Evasão fiscal: Portugal perdeu perto de 900 milhões de euros no ano passado

22 de November 2020 - 12:01

A fuga ao fisco por parte das empresas, nomeadamente multinacionais, resultou num rombo de 417 milhões de euros no erário público. Relatório da Tax Justice Network apela à reprogramação do “sistema tributário mundial para priorizar a igualdade e não os desejos dos mais ricos”.

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Imagem de klimkin por Pixabay.

As perdas resultantes da evasão fiscal equivalem a 1,9% das receitas fiscais do país. De acordo com o relatório publicado esta sexta-feira, da autoria da Tax Justice Network, em colaboração com a Public Services International e a Global Alliance for Tax Justice, as empresas são responsáveis por 47% da fuga ao fisco. Em 2019 não pagaram 417 milhões de euros em impostos devidos. Já a evasão fiscal por parte de particulares resultou numa perda de receitas no valor de 466 milhões. Holanda (27%), Espanha (23%), Angola (8%) e Luxemburgo (6%) são os países mais usados pelas empresas em Portugal para fugirem aos impostos.

A evasão fiscal a nível mundial ultrapassa os 360 mil milhões de euros, com as multinacionais a serem responsáveis pela perda de receitas no valor de 206,8 mil milhões de euros. São os países mais pobres que sofrem um maior impacto com a evasão fiscal, apesar de as perdas serem quantitativamente menores (38 mil milhões de euros) face aos mais ricos. Com efeito, as perdas resultantes da evasão fiscal nos países com menor rendimento equivalem a 5,8% das receitas fiscais desses países. Já nos países com maiores rendimentos a fuga ao fisco representa 2,5% da receita fiscal anual. Nos países mais pobres, a perda de receita fiscal equivale a mais de 50% dos orçamentos para a saúde do conjunto dos países.

Cinco paraísos fiscais são responsáveis por 47% da evasão: as Ilhas Caimão (16,5%), Reino Unido (10%), Holanda (8,5%), Luxemburgo (6,5%) e os EUA (5,5%).

Implementar “as mudanças necessárias para cumprir a promessa de justiça tributária”

As organizações que publicam o relatório Estado Atual da Justiça Fiscal 2020 exortam a que finalmente se implementem “as mudanças necessárias para cumprir a promessa de justiça tributária”.

“No centro destas questões está uma dura verdade que se torna ainda mais evidente pelos dados apresentados no Estado Atual da Justiça Fiscal 2020: nas últimas décadas, os nossos governos, influenciados pelos gigantes corporativos e pelos super-ricos, programaram os nossos sistemas fiscais para priorizar os desejos dos mais ricos no lugar das necessidades de todos os membros da sociedade”, lê-se no documento.

“Reprogramar nosso sistema tributário mundial para priorizar a igualdade e não os desejos dos mais ricos” é o caminho apontado. Para esse efeito, “as regras e políticas sobre as quais o nosso sistema tributário global funciona podem e devem ser reescritas para tornar obsoletas as transferências de lucros, para trazer transparência às enormes fortunas privadas mantidas no exterior e para proteger os direitos dos países de baixo rendimento de cobrar impostos sobre os lucros gerados no seu território”.

As organizações alertam que a ausência de uma forma clara “de tributar diretamente as grandes corporações e os indivíduos super-ricos que podem transferir os seus lucros e riqueza ao redor do mundo apertando um botão tem três impactos-chave prejudiciais sobre as pessoas, mercados e países”:

Em primeiro lugar, “prejudica a capacidade dos trabalhadores, comunidades e governos que criam valor económico de manter uma parte justa desse valor dentro das suas comunidades”. “Acresce que “esmaga a inovação e o desenvolvimento, colocando as empresas locais em desvantagem competitiva”, o que “cria incentivos perversos” à fuga fiscal, impedindo que essas receitas sejam reinvestidas “para criar empregos locais e aumentar a produtividade”. Por último, “à medida que as corporações multinacionais transferem lucros para o exterior, elas agravam as desigualdades entre países, com os menores e de baixo rendimento numa desvantagem sistemática”.

O relatório da Tax Justice Network deixa algumas propostas de medidas para “cumprir a promessa de justiça tributária”: um imposto sobre os lucros excedentes que pode ser introduzido unilateralmente com base nos lucros globais das empresas a fim de cortar abusos de transferência de lucros; a divulgação transparente das informações tributárias das multinacionais; a tributação de ativos pessoais offshore e fluxos de rendimento.

“Juntos, o ‘ABC’ da transparência fiscal - intercâmbio automático de informações, registos de propriedade efetiva e relatórios públicos país por país - é central para garantir que o sigilo não possa frustrar o interesse público no combate aos paraísos fiscais e na tributação da riqueza e da renda onde ocorre a atividade económica. É igualmente fundamental assegurar que as autoridades fiscais tenham as informações de que necessitam para fazer seu trabalho”, refere o relatório.

As organizações avançam ainda com uma medida de curto prazo: a introdução de “um imposto sobre a riqueza para financiar a luta contra a Covid-19, com taxas punitivas para os ativos offshore obscuros (e um compromisso entre os governos para eliminar esta obscuridade)”.

“A combinação de impostos sobre os lucros excedentes e impostos sobre a riqueza abrirá o caminho para as medidas de justiça tributária de longo prazo necessárias para garantir que não recriemos as desigualdades brutas que a pandemia revelou - e, em vez disso, verdadeiramente construamos melhorias”, lê-se no documento.

Para responder aos “desafios colocados pela globalização à soberania nacional sobre os direitos tributários”, é defendido que “são necessários organismos fiscais nacionais com bons recursos, com funcionários bem remunerados para atrair e reter os melhores talentos, e treinados e apoiados para fazerem cumprir as leis contra as empresas mais ricas e poderosas; e com independência operacional para resistir à interferência política”.

Por fim, “estes desafios deixam clara a necessidade de uma governança global - uma convenção fiscal da ONU para assegurar um fórum global e genuinamente representativo para estabelecer padrões consistentes e multilaterais para a tributação de empresas, para a cooperação fiscal necessária entre os governos e para proporcionar transparência fiscal abrangente e multilateral”, rematam as organizações.