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Eleições na Holanda: Anatomia de uma derrota da esquerda (2)

Publicamos aqui a segunda parte do artigo sobre as eleições na Holanda, realizadas a 17 de março, em que se registou o triunfo dos partidos liberais, a subida da extrema-direita e perdas nas principais forças políticas da esquerda. Artigo de Jorge Martins
Assembleia de voto no Museu Van Gogh em Amsterdam, eleições legislativas na Holanda a 17 de março de 2021 – Foto de Jeroen Jumelet/Epa/Lusa
Assembleia de voto no Museu Van Gogh em Amsterdam, eleições legislativas na Holanda a 17 de março de 2021 – Foto de Jeroen Jumelet/Epa/Lusa

Continuamos, aqui, a análise dos resultados eleitorais e abordaremos as perspetivas da formação do novo governo e as lições que se podem retirar destas eleições (Ler primeira parte do artigo).

Partido pelos Animais (PvdD)

O PvdD, agora liderado por Esther Ouwehand, continuou a sua trajetória ascendente, obtendo 3,8% dos votos e seis lugares parlamentares, uma melhoria face aos 3,2% e cinco lugares de há quatro anos.

Fundado em 2002, tendo como principal objetivo a promoção do bem-estar animal, evoluiu no sentido da defesa de políticas ecologicamente sustentáveis e socialmente justas, opondo-se abertamente às políticas austeritárias da UE. Tem, ainda, posições progressistas em matéria de costumes e de integração dos imigrantes. Ao nível político, defende uma maior dimensão participativa da democracia, com recurso mais frequente aos referendos. É membro do grupo da Esquerda no Parlamento Europeu. O seu apoio vem, em geral, das mulheres urbanas.

Desde que foi fundado, tem-se mantido sempre na oposição.

Após a saída da sua fundadora e histórica líder, Marianne Thieme, pensava-se que o partido poderia ter alguma dificuldade em repetir o bom resultado de 2017, mas a verdade é que a nova líder agarrou bem o testemunho e logrou ainda melhorá-lo.

Ao nível territorial, o seu melhor resultado ocorreu na província de Utrecht (7,0%), seguida da Holanda Norte e de Groningen (6,5% em ambas), ou seja, em algumas das mais urbanas. Já o pior registou-se na rural e conservadora Zelândia (3,0%) e também foram mais fracos nas igualmente rurais Frísia (3,9%), Drenthe e Overijssel (4,0% nas duas) e na mineira Limburgo (4,1%).

No que respeita ao género, o seu voto é esmagadoramente feminino (70%).

Relativamente à idade, o seu eleitorado provém, principalmente, de duas faixas etárias: a jovens e adultos maduros (35% de ambas, contra 22% de adultos jovens e apenas 8% de pessoas mais idosas).

Quanto aos níveis de rendimento, a maioria dos que nele votam provem das classes médias e altas (42% e 40%, respetivamente, e apenas 18% nas classes baixas).

Sobre a proveniência dos seus votos, estimamos que 75% sejam de votantes seus das últimas eleições, a que se acrescentaram 12% vindos da GL, 3,5% do D66, 2,5% do SP, 2% de jovens eleitores e abstencionistas, 1,5% do PvdA, outro tanto do CDA e, por fim, 2% de outras opções de voto.

Entretanto, manteve 88% do seu eleitorado de 2017, apenas tendo perdido 3% para a abstenção, 2,5% para o D66, 1,5% para a GL, 1% para o Volt e 4% para outras forças políticas.

União Cristã (CU)

A CU, partido calvinista moderado, liderado por Gert-Jen Segers, obteve um resultado igual ao das anteriores eleições: 3,4% dos sufrágios e cinco deputados.

