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"Sou um lançador de alerta e fiz o que tinha a fazer”, diz Rui Pinto nas vésperas do julgamento

Em entrevista à Der Spiegel, o autor da revelação os escândalos “Football Leaks” e “Luanda Leaks” diz que espera ser absolvido e considera “repugnante” que Portugal se tenha tornado “a lavandaria das elites angolanas”.
Rui Pinto
Rui Pinto na entrevista à Der Spiegel.

A viver nos arredores de Lisboa sob proteção policial, Rui Pinto conta os dias para o início do seu julgamento na próxima semana. “Estou cá para lutar e para mostrar a todos que sou um lançador de alerta [whistleblower] e fiz o que tinha que fazer”, afirmou em entrevista à revista alemã Der Spiegel, citada pelo Expresso.

O autor da revelação dos “Football Leaks”, que deram origem a vários condenações por fraude fiscal de figuras de topo do futebol mundial como os portugueses Cristiano Ronaldo e José Mourinho, mas também serviram para expor outras ilegalidades ligadas ao financiamento dos maiores clubes de futebol europeu e aos mecanismos da FIFA, diz-se tranquilo a poucos dias de começar a responder no processo que o acusa de 90 crimes, incluindo pirataria informática, violação de correspondência e tentativa de extorsão.

Rui Pinto esteve cerca de um ano na prisão, primeiro em Budapeste, onde diz ter sido vítima de “tortura psicológica” e depois em Lisboa, em regime de isolamento, o qual “deixa sempre algum tipo de marcas”, afirmou. “Lembro-me que depois de deixar o isolamento por vezes tinha problemas em concentrar-me, porque depois daqueles meses todos abria-se uma grande porta à minha frente e tinha muitas pessoas diferentes à minha volta e era difícil concentrar-me, porque tinha estado fechado tanto tempo”, recorda à Der Spiegel, sublinhando no entanto a “relação espetacular” que manteve com os guardas prisionais e o respeito que sentiu da parte deles em relação à sua motivação. "Creio que todos os cidadãos portugueses sentem a realidade de estarmos sufocados pela corrupção. Ninguém pode esperar um futuro simpático para si ou para a sua família. E eles estão num setor onde o governo costuma fazer muitos cortes", explicou.

Consciente de que a sua vida está “em risco” por ter denunciado os negócios sujos de interesses poderosos - quando foi preso afirmou que os documentos na sua posse e agora disponibilizados à Polícia Judiciária sobre as ilhas Caimão “têm o mesmo potencial dos Panama Papers” - Rui Pinto referiu-se ainda aos documentos do “Luanda Leaks”. 

Foi o anúncio de que estava por detrás da revelação dos negócios de Isabel dos Santos que contribuiu para a mudança de atitude da polícia portuguesa em relação à sua situação, dando origem ao acordo de colaboração e o fim do regime prisional. “É repugnante Portugal ter-se tornado a lavandaria das elites angolanas”, justifica.

Quando o julgamento começar, o lançador de alerta espera ser absolvido da acusação mais grave do processo, a de tentativa de extorsão ao fundo Doyen, que não chegou a concretizar. Rui Pinto terá contactado Nélio Lucas, diretor e testa de ferro dos verdadeiros donos do fundo, os irmãos Arif, próximos da oligarquia mineira do Cazaquistão. Queria saber quanto estaria a Doyen disposta a pagar para que deixasse de revelar informações sobre os seus negócios. Lucas denunciou-o à Judiciária, que em seguida vigiou um encontro entre o diretor da Doyen e um advogado de Rui Pinto para discutirem os detalhes de um possível acordo. Rui Pinto viria em seguida a recuar e nenhum dinheiro foi pago. “Lamento em particular ter tido este contacto com Nélio Lucas. Era ingénuo nessa altura. E estou contente por ter recuado a tempo”, afirma agora à Der Spiegel, dizendo-se “absolutamente seguro” de conseguirá provar em tribunal que não fez nenhuma extorsão.

“Quero ser absolvido”, insiste, acusando a procuradora do processo de desvalorizar as provas da ausência do crime: “As provas mostram-o claramente. Mas a procuradora não quis olhar para elas. Ela preferiu enterrar as partes da prova que me ilibavam das acusações de extorsão”.

Para a sua defesa no julgamento, Rui Pinto indicou como testemunhas abonatórias Edward Snowden, o lançador de alerta mais conhecido no mundo e atualmente exilado na Rússia, entre outras figuras do mundo do desporto e da política nacional. Entretanto, diz-se mais desligado da atualidade do mundo do futebol e mais interessado em investigação aos crimes de corrupção e evasão fiscal.

“O futebol são os adeptos, esse é o ambiente verdadeiro”, ao contrário “deste ambiente de plástico onde o dinheiro domina tudo”, afirmou à Der Spiegel enquanto decorria a final da Liga dos Campeões em Lisboa que opôs Bayern de Munique e Paris Saint Germain. Curiosamente, duas equipas financiadas por um dos alvos das suas denúncias: o emirado do Qatar, que as patrocina através da sua companhia aérea.

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