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Luta contra o racismo e a invisibilidade subiu ao palco na Feira do Livro de Lisboa

Esta quarta-feira, Ana Sofia Palma e José Falcão, do SOS Racismo, estiveram na Feira do Livro de Lisboa para mais uma apresentação do Dicionário da Invisibilidade, um projeto que terá continuidade em formato digital. Texto de Mariana Carneiro e fotos de Pedro Loução.

Tal como sublinhou o dirigente do SOS Racismo José Falcão, a obra tem tido “um impacto impressionante”, comprovado mais uma vez pelas dezenas de pessoas que, a meio da semana, se mobilizaram para esta apresentação do Dicionário da Invisibilidade.

O livro, um trabalho colaborativo militante que mobilizou perto de 200 pessoas, conta com capa e vinte ilustrações de André Carrilho, e foi lançado em junho de 2021. À época, o Esquerda.net falou com o artista e com os coordenadores do projeto: Ana Sofia Palma, José Falcão, Mamadou Ba e Txema Abaigar.

Tal como então, durante a apresentação do Dicionário da Invisibilidade na Feira do Livro de Lisboa, foi realçada a importância desta obra no âmbito da disputa para a memória.

A urgência de levar a debate a temática da invisibilidade”

Ana Sofia Palma explicou que “a quantidade de entradas que continuamente eram enviadas” contribuiu para aumentar a perceção, ao longo de todo o processo, “da urgência de levar a debate a temática da invisibilidade”.

“Historicamente, a invisibilidade sempre foi sustentada na repressão e na tentativa de uniformização das diferenças. A História, por si, é uma ferramenta de criação de identidade”, um meio de “sabemos quem fomos, quem somos e o que gostaríamos de ser” e, por isso mesmo, ela “é manipulada”, afirmou a ativista.

José Falcão destacou que a invisibilidade é “um problema fundamentalmente político”, assinalando como, ao longo da História, “quem esteve nas barricadas das diferentes lutas pela conquista de direitos foi apagado”.

Na realidade, “a esmagadora maioria das pessoas que constam deste dicionário ‘não existe’”, não aparece sequer no google, apontou o dirigente do SOS Racismo.

A par de dar visibilidade a quem foi eliminado da História coletiva oficial, José Falcão explicou que o objetivo do projeto é também trazer outra abordagem no que respeita àqueles e aquelas que foram expostos a demasiada visibilidade e, ao mesmo tempo, foram “esvaziados e despolitizados”. Exemplo disso é a forma como nos dão a conhecer José (Zeca) Afonso, falando sobre os seus dotes na área da música mas alienando o seu contributo fundamental enquanto resistente antifascista e anticolonialista. Ou como encontramos estampadas em várias t-shirts a imagem de Malcolm X, mas desconhecemos a sua obra e o seu pensamento.

A luta que se faz aqui é, portanto, uma “luta pela nossa memória, e não pela memória que nos é impingida pelo sistema”, referiu José Falcão. E essa memória não obedece aos cânones que nos são impostos sobre quem deve estar inscrito na História coletiva.

É, também, um dicionário de afetos”

Perceber a importância deste livro, do projeto que o sustenta, passa também por saber como ele foi construído.

“À medida que o mundo parava devido à covid-19, estabelecíamos uma rede de quase duzentas pessoas, abrangendo todos os continentes do mundo, graças às quais foi possível a elaboração deste livro e a quem o devemos e agradecemos”, frisou Ana Sofia Palma.

E é exatamente por isso que José Falcão é taxativo quando afirma que este “é um dicionário de afetos, também”.

O ativista deu conta de “muita parte das discussões políticas que foram desenvolvidas ao longo do processo”, da participação ativa, e extraordinária, de tantas pessoas que se juntaram.

José Falcão lembrou que, aquando das manifestações que pediam justiça pelo assassinato racista de George Floyd, muitas pessoas procuraram o SOS Racismo e inscreveram-se nesta associação. “A partir daí ficámos com um capital muito maior para fazer este dicionário”, enfatizou. “E falamos de pessoas que nem sequer conheciam a sede, porque estávamos em confinamento, mas já estavam a trabalhar para um publicação como esta, que tem tido um impacto impressionante”, continuou o ativista.

Ana Sofia Palma recordou, por sua vez, que, quando o livro já estava maquetado, faltava garantir entradas relativas a um continente: a Austrália. A ativista tinha apresentado o projeto a um amigo de longos anos que trabalha com a comunidade aborígene, e que ficou muito entusiasmado com a ideia. Mas a situação complicou-se, na medida em que a comunicação se tornou mais escassa e ele foi alvo de perseguições. Felizmente, acabou por chegar “manancial enorme de novas entradas provindo das próprias comunidades aborígenes”, o que permitiu “não apagar deste projeto tão importante todo um continente” e todas estas pessoas “que, até há bem pouco tempo, não era consideradas seres humanos”.

Mas nem todas as valiosas contribuições estão explicitas na ficha técnica do Dicionário da Invisibilidade, e José Falcão não quis perder esta oportunidade para assinalar o trabalho de Inês Palma que, com apenas 13 anos à época, foi responsável por trabalhar a imagem de capa do Dicionário, por forma a adaptá-la à estampagem em t-shirts.

Projeto terá continuidade em formato digital

Foi consensual a ideia de que ter um livro em formato papel é fundamental para confrontar e desconstruir a invisibilidade. Mas o projeto não se esgota aqui.

Ana Sofia Palma esclareceu que lançar o livro constituiu “uma tentativa de lançar a debate o tema da invisibilidade”. “Mas temos a noção de que não é um tema acabado. Continuamos a receber, ainda hoje, entradas e, por isso, é nossa intenção continuar todo este projeto de uma forma digital, transpondo para a página de internet o dicionário em permanente construção”, avançou.

O lançamento dos conteúdos em formato digital está previsto para 2024.

Também o trabalho do André Carrilho, as 20 ilustrações que compõem o livro, continua a percorrer o país em formato de exposição. Dentro de poucos dias estará presente na sede da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e, se possível, passará igualmente pela MICAR - Mostra Internacional de Cinema Anti-Racista 2022.

Sobre o/a autor(a)

Socióloga do Trabalho, especialista em Direito do Trabalho. Mestranda em História Contemporânea.
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