O partido foi fundado em 2000, a partir da fusão de duas formações protestantes conservadoras. Trata-se de uma formação social-cristã, conservadora nos costumes (contrária ao aborto, ao casamento LGBT, à eutanásia e à liberalização da canábis e do trabalho sexual), mas com preocupações de caráter social, defendendo a coexistência entre os serviços públicos de saúde, educação e segurança social e instituições (na sua maioria, religiosas) de cariz assistencial. Defende políticas ambientalistas e uma integração assimilacionista de imigrantes e refugiados na sociedade holandesa. Inicialmente muito eurocético, tem vindo a moderar um pouco as suas posições em matéria europeia. O essencial do seu apoio vem das zonas rurais protestantes do nordeste e da chamada “Bible belt” neerlandesa, uma área que vai da Zelândia, no sudoeste, até à zona ocidental da província de Overijssel, no leste, passando pelas regiões centrais do país, onde, em muitas povoações, vigora um estrito tradicionalismo de raiz calvinista. Nos últimos tempos, tenta atrair alguns católicos conservadores, desiludidos com a moderação do CDA.

Desde a sua formação, esteve presente no governo em duas legislaturas (2006-10 e na última, 2017-21).

Apesar de fazer parte da coligação governamental, manteve o essencial do seu eleitorado, geralmente mais fiel que o das forças políticas laicas.

No que se refere à distribuição geográfica da sua votação, o seu melhor resultado ocorreu na província de Overijssel (5,7%), seguida pelas de Groningen (5,5%) e da Frísia (4,9%), ambas no nordeste, mais Utrecht (4,9%), a Zelândia, no sudoeste, Gelderland, no leste, e Drenthe, também no nordeste (todas com 4,6%). Por seu turno, os piores verificaram-se nas províncias católicas do Limburgo (0,7%) e Brabante Norte (1,2%), no sueste e sul, respetivamente, e na urbana e laica Holanda Norte (1,8%).

Ao nível do género, o seu voto é maioritariamente feminino (55%).

No que respeita à idade, a distribuição dos seus votos é relativamente equilibrada, embora a maioria seja proveniente dos adultos jovens, que representam 35% do seu eleitorado. Seguem-se os adultos maduros (25%), enquanto os mais jovens representam 22% e os mais idosos 18%.

Quanto aos níveis de rendimento, a parte mais importante vem das classes altas e médias: 42% das primeiras e 38% dos segundos, contra apenas 20% entre os menos abastados.

No que respeita à proveniência da sua votação, estimamos que 93,5% dos que nele votaram já o tenham feito nas últimas eleições, havendo apenas a somar 1% do 50+, 1% do VVD e 4,5% da abstenção, de jovens eleitores, e de outras opções políticas.

Entretanto, a estabilidade do seu eleitorado é notória, sendo constituído por 91% de eleitores que haviam votado no partido em 2017, apenas tendo somado 3% vindos do 50+, 2% do PVV, 1,5% dos fundamentalistas calvinistas do SGP, 1% do PvdA, mais 1,5% de outras forças políticas. Por sua vez, manteve 87,5% dos que nele votaram há quatro anos, tendo visto fugir apenas 2,5% para a abstenção, outro tanto para o FvD, 2% para SGP, igual percentagem para o JA21, 1% para o CDA, o mesmo para pequenos partidos e 1,5% para outras formações.

Volt Holanda (VOLT)

O VOLT, novo partido federalista transeuropeu, liderado na Holanda por Laurens Dassen, teve uma estreia positiva nestas eleições, conseguindo 2,4% dos votos e três mandatos.

O partido foi criado em 2018, como secção neerlandesa do Volt Europa, fundado no ano anterior em resposta aos nacionalismos crescentes, traduzidos na subida da extrema-direita em vários países europeus, no Brexit e na vitória eleitoral de Trump. O seu líder, antigo gestor bancário, foi um dos seus dois fundadores no país das tulipas. Estamos em presença de uma formação social-liberal, cujo principal objetivo é a criação de uma Europa federal, tecnicamente inovadora, socialmente justa e ambientalmente sustentável. É, igualmente, progressista em matéria de costumes e da integração de imigrantes e refugiados. É membro do grupo verde no Parlamento Europeu. O seu apoio vem, em geral, da juventude urbana mais culta e abastada.

