Legalização do uso terapêutico da canábis com votação adiada

11 de janeiro 2018 - 17:34

As propostas do Bloco de Esquerda e do PAN serão votadas até meados de março, após debate na especialidade em comissão. A possibilidade do autocultivo pelos doentes foi criticada pelas bancadas da direita e do PCP.

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Foto medcannaman/Flickr

O debate sobre a legalização da canábis medicinal ficou marcado pela oposição das bancadas do PCP, PSD e CDS às propostas de lei apresentadas pelo Bloco de Esquerda e PAN. Os três partidos criticaram a possibilidade incluída nas propostas da legalização do autocultivo, como já acontece em muitos países que legalizaram o uso terapêutico da planta.

Ante a inexistência de uma maioria que permitisse aprovar os projetos de lei em debate, e dada a abertura dos partidos proponentes a alterações aos seus projetos, todas as bancadas aceitaram que eles baixassem sem votação à comissão, para que possa ser alterado na especialidade e possivelmente aprovado nos próximos meses. A decisão de adiar a votação das propostas permitirá ainda ao PSD apresentar uma iniciativa própria no sentido da legalização do uso terapêutico, excluindo a possibilidade do autocultivo da canábis por parte dos doentes a quem a planta é prescrita.

“Todos os grupos, de uma forma ou outra, reconheceram os benefícios do uso terapêutico, mas as reservas que aqui trouxeram impediriam a sua aprovação”, reconheceu a deputada Mariana Mortágua. “O debate público que acompanhou esta proposta foi muito importante e no período da especialidade poderemos ouvir mais especialistas e ultrapassar muitas das reservas que aqui foram apresentadas”, acrescentou a deputada bloquista, concluindo que “o país precisa de boas leis, que respeitem as evidências científicas e acompanhem as boas práticas internacionais que já existem”.

Moisés Ferreira: “Legalização da canábis para fins medicinais é uma questão de saúde”

Na apresentação do projeto de lei do Bloco, o deputado Moisés Ferreira lembrou que o uso terapêutico da canábis já está legalizado em países como a Itália, a Holanda, a República Checa, a Alemanha, o Canadá, entre outros.


Ouça o podcast Quatro e Vinte, com a atualidade quinzenal sobre a legalização da canábis no mundo.

“Estranho seria não legalizarmos a canábis para fins medicinais; estranho seria continuarmos a adiar uma decisão sensata; estranha seria continuarmos a estudar o que está estudado e, dessa forma, protelarmos a entrada em vigor de uma medida ajudará doentes oncológicos, doentes em tratamento de VIH/Sida, doentes com dor crónica…”, prosseguiu.

“Se Portugal já autoriza a produção para exportação, porque não autorizar a prescrição por parte dos médicos?”, questionou Moisés Ferreira, lembrando as declarações de apoio à medida por parte do ex-presidente do Infarmed, José Aranda da Silva, do diretor do Sicad, João Goulão, da Ordem dos Médicos e do ex-presidente Jorge Sampaio.

“A proposta do Bloco de Esquerda vai de encontro à necessidade de muitos doentes como o caso do Pedro Alves Andrade, paraplégico, que necessita desta substância para controlar os espasmos e diminuir a rigidez muscular. Como a prescrição não existe, das duas uma: ou é privado deste tratamento, ou é empurrado para o mercado negro”, concluiu.

O deputado do PAN também apresentou a proposta do seu partido pela legalização da canábis medicinal, considerando “hipócrita permitir o cultivo para exportação e negar a prescrição a doentes”. André Silva afirmou que já é altura de “colocar ao serviço das pessoas doentes os inúmeros benefícios medicinais desta planta”.

PCP e direita unidos nas críticas às propostas de legalização com autocultivo

A deputada do PCP, Carla Cruz, acusou os projetos de lei em debate de abrirem a porta à legalização do uso recreativo, acrescentando já é legal prescrever medicamentos à base de canábis em Portugal. Apesar disso, o PCP apresentou um projeto de resolução para conhecer estudos científicos sobre os benefícios da planta, que recolheu votos favoráveis dos Verdes e do CDS.

Das bancadas do PSD e do CDS vieram elogios à posição do PCP, cujo projeto de resolução acompanharam. Pelo PSD, o deputado Cristóvão Simão Ribeiro afirmou que a sua bancada é favorável à utilização da canábis para fins terapêuticos, mas não “desta forma desregulada e perigosa”. As críticas centraram-se também sobre o autocultivo e à ausência de penalização “a quem faça autocultivo e ceda a planta a terceiros”.

Também Isabel Galriça Neto, do CDS, interveio para afastar a evidência científica reunida ao longo das últimas décadas em todo o mundo sobre a aplicação terapêutica da canábis. Para a deputada, “a evidência científica não aponta com rigor que a canábis seja uma mais-valia”. “Não é sério criar em torno do tema uma pretensa premência social que não existe”, acrescentou a deputada, menorizando os apelos feitos por parte de doentes e médicos nas últimas semanas para que possam ter acesso legal à canábis.

Por seu lado, a deputada Heloísa Apolónia, dos Verdes, não teve dúvidas de que “está comprovado o efeito terapêutico” da canábis e prometeu viabilizar as iniciativas para que sejam debatidas na especialidade, criticando no entanto a possibilidade do autocultivo.  

Pela bancada do PS, a deputada Maria Antónia Almeida Santos felicitou os grupos parlamentares “por trazerem a oportunidade Portugal se juntar ao vasto número de países que já regulamentaram o uso terapêutico desta substância” e sublinhou que os benefícios da canábis fiscalizada e  regulamentada “estão comprovados por mais de dez mil estudos”. “Não devemos temer e fechar a porta a esta possibilidade”, defendeu a deputada socialista, lembrando que “hoje existem em Portugal várias pessoas que sofrem e estão à espera desta legalização. É uma questão de ciência e de humanidade”.

Na resposta às críticas da direita e do PCP, Moisés Ferreira reafirmou que o projeto em debate “é sobre fins medicinais”. “Se quiséssemos apresentar um projeto para legalizar sobre fins recreativos, tínhamos feito isso, como já fizemos no passado”, recordou o deputado bloquista.

“Há dezenas de milhares de doentes à espera disto em Portugal e querem adiar isto para o futuro com falsos pretextos que nada têm a ver com a proposta aqui apresentada”, criticou Moisés Ferreira, sublinhando que o Bloco está aberto a discutir com as restantes bancadas os detalhes da iniciativa na especialidade.