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Portugal é o "bom aluno" de que escola?

No mais recente relatório publicado sobre o cenário macroeconómico da zona euro, o Banco Central Europeu analisa a previsão dos orçamentos dos países pertencentes à moeda única e destaca a tendência de consolidação orçamental no próximo ano. O BCE alerta que esta "pode acentuar a atual situação económica", isto é, agravar a recessão que a região atravessa, pelo efeito pró-cíclico da restrição da despesa e investimento públicos. A recomendação de uma política expansionista em resposta à crise encontra-se, de resto, em linha com o que tem sido dito pelo Fundo Monetário Internacional, que estimou que um aumento de 1% do PIB no nível de investimento público pode levar a um crescimento de 2,7% do PIB em dois anos.
É também o que tem sido dito por vários dos economistas para os quais, nos últimos anos, a intervenção do Estado na economia costumava ser encarada com desconfiança. No Financial Times, Martin Wolf escreveu recentemente que "os governos podem dar-se ao luxo de gastar. Aquilo a que não se podem dar ao luxo é não o fazer, deixando que as economias vacilem, que as pessoas se sintam abandonadas, que as cicatrizes económicas se agravem e que as economias se vejam presas numa trajetória permanente de crescimento inferior". Longe de ser ineficiente, a política orçamental é decisiva para enfrentar uma recessão como a atual, pelo efeito multiplicador no rendimento agregado e pelo papel impulsionador da atividade económica. Sobretudo no atual contexto em que, com taxas de juro baixíssimas devido à atuação do BCE, dificilmente podia ser melhor altura para orçamentos expansionistas.
O problema é que as últimas estimativas apontam para que Portugal seja um dos países que menos gasta em políticas estruturais para combater a crise (isto é, além da despesa relacionada com medidas de emergência). Na verdade, excluindo as medidas provisórias, o OE2021 é de contração, algo que só acontece também na Bélgica e na Finlândia. Ou seja, o governo decide contrariar as recomendações que até já são defendidas pelas instituições mais ortodoxas e quer recolocar o país no grupo dos que mais restringem a política orçamental na Europa, precisamente no contexto em que a única opção sensata é evitá-lo. A última crise financeira deixou claros os enormes custos sociais desta estratégia. Essa lição parece cada vez mais esquecida.
Postado por Vicente Ferreira em Ladrões de Bicicletas
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