As alterações ao Código do Trabalho que entraram em vigor a 1 de maio incluíram a proposta feita pelo Bloco de Esquerda para que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) desenvolva, no primeiro ano de vigência da lei, "uma campanha extraordinária e específica de fiscalização deste setor, sobre a qual é elaborado um relatório a ser entregue à Assembleia da República".
Essa operação arrancou esta quarta-feira com uma ação inspetiva que envolveu 30 inspetores da ACT em Lisboa e Porto. "Esta ação inicia-se hoje, vai durar até final do ano" e vai "acompanhar aqui o que é a situação dos trabalhadores nas plataformas, o seu relacionamento", afirmou a inspetora-geral da ACT à agência Lusa.
"Temos aqui um instrumento legal forte que são novas normais legais no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, que dão outras ferramentas à Autoridade para as Condições do Trabalho para verificar do relacionamento e do vínculo laboral destes trabalhadores", prosseguiu Maria Fernanda Campos, que acompanhou o início das inspeções no parque das Nações, em Lisboa.
A operação desta quarta-feira incidiu sobre os estafetas "para podermos aqui verificar das responsabilidades reais" ou de "um vínculo que pode estar dissimulado, que pode não corresponder àquilo que de facto existe", salientou a inspetora-geral da ACT.
"Um passo inicial" e "muito importante", diz José Soeiro
Nas redes sociais, o deputado bloquista que acompanhou a negociação da Agenda do Trabalho Digno afirmou que o início das operações da ACT é "muito importante", mas ainda "apenas um passo inicial". José Soeiro prevê que "o processo passará ainda, com grande probabilidade, pelos tribunais, com as plataformas a mobilizar advogados empresariais pagos a peso de ouro, que usarão dos argumentos mais criativos para escapar à lei, e com decisões dependentes da conclusão dos juizes". Se o processo "produzir frutos reais, é uma mudança paradigmática no que à uberização diz respeito e é uma vitória contra o liberalismo mais agressivo, que passa, no campo laboral, pelo modelo das plataformas que põe os estafetas fora do direito do trabalho e das correspondentes proteções sociais".
"Se esta luta for ganha pelos estafetas, se a ACT aplicar a nova presunção e se os tribunais não a descartarem, este será um passo muito forte e de grande significado para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras", conclui José Soeiro.
Trabalhadores denunciam represálias das plataformas por reclamarem os seus direitos
A organização destes trabalhadores tem vindo a aumentar após a aprovação da lei, mas tem enfrentado a oposição das plataformas, que alteraram as regras de trabalho para tentarem contornar a proteção acrescida aos direitos dos estafetas. Uber, Glovo e Bolt mudaram as suas regras de forma a procurar contornar estas mudanças. Ao Expresso (link is external), Marcel Borges, porta-voz dos Estafetas em Luta, explicou que as alterações foram “cirúrgicas” de forma a “contornar o leque de indícios consagrados na nova lei”, resultando numa “degradação das condições de trabalho e dos rendimentos dos estafetas” com um corte de rendimentos “na ordem dos 40%”. Isto porque uma das medidas foi a redução de tarifas que “no caso da Glovo passaram de €0,42 para €0,24 por quilómetro”, exemplifica.
Alguns dos participantes nas ações de luta promovidas pelo grupo "Estafetas em Luta" foram "desativados" pelas plataformas, o que corresponde na prática a um despedimento sem justa causa. Um desses casos é o de um estafeta que trabalhou quatro anos para a Glovo e foi afastado após participar em ações reivindicativas. O caso segue na justiça e a primeira audiência é no dia 4 de julho no Juízo do Trabalho do Porto.