possa ser atingida este ano pela quinta vez. A edificação desta barragem foi um investimento controverso, devido aos seus impactos ambientais, paisagísticos, culturais e socioeconómicos. Concluída a albufeira, hoje, as discórdias e contestações centram-se essencialmente na gestão e no destino que é dado à água disponibilizada pelo maior investimento público que o país algum dia fez para este fim. Atualmente as águas do Alqueva abastecem 120 mil hectares de regadio, sendo que as culturas intensivas e superintensivas de olival representam 67%, cinco vezes mais área do que em 2012, segundo o anuário agrícola de 2020, publicado pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA). Em regime intensivo também a cultura do amendoal tem crescido rapidamente, representando 13% da área, dezasseis vezes mais do que em 2015, segundo a mesma fonte.
Muitas organizações ambientalistas têm vindo a manifestar-se contra a atual gestão das águas do Alqueva e contra a destruição de recursos naturais que os modelos de produção agrícola intensivos e superintensivos têm vindo a gerar ao longo dos anos. Mais recentemente, têm sido crescentes os protestos e os alertas lançados por muitos especialistas e académicos que vão no mesmo sentido, como foi o caso de um comunicado emitido em Julho de 2020 e publicado no Jornal Expresso, onde anunciavam que a coesão territorial do Alentejo estaria em risco.
No passado dia 17 de fevereiro, vários investigadores do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, o Ambiente e o Desenvolvimento, foram ouvidos na Comissão de Agricultura e Mar, após terem solicitado a esta comissão um pedido de audiência, acompanhado de um Parecer Técnico a respeito da política pública para o regadio e do Plano Nacional de Investimentos 2030.
Os investigadores Mário de Carvalho, Ricardo Serralheiro, António Chambel e Teresa Pinto Correia, da Universidade de Évora, apontam o dedo aos sucessivos governos pelo fraco empenho político no desenvolvimento do interior rural, destacando que o regadio não tem sido utilizado como instrumento de coesão. Salientaram que os investimentos públicos em regadio beneficiaram essencialmente os grandes proprietários, promoveram a concentração da terra e a captura de recursos por capital estrangeiro, com a aplicação de preços artificialmente baixos no acesso à água. Do ponto de vista agrícola, mais de 85% da área e das explorações agrícolas do Alentejo nada beneficiam com o investimento. Os sistemas agrosilvopastoris gerem a maior parte do território e as grandes obras de regadio da região não têm contribuído para a sustentação deste sistema. Referindo-se ao olival e amendoal intensivos e superintensivos, acrescentam que as recentes inovações tecnológicas aplicadas em explorações com grande dimensão física e económica, tiveram grandes resultados económicos no imediato, mas “com fundamentação técnica e com sustentabilidade ambiental pelo menos questionáveis”. “Contrariam procedimentos recomendáveis para a conservação do solo e da água, induzindo enormes e inúteis riscos de erosão”, promovem “usos abusivos de agroquímicos, poluindo a atmosfera, o solo e a água”, acrescido de transformações paisagísticas abusivas.
Os investigadores lamentam que o PNI2030 preveja investimentos escassos para os objetivos de coesão territorial a que se propõem e que não tenha qualquer cautela para que se evite a tendência de “instalação de agricultura de regadio de dimensão e características industriais” e a “concentração da riqueza criada num pequeno número de beneficiários”. Desta forma são colocados em risco “os objetivos de coesão territorial, de combate às alterações climáticas, de prioridade às pessoas e à inclusão social, à qualificação, à formação, ao emprego, para além das limitações à otimização do uso dos recursos naturais”.
O deputado bloquista Ricardo Vicente manifestou na mesma audição a concordância do partido com a crítica ao Programa Nacional de Investimentos 2030 e a respeito do regadio, referindo que “o desenvolvimento rural e a coesão nunca estiveram verdadeiramente no centro da política pública para o regadio nem para a agricultura em geral. Estamos agora à entrada de uma nova Política Agrícola Comum (PAC) e apesar de haver hoje mais margem do que nunca para a sua adaptação à realidade nacional, os sinais que vamos recebendo são de pouca abertura e diálogo do Governo nesse sentido”. Em declarações ao Esquerda.Net, o deputado relembra que o Bloco de Esquerda já apresentou várias propostas para travar a agricultura intensiva e promover a transição ecológica, informou que vai ser brevemente votada uma proposta de moratória à instalação destas culturas e que brevemente serão apresentadas novas propostas que vão de encontro às preocupações manifestadas pelos investigadores.