Quatro cenários para o pós-votação do Brexit

09 de dezembro 2018 - 18:15

O acordo final de saída do Reino Unido da União Europeia é votado esta terça-feira na Câmara dos Comuns. Será chumbado ou aprovado? E o que acontece a seguir? Louise Thompson explica tudo neste artigo.

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Theresa May em setembro, durante a comunicação ao país sobre o andamento das negociações do Brexit. Foto do Governo britânico/Flickr

Os deputados britânicos começaram o debate sobre o último acordo de saída do Brexit nas vésperas da “votação significativa” marcada para o final do dia 11 de dezembro. Esta é a única certeza que temos. Há vários cenários que podem acontecer a seguir ao voto e apresentamos aqui alguns deles.

1. Deputados votam a favor do acordo

Este é provavelmente o desenlace mais fácil no que toca a avançar com o Brexit, mas o mais difícil de atingir, dado o elevado número de deputados conservadores que já declararam o seu voto contra o acordo. Um voto a favor daria à primeira-ministra o poder de dizer à UE que o acordo foi ratificado no parlamento.

Mas o governo ainda precisaria de ver aprovado um grande volume de legislação à medida que o processo do Brexit avance. Teria início com a Lei (Acordo de Saída) da UE — um diploma legislativo que os serviços da Câmara dos Comuns julgam poder ter lugar antes do Natal.

No caso de isso não acontecer (o que parece cada vez mais provável), o futuro torna-se confuso. Isso porque tudo depende se os deputados votam a favor de qualquer uma das emendas à proposta no dia 11 de dezembro. Aqui, os resultados possíveis seriam:

2. Deputados votam contra o acordo mas a favor das emendas

O presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, pode escolher até seis emendas para serem discutidas juntamente com a lei proposta e irem a votos no plenário. Neste caso, as emendas propostas incluem a da deputada trabalhista Hilary Benn para rejeitar tanto o Brexit como o cenário de não-acordo, numa tentativa de aumentar o poder dos deputados para procurarem uma alternativa. O Partido Trabalhista e os nacionalistas escoceses do SNP já declararam apoio a esta emenda. Outras emendas propõem adiar o fim do prazo do Artigo 50 para dar mais tempo à decisão sobre o que fazer.

Se os deputados votarem contra a proposta principal sobre o acordo, o governo fará uma declaração à Câmara dos Comuns nos 21 dias seguintes, delineando os seus planos para avançar, tal como previsto na Lei de Saída da UE 2018. Isso levar-nos-ia até 1 de janeiro de 2019. O parlamento teria então uma semana para debater o conteúdo dessa declaração, antes de uma nova ronda de declarações ministeriais com o ponto da situação por volta de 21 de janeiro.

Este gráfico feito pelo parlamento mostra como é que tudo isto se processaria.

Cronologia do Brexit no parlamento britânico

 

Se os deputados votarem a favor de qualquer uma das emendas à proposta a 11 de dezembro, irão assim deixar a primeira-ministra de mãos atadas e obrigá-la a aceitar as exigências do parlamento. Isso poderia assumir a forma de um segundo referendo, para o qual há agora um apoio considerável por entre as bancadas da oposição.

A emenda proposta pelo deputado conservador Dominic Grieve e apoiada por deputados de outras bancadas, que foi aprovada na passada terça-feira antes do início do debate, significa que o parlamento poderá apresentar emendas a quaisquer propostas que o governo apresente também após o período dos 21 dias, abrindo caminho a escolhas alternativas. Numa entrevista dada há uns dias ao programa Today, a primeira-ministra sugeriu que os deputados poderão ter uma palavra a dizer sobre os detalhes da cláusula de salvaguarda sobre a fronteira da Irlanda do Norte.

O parlamento pode ser chamado a votar outra vez o acordo. Isso mesmo foi confirmado pelo Secretário da Câmara dos Comuns David Natzler num depoimento à comissão parlamentar sobre o Brexit há um mês. Nessa ocasião, ele disse tratar-se de uma “situação hipotética” mas confirmou que haveria formas de o fazer, uma vez que os procedimentos da Câmara não serão um entrave ao processo.

3. Deputados apresentam uma moção de censura ao governo

Keir Starmer, o porta-voz dos trabalhistas para o Brexit, afirmou que o partido iria “inevitavelmente” apresentar uma moção de censura se a primeira-ministra perder a votação de 11 de dezembro. Os deputados teriam de votar numa moção expressamente redigida, segundo o regimento parlamentar, dizendo que “esta Câmara não tem confiança no governo de Sua Majestade”.

Se os deputados votarem a favor desta moção, isso desencadearia um período de duas semanas em que poderá ser formado um novo governo. Apenas se isso falhar é que podem ser convocadas eleições. Os deputados podem não estar interessados em eleições, sobretudo com o cronómetro do Brexit em marcha. Por outro lado, se a primeira-ministra sobreviver a uma moção de censura, aumentaria a pressão sobre os deputados conservadores para a apoiarem no acordo do Brexit.

Há também a possibilidade remota de ser a própria primeira-ministra a pedir à Câmara dos Comuns a realização de eleições antecipadas, mas isso necessitaria de uma supermaioria de dois terços dos deputados a votarem a favor.

O que torna isto ainda mais complicado é o facto de o calendário parlamentar formal para o Brexit correr em paralelo ao calendário político-partidário. Por isso, a par das diversas escolhas legislativas, também há a possibilidade de Theresa May ser desafiada na liderança pelo seu próprio partido.

4. Theresa May demite-se da liderança do partido

Se perder a votação sobre o acordo final, May pode demitir-se, abrindo caminho à eleição para a liderança do Partido Conservador. Para já, tudo parece possível, mas dada a sua declaração categórica no mês passado de que acredita com a sua cabeça e o seu coração que “esta é a decisão que serve o interesse de todo o nosso Reino Unido”, isso parece improvável.

Enquanto o partido só demorou 17 dias a decidir-se por May como a próxima líder, quando David Cameron se demitiu, normalmente o processo de sucessão demora muito mais tempo. A campanha para essa eleição iria arrastar-se provavelmente ao longo de janeiro. E com a última sondagem interna a dar uma clara vantagem a Boris Johnson como favorito a conquistar a liderança, os deputados têm uma boa desculpa para acharem que, por enquanto, estão mais seguros ao lado de May.


Louise Thompson é professora de Política Britânica na Universidade de Manchester. Artigo publicado no portal The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net