Plataformas procuram contornar lei que assegura direitos a trabalhadores

19 de maio 2023 - 14:26

As alterações ao Código de Trabalho implicam que as plataformas teriam que integrar estafetas e motoristas quando se comprovassem indícios de presunção de laboralidade. Antes de entrarem em vigor, Uber, Glovo e Bolt mudaram as regras. Os estafetas denunciam uma “degradação das condições de trabalho e dos rendimentos”.

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Estafetas em luta no Porto em março do ano passado. Foto de Maria Manuel Rola.
Estafetas em luta no Porto em março do ano passado. Foto de Maria Manuel Rola.

A 1 de maio, as alterações ao Código de Trabalho entravam em vigor no sentido de obrigar as plataformas de TVDE e distribuição a integrar os trabalhadores quando se comprovassem indícios de presunção de laboralidade como por exemplo a fixação da retribuição por parte da plataforma, o exercício do poder de direção e controlo, a restrição do horário de trabalho ou titularidade dos instrumentos de trabalho.

Só que Uber, Glovo e Bolt mudaram as suas regras de forma a procurar contornar estas mudanças. Ao Expresso, Marcel Borges, porta-voz dos Estafetas em Luta, explica que as alterações foram “cirúrgicas” de forma a “contornar o leque de indícios consagrados na nova lei”, resultando numa “degradação das condições de trabalho e dos rendimentos dos estafetas” com um corte de rendimentos “na ordem dos 40%”. Isto porque uma das medidas foi a redução de tarifas que “no caso da Glovo passaram de €0,42 para €0,24 por quilómetro”, exemplifica.

Este trabalhador dá conta que há estafetas “a procurar apoio jurídico para requerer o reconhecimento do seu vínculo à plataforma” mas teme-se que as alterações implementadas dificultem este caminho.

O semanário contactou estas empresas que contrapõem que há apenas novas funcionalidades para garantir “maior independência e controlo [dos estafetas e motoristas] sobre o seu trabalho”. E a associação dos patrões do setor, a Associação Portuguesa das Aplicações Digitais, diz que a mudança na lei “não significa uma reclassificação automática destes trabalhadores independentes”, sendo uma “ferramenta adicional para que, mediante os critérios definidos, um tribunal possa determinar se existe ou não uma relação laboral entre as partes envolvidas”.

Por seu turno, o Ministério do Trabalho avança que haverá “uma campanha extraordinária e específica de fiscalização neste sector, sobre a qual será elaborado um relatório a ser entregue à Assembleia da República”.

Uma das mudanças em causa é sobre os horários de trabalho. Antes, as plataformas obrigavam o estafeta a fazer um agendamento prévio do seu horário, controlando assim o seu horário. Agora esta prática deixou de existir. Para contornar a parte do controlo e supervisão, alterou-se outra coisa: os trabalhadores estavam sujeitos a um sistema de avaliação, que os penalizava quando recusavam ou cancelavam pedidos, isso também acabou. No que diz respeito à retribuição houve uma redução do preço por quilómetro, inventou-se um sistema que permite ao trabalhador estabelecer a tarifa mínima, tentando iludir o indicador de presunção de laboralidade sobre a fixação de retribuição, e criados “multiplicadores”, que implicam uma acréscimo de retribuição em situações climáticas adversas ou alturas de maior procura, o que supostamente reforçaria a autonomia dos trabalhadores para decidir quando trabalhariam.

Ainda assim, os juristas consideram que o fundamental da situação não se altera. Teresa Coelho Moreira, que fez parte da coordenação do Livro Verde para o Futuro do Trabalho, acredita que “mesmo com estas alterações, indícios como o controlo do trabalhador por geolocalização” continuam a ser prática e que “a própria plataforma é, simultaneamente, instrumento de trabalho e de controlo”. Outro advogado contactado pelo mesmo jornal, Pedro da Quitéria Faria, também pensa que “as mudanças introduzidas pelas plataformas não limitam a capacidade de prova”. Para ele, contudo, “a eficácia da lei dependerá em larga medida da capacidade inspetiva da ACT”.