O seu líder, com 35 anos, realizou uma boa campanha, em especial junto dos jovens, e acabou por ser recompensado nas urnas.

Ao nível da sua implantação territorial, o seu melhor resultado ocorreu nas províncias de Utrecht (3,5%) e da Holanda Norte (3,4%), seguidas das de Groningen (2,9%) e da Holanda Sul (2,5%), ou seja, as mais urbanas. Já o pior registou-se na conservadora Zelândia (1,0%) e também noutras províncias mais rurais, como Drenthe (1,4%) e Frísia (1,5%), no nordeste, Flevoland, no centro, e o Limburgo, no sueste (1,6% em ambas).

No que respeita ao género, o seu voto é maioritariamente masculino (54%).

Relativamente à idade, o seu eleitorado é essencialmente jovem, com esta faixa etária a constituir 50% do seu eleitorado. A adesão à formação vai diminuindo com o aumento da idade, sendo que nela votaram 20% dos adultos jovens, 18% dos adultos maduros e apenas 12% dos idosos.

Já em relação aos níveis de rendimento, a maioria dos que nele voto esmagadoramente dos mais abastados (72%, contra 23% da classe média e apenas 5% dos menos abonados).

Os seus votos tiveram, em princípio, a seguinte proveniência: 58% do GL, 13% do D66, 9% de jovens eleitores e abstencionistas, 6% do PvdA, 4,5% do VVD, 2,5% do CDA, 2% do SP, 1,5% do PvdD e igual percentagem de brancos e nulos e, ainda, 2% de outras forças políticas.

Resposta Correta 21 (JA21)

O JA21, um novo partido liderado por Joost Eerdmans, também teve uma boa estreia eleitoral, ao obter, igualmente, 2,4% e três eleitos.

A sua fundação ocorreu em dezembro passado, a partir da já referida cisão no FvD, que levou à saída de vários membros da ala mais moderada do partido, que acusaram Baudet de ser tíbio face ao extremismo de direita que emergia no partido, entre os quais vários senadores. O partido declara-se conservador-liberal, mas parece ser mais de direita radical, não estando muito longe das ideias defendidas pela formação que abandonaram, em especial a sua oposição à imigração e à construção de mesquitas e escolas islâmicas. Economicamente, afirma mais claramente a sua matriz liberal e abertamente pró-mercado, sendo favorável a uma redução de impostos para as empresas e os empresários e à concorrência entre serviços públicos e privados de saúde e educação. Defende o que considera ser uma escola “não ideológica” e a defesa da cultura holandesa. Também apoia uma reforma do sistema político, no sentido da democracia direta, com o recurso frequente a referendos vinculativos. Defende, igualmente, o reforço das polícias e penas de prisão mais pesadas, sendo, da mesma forma, negacionista das alterações climáticas. A nível da política externa, é eurocético, defendendo um referendo sobre a permanência do país no euro, a renegociação do acordo de Schengen, a revisão dos tratados europeus num sentido soberanista e o fim das transferências do Norte para o Sul do continente. Relativamente à CoViD, considera ser necessário haver um equilíbrio entre a defesa da saúde pública e as necessidades da economia. O seu suporte vem, geralmente, das zonas rurais e suburbanas, sendo mais idoso e mais rico que o do FvD.

A campanha não correu mal à nova força política, acabando o resultado por confirmar as expectativas das sondagens.

Do ponto de vista geográfico, obteve o seu melhor resultado na província da Holanda Sul (3,1%), o que não se estranha já que o seu líder e vários fundadores são originários da zona de Roterdão, seguindo-se as rurais e conservadoras Flevoland (2,6%) e Zelândia (2,5%) e a Holanda Norte (2,4%), de onde é natural a nº 2 o partido e líder da sua bancada no Senado, Annabel Nanninga. Já o pior ocorreu em Groningen (1,6%), bem abaixo da média nacional, e noutras províncias do nordeste, como a Frísia e Overijssel, e, ainda, o Limburgo (todas com 2,0%), onde os eleitores se mantiveram mais fiéis ao FvD.

