8 de Março: “Lenços verdes pelo aborto seguro de acesso universal e gratuito”

08 de março 2024 - 10:05

Catarina Ramalho e Manuela Tavares alertam para os entraves no acesso ao aborto e assinalam como, nesta reta final de campanha, o 8 de Março se revela o que sempre foi: um dia de luta.

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Nesta reta final de campanha, o 8 de Março revela-se o que sempre foi: um dia de luta; um dia em que as feministas ocupam as ruas e se sobrepõem às vozes conservadoras da direita portuguesa. Este ano, A Coletiva sairá à rua com lenços verdes pelo aborto seguro de acesso universal e gratuito, construindo sobre uma luta histórica de décadas que consagrou na lei um direito fundamental.

Ao dia de hoje, abortar em Portugal traduz-se num percurso labiríntico porque as unidades de saúde preparadas para a prática não a fazem. A objeção de consciência, gerida caso a caso, tornou-se um boicote moral ao cumprimento da lei e um obstáculo ao planeamento para que o acesso ao aborto esteja garantido em todo o território nacional - se, hoje, conseguimos identificar hospitais objetores de consciência, o Estado está a falhar. 

A Coletiva realizou uma recolha de experiências de pessoas grávidas que acederam ao serviço de interrupção voluntária da gravidez. Partilhamos alguns dos testemunhos que nos chegaram e que nos revelam como é abortar em Portugal:

“A experiência na clínica foi horrível, obrigaram-me a ouvir os batimentos cardíacos do feto, mesmo depois de eu estar claramente a me sentir incomodada com a situação (estava a chorar). Após esta consulta e confirmarem o número de semanas, pediram para escolher qual o método que pretendia. Na véspera de iniciar o procedimento, contactaram-me a informar que a unidade iria ser encerrada naquele hospital e que o meu processo seria transferido para uma clínica privada em Lisboa.”

“A médica era objetora de consciência mas lá me mandou para a Estefânia. Obtive um agendamento, mas nesse dia antes de ir para a Estefânia tinha de ir fazer uma eco a um centro privado para determinar o tempo de gestação. (...) O médico percebeu que eu estava de umas 15 semanas. Comigo lavada em lágrimas, obrigou-me a ouvir o batimento cardíaco, dizendo-me que ia ser um rapagão jogador da bola, com tantos pontapés que dava. Eu gritava-lhe que parasse, que não queria ouvir, ele insistia que ia ser um rapagão.”

Sabendo que a lei não está a ser cumprida e que centenas de mulheres se deparam com as violências das barreiras morais e dos reencaminhamentos sucessivos, sublinhamos, também, que saímos à rua pela alteração do enquadramento legal, nomeadamente no que concerne ao alargamento do período gestacional para as 12 semanas, o que reduziria os ainda existentes contextos de clandestinidade, mas também, seguindo as recomendações da OMS, pelo fim do período de reflexão obrigatório e da intervenção de dois médicos\as para a realização da prática. 

Durante esta campanha, sopraram ventos conservadores que recordaram com nostalgia tempos em que as mulheres e pessoas grávidas eram empurradas para o aborto clandestino. Recusamos regressar ao debate inicial porque todo o país sabe que se tornou mais democrático a 11 de Fevereiro de 2007, com a vitória do “Sim” no referendo, mas responderemos com firmeza ao sermos muitas a marcar presença no 8 de Março, por uma lei mais adequada, pelos direitos sexuais e reprodutivos, pelo direito à escolha, por um país mais democrático.

Catarina Valente Ramalho, Membro do coletivo feminista A Coletiva

Promessas leva-as o vento… e quanto mais à direita pior!

Quem ouviu as recentes promessas da AD e do Chega de que não iriam fazer novo referendo sobre o aborto, não pode acreditar!

Paulo Núncio, Vice-Presidente do CDS e membro da AD defendeu políticas próvida, ao lado de Isilda Pegado. Quem teve acesos debates com esta senhora da Federação da Vida, entendeu bem o perigo que advêm das suas palavras e da convicção com que as diz. O aborto é um crime e ponto final! A autodeterminação das mulheres para decidir sobre a sua vida sexual e reprodutiva não existe! As mulheres que abortam são criminosas!

