Por uma Academia de Iguais

Texto de Teresa Summavielle de apoio ao debate “Transformar a academia”, que terá lugar no Fórum Socialismo 2019, no domingo, 1 de setembro, às 11h45, no Porto.

30 de agosto 2019 - 10:23
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Fotografia de Paulete Matos

O percurso da Ciência em Portugal ao longo das últimas duas décadas logrou colocar Portugal no mapa da ciência europeia. Este percurso, reconhecido por todos e explicitado no relatório produzido pela OCDE, carece agora de reconhecimento e valorização do corpo de investigadores que são a pedra basilar da Ciência em Portugal.

A precariedade no emprego científico é atualmente uma questão central. Os programas de apoio ao emprego científico sucedem-se, sem serem nunca capazes de por termo à precariedade. A Academia é atualmente uma campeã na promoção da precariedade, ostentando nas suas fileiras maratonistas de longo curso. Bolseiros, pós-doutorandos, investigadores Ciência, investigadores FCT, docentes convidados, docentes a tempo parcial, docentes disto e daquilo... são algumas das muitas categorias de trabalhadores da Academia que vão sendo arrastados na estrada tortuosa dum emprego precário, num claro desrespeito por qualquer das vigentes Leis do Trabalho. Simultaneamente, os quadros desta mesma Academia estão, de acordo com dados da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, profundamente envelhecidos. Depois de mais duma década sem uma política de contratação clara, só muito recentemente voltámos a ter concursos para docentes de carreira (e muito pontualmente para investigadores de carreira). A maioria destes concursos está, no entanto, contaminada à partida por velhas praticas de clientelismo e endogamia, pervertendo com frequência resultados e contratações, e depauperando lentamente a qualidade dos quadros Académicos.

Neste infeliz cenário, os trabalhadores científicos são ainda assim encorajados a acreditar que estão numa meritocracia; e se falham, falham por falta de competência ou qualidade... quando na verdade o mérito é sistematicamente manipulado pelos que detém o controlo do sistema, impondo aos que estão à porta uma precariedade que eles mesmos nunca conheceram. Este sistema tem sido potenciado pelo que RJIES que contrariante àquela que foi a intenção inicial da sua aplicação, tem vindo a ser usado para transformar a Academia num sistema pouco democrático, pouco inclusivo e esvaziado de pluralidade.

A aplicação das políticas de emprego científico preconizadas pela última sessão legislativa culminará (não se sabe quando!) na contratação de cerca de 5000 investigadores e docentes, quase todos eles fora das respetivas carreiras e como tal essencialmente precários. A enorme maioria destes contratos não resultam de concursos abertos, gerando um enorme desconforto dentro da comunidade académica pelas inúmeras injustiças que dai têm vindo a resultar. Ao abrigo do PREVPAP foram submetidos 1558 requerimentos por docentes e 1630 por investigadores. A regularização não deve atingir os 10%...Como resultado desta politica desastrosa, hoje há novamente um elevado número de trabalhadores altamente qualificados dispostos a abandonar Portugal.

Recordo aqui as palavras da Profª Maria de Sousa ao receber o Prémio Universidade de Lisboa em Novembros de 2017: “Qualquer Português medianamente inteligente terá vergonha de perder os seus melhores Cientistas”.

A Academia precisa de remodelação profunda, que deve começar pela revisão do RJIES. Queremos readequar os quadros das diversas instituições a uma nova realidade de docentes e investigadores, travando o envelhecimento da Academia e rejeitando praticas de clientelismo e autoritarismo. Queremos uma Academia capaz de valorizar pessoas, promovendo a estabilidade, o mérito, e a equidade. Queremos uma Academia inclusiva, numa sociedade de iguais, em que a autonomia é garantida pelo financiamento público.

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