Ao nível do género, o seu voto é esmagadoramente masculino (62%).

Já no que respeita à idade, são os adultos maduros que constituem a maior parte dos seus eleitores (38%, contra 25% dos jovens, 20% dos adultos jovens e 17% dos idosos).

Quanto aos níveis de rendimento, a maioria do seu eleitorado provem das classes altas e médias (47% das primeiras e 35% das segundas), tendo pouco apoio nas baixas (apenas 18%).

No que respeita à proveniência dos seus eleitores, estimamos que esta tenha sido a seguinte: 28,5% vindos do PVV, 20% do SP, 15% do FvD, 10% do 50+, 5,5% do CDA, 4,5% do VVD, 3,5% do PvdA, 3% da abstenção, outro tanto da CU, 2% do GL, igual percentagem de partidos extraparlamentares, 1,5% de brancos e nulos, 1% do SGP e 0,5% de outras forças políticas.

Partido da Sociedade Reformada (SGP)

O SGP, partido calvinista fundamentalista, liderado por Kees van der Staaj, obteve igualmente um resultado igual ao das anteriores eleições: 2,1% dos sufrágios e três deputados.

Fundado em 1918 por membros da ala mais reacionária do protestante conservador Partido Antirrevolucionário, após este ter aceite o sufrágio feminino e a colaboração com o Partido dos Católicos, é o mais antigo do país. É uma formação política ultraconservadora, tradicionalista e fundamentalista, que defende uma sociedade regida pelos mais estritos princípios calvinistas (“reformada”, na designação holandesa dessa confissão religiosa). Advoga a substituição da democracia representativa por o que chama de “democracia orgânica”, assente no voto dos “pater familias”. Baseado numa interpretação reacionária dos escritos bíblicos, opõe-se à igualdade entre homens e mulheres, considerando que estas devem estar remetidas às funções decorrentes da maternidade e à esfera doméstica, e apoia a restauração da pena de morte. Só em 2006, após sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, aceitou mulheres como aderentes. Opõe-se a tudo o que lhe “cheire” a avanços civilizacionais (aborto, casamento LGBT, eutanásia, legalização do trabalho sexual e liberalização da canábis) e abomina as formas de arte moderna. Defende, ainda, o aumento dos apoios às famílias numerosas. É, também, abertamente eurocético. O essencial do seu apoio vem das zonas rurais protestantes mais conservadoras da já referida “Bible belt” neerlandesa, onde existem algumas povoações com modos de vida tradicionalistas, semelhantes aos dos “amish” da Pensilvânia.

Dado o seu perfil ultraconservador (em questões de costumes, é mais reacionário que as principais formações da extrema-direita e da direita radical), tem pouca capacidade de estabelecer alianças, pelo que nunca integrou nenhuma coligação governamental ou maioria parlamentar.

Habitualmente, o seu eleitorado pouco varia e estas eleições não foram exceção.

No que respeita à distribuição territorial da sua votação, o seu melhor resultado ocorreu no seu habitual bastião da Zelândia (9,7%). Seguiram-se, a grande distância, a igualmente rural e central Flevoland e Gelderland, no leste (4,1% em ambas). Em algumas dessas regiões, foi o mais votado em vários municípios. Por seu lado, os piores verificaram-se na província católica do Limburgo (0,1%), na urbana e laica Holanda Norte (0,3% %) e na igualmente católica do Brabante Norte (0,5%). O seu apoio é, igualmente, residual no nordeste, zonas protestantes mais abertas: Groningen, Drenthe (ambas 0,8%) e Frísia (1,0%).

Ao nível do género, o seu voto revela uma ligeira maioria feminina (51%).

Em termos etários, a maioria dos seus votos vem dos adultos jovens (40%), seguido dos mais jovens (30%), dos adultos maduros (20%) e, por fim, dos idosos (10%).

Relativamente aos níveis de rendimento, a parte mais importante vem das classes médias e altas: 45% das primeiras e 40% das segundas, contra apenas 15% entre os menos favorecidos.