Esses anos - 33 anos, desde que em 1974 o MLM (Movimento de Libertação das Mulheres) levantou a bandeira da legalização do aborto – até à vitória do SIM no referendo de 2007, mostram a dureza desta luta, que envolveu feministas em aliança com a APF, com partidos de esquerda, com as/os profissionais de saúde, com católicas progressistas, com muitos/as jovens que aderiram às campanhas pelo SIM com grande entusiasmo

Aproveito para homenagear duas mulheres que já não estão entre nós: a médica Helena Lopes da Silva e a católica Ana Vicente, que se envolveram na luta pela despenalização do aborto com grande dedicação.

Quando em 1977, a UMAR (criada em 1976) toma posição pública sobre a despenalização do aborto, lembro-me de andar a recolher apoios para a Petição Pública de 5 mil assinaturas, que foi entregue na Assembleia da República a 8 de março desse ano. A maior adesão surgia das mulheres de setores populares e não tanto de colegas minhas na escola. Quando iam abortar, as mulheres do meu bairro, na clandestinidade claro, ficavam sem um mês de salário e por vezes com a saúde arruinada! Durante anos e anos, os setores ultraconservadores e mesmo os considerados mais moderados ignoraram o sofrimento destas mulheres, como se não fossem cidadãs e não tivessem direitos. Para eles/elas continuavam a ser criminosas!

A partir da formação da CNAC – Campanha Nacional pelo Aborto e Contraceção – em Abril de 1979 e dos julgamentos da jornalista Maria Antónia Palla e da jovem alentejana Conceição Massano, a luta alargou-se. A campanha de solidariedade para com elas transformou-se numa onda reivindicativa que levou partidos de esquerda a entregarem na Assembleia da República projetos de lei pela despenalização do aborto, que não foram aprovados. O mesmo aconteceu na década de 1990, onde o célebre acordo entre António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa nos leva ao 1ª referendo. Perdemos, mas não desistimos! Foi preciso reanimar o movimento, fazer muitos debates, muitos confrontos com a Direita, recolher assinaturas para um novo referendo. Foi preciso criar solidariedades com as mulheres julgadas por aborto.

E, em 2007, os abraços, sorrisos e algumas lágrimas de alegria nos rostos queriam dizer que “valeu a pena”. Os feminismos ficaram mais fortes. o SIM venceu e as mulheres puderam ter, pela primeira vez, o direito a interromper a gravidez no SNS até às 10 semanas.

Ao fim de dezassete anos, avaliamos como muito positivo o caminho percorrido. Contudo, na aplicação da lei apenas 13% das/os Obstetras do SNS e apenas 29 dos 42 hospitais do SNS acreditados praticam Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), originando que cerca de 1/3 das IVG sejam praticadas em Hospitais e Clínicas Privadas. Na aplicação da lei resulta um conjunto de procedimentos que impedem que muitas mulheres consigam interromper a gravidez no prazo estipulado.

Por isso, é fundamental:

- investir na formação científica e técnica, na sensibilização de profissionais de saúde nas áreas da Saúde Sexual e Reprodutiva;

- alargar a prática de interrupção medicamentosa da gravidez aos centros de saúde;

- regulamentar a objeção de consciência de modo a saber-se a disponibilidade de cada unidade de saúde para a prática da IVG, com contratação de médicas/os para que a lei se cumpra;

- eliminar o período de reflexão, exceto a pedido das mulheres;

- alargar para 12 semanas o prazo para interromper a gravidez, tal como aconselha a OMS (Organização Mundial de Saúde).

Tudo vai depender da correlação de forças na Assembleia da República, a partir do dia 10 de março.

Confiança para que as esquerdas tenham maioria no Parlamento.

Para já, o Bloco pode ser, como sempre tem acontecido, uma força de confiança para as mulheres e os seus direitos.

Manuela Tavares, Ativista Feminista e dirigente da UMAR