No Almoço Comício do Interior, que contou ainda com a atuação do grupo “Músicas da Raya”, de Paulo Meirinhos e Luis Antonio Pedraza, um projeto musical dedicado a interpretar e divulgar a música da raia, o esquecimento e o abandono a que tem sido sujeito o Interior do país trespassou por todas as intervenções dos cabeças de listas do Bloco dos cinco distritos.
José Miguel Lopes, cabeça de lista do Bloco por Viseu, explicou o que une todas estas candidaturas do Bloco no Interior do país: “Estamos aqui porque partilhamos a força, a coragem, a defesa de um compromisso democrático simultaneamente com quem vive do seu trabalho ou trabalhou toda uma vida, com o clima e o meio ambiente e com a igualdade plena, de género, perante a diversidade funcional, na sexualidade”.
“Estamos aqui porque a maioria absoluta da estabilidade caiu. A falta de soluções do PS para as tantas crises do momento, no custo de vida, na habitação, no SNS que deixaram definhar, é evidente. Da política de privilégio, ao serviço das grandes empresas, que é a política de direita, não precisamos de falar. Resta-nos um caminho - a esquerda de confiança, de esperança, e essa é a forca do Bloco de Esquerda”, continuou o candidato bloquista.
José Miguel Lopes falou sobre algumas das problemáticas locais, entre as quais a falta de médicos de família. Se, em setembro de 2021, existiam na Unidade Local de Saúde de Viseu Dão Lafões 5400 pessoas sem médicos de família, em janeiro de 2024 já eram mais de 20 000. O candidato deu ainda o exemplo das urgências sobrelotadas, agravada com o fecho do Serviço de Atendimento Permanente de Mangualde.
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No que concerne à habitação, ou à falta dela, José Miguel Lopes lembrou a escassez de camas em residências estudantis em Viseu e em Lamego: na capital de , de setembro de 2021 para setembro de 2023, diminuiu 53% e o preço aumentou 18%. Paralelamente, “as rendas e prestações subiram a níveis insustentáveis no distrito”, com os novos contratos a registarem um aumento de 54% no concelho de Viseu, entre 2018 e 2022. Acresce que 23 dos 24 concelhos do distrito têm taxas de habitação pública abaixo da média nacional de 2%, havendo cinco vezes mais casas vazias que casas públicas no concelho de Viseu.
O cabeça de lista do Bloco por Viseu destacou ainda a necessidade de “haver uma aposta séria em transportes públicos coletivos, nos e entre os municípios, com um passe regional”. “Concluir as obras no IP3 em perfil 2x2, requalificar tantas outras estradas, retirar as portagens das Ex-SCUT, a A24 e a A25, no distrito, estradas a quem fora prometida a gratuitidade e sem alternativas viáveis e seguras”, são outras das urgências enumeradas. “Mas a aposta central tem mesmo de ser na ferrovia, frisou José Miguel Lopes.
Na sua intervenção não foi também esquecida uma maior aposta serviços de ecossistema pela biodiversidade, pela defesa de pequenos produtores e agricultores, pela resiliência perante incêndios e perante a seca e no combate às monoculturas. Assim como “melhores políticas para a água, com preços justos e despoluição das bacias do Douro, Vouga e Mondego”.
Para o candidato bloquista, “tudo isto é defender o interior, tudo isto é coesão territorial - levar a mobilidade a sério, valorizar a escola pública, aumentar o investimento em cultura, transformar os cuidados, investir em saúde de proximidade, em habitação pública”.
“Desigualdades são provocadas por uma economia de privilégio”
Beatriz Realinho, que encabeça a candidatura do Bloco na Guarda, realçou que “as desigualdades no país são muitas, e são provocadas por uma economia de privilégio”.
“Não é possível construir políticas para o país esquecendo-se de uma grande parte do mesmo”, defendeu a candidata.
A esse respeito, Beatriz Realinho lembrou que, “ao longo dos últimos anos, temos sentido que os territórios de baixa densidade populacional continuam a ser vistos como territórios onde vale tudo: extrativismo, serviços públicos esquecidos ou em rutura, precariedade laboral, que levam à desertificação destas regiões”.
“Tudo isto se deve a uma política rentista que foi esvaziando o interior, reduzindo a qualidade de vida de quem aqui vive e quer viver”, acusou.
Beatriz Realinho defendeu que “são necessárias políticas que se comprometem a fixar verdadeiramente pessoas no interior e a valorizar o território”. E a candidata vincou que “o Bloco de Esquerda tem programa para tal”, seja no que respeita a uma mobilidade acessível que una comunidades, como à reabertura gradual de serviços que foram retirados destes territórios ou à garantia de igualdade no acesso a cuidados de saúde, nomeadamente no que respeita à interrupção voluntária da gravidez.
