“Queremos mostrar à população o que as plataformas digitais estão a fazer com os estafetas”

09 de maio 2023 - 21:09

Esta segunda-feira, os trabalhadores da Glovo promoveram uma paralisação nacional. Marcel Borges, dos Estafetas em Luta, explicou ao Esquerda.net quais as principais reivindicações e objetivos do protesto. Novas ações estão agendadas para 2 de junho.

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Foto do estafeta Luan Kaíque, da União Nacional Estafetas Glovo – Lisboa.

Mais de 600 estafetas juntaram-se recentemente num grupo de Whatsapp para partilhar experiências, falar sobre as lutas que travam e as que se avizinham, concertar forças. Foi neste espaço que se começou a desenhar a paralisação nacional desta segunda-feira, dia 8, que teve repercussões em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Braga, Sintra, Figueira Da Foz, Castelo Branco, Évora, Cascais, Setúbal, Guimarães, Almada e Chaves, entre outras.

“Ontem fizemos um protesto especificamente contra a Glovo, ainda que estafetas de outras plataformas também tenham aderido” à iniciativa, avançou Marcel Borges em declarações ao Esquerda.net.

A paralisação nacional teve “maior repercussão em Lisboa”, com mais de 80 estafetas a participarem na concentração no Terreiro do Paço e, posteriormente, na marcha lenta, de mota, que percorreu alguns Mcdonald’s da cidade.

No Porto, inúmeros estafetas concentraram-se junto ao Mcdonald’s dos Aliados para impedir a recolha de pedidos.

Glovo tentou boicotar protesto

A Glovo não se coibiu de tentar travar o protesto: “Quando eles se aperceberam que existiam estafetas concentrados num Mcdonald’s desligaram temporariamente o tablet [desse estabelecimento] para evitar que contactássemos com outros estafetas e que eles aderissem ao protesto”, denunciou Marcel.

Mas o estafeta sublinhou que, pelo menos, um dos objetivos foi bem conseguido: “Chamou a atenção das pessoas, que ficavam a filmar, a tirar fotos”.

“O cliente, ao ver o estafeta a trabalhar, acha que está tudo bem, parece que a relação entre o estafeta e a plataforma é maravilhosa. Mas, quando fazemos um protesto, as pessoas questionam-se e tentam perceber o que está a acontecer”, referiu Marcel.

E isso é “muito importante, porque queremos mostrar à população quem são as plataformas digitais o que elas estão a fazer connosco”, continuou.

Multiplicador: “uma forma que eles arranjaram para enganar os estafetas”

De acordo com o estafeta, o reajustamento das tarifas e a extinção dos “falsos multiplicadores”, bem como a existência de um espaço físico para receber os trabalhadores, figuram entre as principais reivindicações do movimento, que tem vindo a ser impulsionado, essencialmente, pelos grupos “Estafetas em Luta” e “Todos Glovos juntos na mesma missão”.

O fator multiplicador, segundo nos explicou Marcel, é, basicamente, “uma forma que eles arranjaram para enganar os estafetas”, na medida em que “esses multiplicadores não têm o mesmo rendimento positivo para o estafeta do que um reajustamento da tarifa ao quilómetro”, que é o que reivindica a União Nacional Estafetas Glovo – Portugal, nome que foi dado ao movimento.

A introdução do fator multiplicador, um modelo de retribuição que prevê a existência de uma variável que permite ao estafeta decidir se quer cobrar mais ou menos por um pedido, também foi, aliás, alvo de intensa contestação no país vizinho. Os estafetas da Glovo de Barcelona promoveram inúmeros protestos no ano passado, denunciando que a plataforma os obrigava desta forma “a competir e a cobrar menos".

Sobre a existência de um espaço físico onde os trabalhadores possam resolver os problemas com que se confrontam, Marcel considera que esta reivindicação também é fundamental. “Quem tem, por exemplo, a sua conta bloqueada hoje não tem a quem recorrer”, detalhou o estafeta.

Relativamente à postura da Glovo até ao momento, Marcel apontou que esta tem sido de “diálogo zero”, com a plataforma digital a ignorar as reivindicações dos estafetas.

A única mudança relevante diz respeito à implementação do free login, que se traduz na possibilidade de trabalhar sem ter de marcar horas. “Antigamente era preciso marcar horas para trabalhar. Ou seja, se eu quisesse trabalhar hoje à tarde, teria que entrar no sistema de manhã e reservar horas para poder trabalhar. Se eu não reservasse horas, não teria horários disponíveis”, explicou o estafeta.

Mas as intenções da Glovo ao introduzir, na semana passada, esta medida é clara: “Eles implementaram o free login com o objetivo de se tentarem desresponsabilizar. Tinham medo que os estafetas avançassem para tribunal para exigir um contrato”, assinalou Marcel.

O representante dos “Estafetas em Luta” deixou uma certeza: a luta dos trabalhadores das plataformas digitais não ficará por aqui, e “o apoio da população é fundamental”.

Para 2 de junho estão já agendadas, pelo menos, duas concentrações, ambas com início às 10h: em Lisboa, na estação do Terreiro do Paço, e no Porto, na Rua Gonçalo Cristóvão 242.