“Abandono do Interior reflete-se na falta de oportunidades”
Inês Antunes, cabeça de lista por Castelo Branco, assinalou que “a divisão entre litoral e interior é bem mais complexa e profunda do que a simples localização geográfica, é também uma questão de distribuição da atividade económica, social e cultural, que acaba por refletir-se em todas as áreas das nossas vidas”.
E se “a velha história da coesão territorial” se mantém, “não basta falar, é preciso contrariar verdadeiramente esta realidade”, vincou a candidata.
Apesar dos sucessivos planos de coesão territorial e desenvolvimento produzidos pelo governo, e dos sucessivos planos para reverter o despovoamento com estratégias de atração para pessoas e empresas, o paradigma tem continuado a agravar-se.
Inês Antunes alertou que “o abandono destas regiões reflete-se na falta de oportunidades de trabalho nos mais variados setores”, bem como no extrativismo, como é o caso da mina a céu aberto na Serra da Argemela, em detrimento do ambiente e dos interesses das populações, ou no insuficiente financiamento da Cultura e na instabilidade dos seus profissionais, “um elemento tão fundamental para a construção de uma sociedade”.
“Populistas encontram na angústia da desigualdade a tração para crescer”
Na sua intervenção, Vasco Valente Lopes, primeiro candidato por Vila real, homenageou a luta da população do Barroso contra as minas de lítio a céu aberto.
O cabeça de lista destacou que, também no interior, “há gente que é feita de sonhos como os que acabaram com a escravatura e derrubaram depois a monarquia”. “Gente que tem as mesmas convicções dos que lutaram contra o fascismo, que nos deram abril e a possibilidade de escolhermos, democraticamente, quem nos representa”, continuou.
Vasco Valente Lopes referiu que, no entanto, “vivemos tempos cada vez mais conturbados”, com a generalidade das pessoas “a viver com cada vez menos dinheiro enquanto a elite financeira o acumula desmesuradamente e o meio ambiente está cada vez mais negligenciado”.
“Os movimentos populistas encontram na angústia da desigualdade a tração para crescer, dividir as pessoas e, assim, enfraquecer a luta social e relegar a luta ambiental”, alertou.
“As comunidade, as pessoas e os recursos naturais foram transformados em ativos financeiros, e o Estado é uma espécie de bicho papão que a direita tenta emagrecer em tempos de vacas gordas, e ao qual se agarra que nem uma carraça em alturas de maior aperto.Os recursos e os lucros são privatizados. Os prejuízos, nacionalizados. E não devemos ter vergonha de o dizer, camaradas, isto é capitalismo”, vincou Vasco Valente Lopes.
Neste contexto, um voto no Bloco é, de acordo com o cabeça de lista, “um voto que desafia o privilégio de alguns, mas que garante a dignidade da maioria”, é “um voto na democracia, política e económica”, e também “um voto que afasta a direita do poder”.
“Uma política ativa de exploração e de esvaziamento”
Vítor Pimenta, cabeça de lista por Bragança, reforçou a ideia de que é premente reverter o “caminho para o abandono e esquecimento” a que tem sido sujeito o Interior.
“Nas últimas décadas, o interior do país, e particularmente o nordeste transmontano, tem sido submetido a uma política ativa de exploração e de esvaziamento”, lamentou.
O candidato detalhou que, ao mesmo tempo que “os serviços públicos têm sido encerrados e as linhas ferroviárias, eixos centrais na mobilidade num território vasto e acidentado, desativadas”, têm-se “erguido barragens sobre as paisagens e os modos de vida, privando as pessoas da sua terra, da sua água e da sua alma, forçando uma rutura quase irreversível com o seu passado e, sobretudo, com o seu futuro”.
Vítor Pimenta denunciou as “manobras de distração” de quem “destrói a paisagem do Vale do Tua, afundando a linha ferroviária que servia as populações” e deixa “por cumprir um Plano de Mobilidade já devidamente de financiado e entregue a um conhecido empresário do ramo do turismo”.
O cabeça de lista do Bloco por Bragança lembrou ainda como “grandes empresas como a EDP, se desdobram em malabarismos burocráticos, para fugir às suas obrigações fiscais e não pagar a compensação devida aos municípios e às populações do Vale do Douro, mais propriamente na Terra de Miranda”.
Vítor Pimenta fez também referência à “força viva e ancestral de uma terra de viveres e de língua próprios, a lhéngua Mirandesa”, e toda “a linguagem de relação com a natureza, um mundo transfronteiriço que é preciso valorizar e legitimar democraticamente”.
O candidato exigiu que “se repense e se recoloque, com urgência, na agenda política a regionalização de Portugal continental” e que seja criado “um mecanismo de compensação para os distritos do interior”.
“O interior não é nem pode ser só apenas lugar de extração de recursos, de votos e deputados convenientes e coniventes com os interesses de grandes grupos económicos”, vincou.