No que respeita à proveniência da sua votação, a estabilidade do seu eleitorado, habitualmente muito disciplinado e militante, é claramente visível. Assim, estimamos que 94% dos que nele votaram já o tenham feito nas últimas eleições, havendo unicamente a juntar 3,5% da CU, 1,5% do 50+, mais 1% da abstenção e de novos eleitores.

Entretanto, manteve 90% dos seus eleitores de 2017, apenas tendo perdido 2,5% para a CU, 2% para a abstenção, 1,5% para partidos extraparlamentares, 1% para o FvD, igual percentagem para o JA21 e, por fim, 2% para outras forças políticas.

Pensa (DENK)

O DENK, principal formação defensora dos imigrantes e holandeses de origem turca ou marroquina, liderado por Farid Azarkan, recuou muito ligeiramente, de 2,1% para 2,0%, tendo mantido os três deputados eleitos há quatro anos.

O partido foi fundado em 2015 por dois antigos parlamentares trabalhistas de origem turca, embora o seu atual líder tenha ascendência marroquina. O seu intuito é a defesa das minorias étnicas existentes no país e a sua linha política pode considerar-se como sendo de centro-esquerda. Advoga a promoção do multiculturalismo, a descolonização da história e cultura holandesas e a adoção de medidas de luta contra o racismo e o discurso do ódio. Defende um Estado Social para todas as pessoas residentes no país. É pró-UE, embora defenda que esta deve ter uma política externa independente, e apoia o reconhecimento da Palestina como estado independente. É frequentemente acusado de ter ligações a Erdogan e ao seu partido, o AKP, tendo sido a única bancada parlamentar a recusar reconhecer o genocídio arménio. Tem o seu apoio, essencialmente, entre as comunidades muçulmanas, embora não se assuma como partido islâmico.

Nestas eleições teve a concorrência de outra formação, de orientação islamita, o NIDA, e perdeu alguns pontos, mas logrou manter o mesmo número de mandatos.

A nível geográfico, o seu melhor resultado ocorreu na província da Holanda Sul (3,4%), com grandes votações nos subúrbios de Roterdão, seguida da Holanda Norte (2,9%) e de Utrecht (2,8%), onde vive a maioria destas comunidades. Ao invés, os piores registaram-se no nordeste, nas de Drenthe, da Frísia (0,3% em ambas) e de Groningen (0,5%), e no sudoeste, na Zelândia (0,6%), onde elas são quase inexistentes.

No que respeita ao género, o seu voto é acentuadamente masculino (60%).

Quanto à idade, o seu eleitorado é esmagadoramente jovem (75% de jovens até aos 30 anos, contra 23% dos adultos jovens e apenas 2% dos adultos maduros, sendo quase nulo o seu apoio nos maiores de 70). Algo que é lógico, pois, à exceção da Indonésia (ex-colónia holandesa), a imigração proveniente de países islâmicos começou apenas nos anos 60. Contudo, também reflete uma maior consciência identitária das gerações mais jovens das comunidades muçulmanas.

Quanto aos níveis de rendimento, a maioria dos seus votantes é de classe média (53%) ou alta (42%), enquanto os mais pobres representam apenas 5%.

Relativamente à proveniência dos seus votos, estimamos que 84% fossem já seus eleitores, a que se acrescentaram 3,5% de jovens eleitores e abstencionistas, 3% do PvdA, outro tanto do D66, 2,5% do GL, 2% do SP, 1% do PvdD e, ainda, 1% de outras opções de voto.

Por sua vez, manteve 79% do seu eleitorado de 2017, tendo perdido 6% para o BIJ1, que defende os interesses dos afrocaribenhos, 4% para a abstenção, 2,5% para o D66, 2% para formações extraparlamentares, 1,5% para a GL, igual percentagem para o PvdA, 1% para o SP, o mesmo para o PvdD e, por fim, 1,5% para outras forças políticas.

50 Plus (50+)

O 50+, partido defensor dos interesses dos reformados, liderado por Liane den Haan, foi um dos perdedores destas eleições, tendo caído de 3,1% e quatro eleitos para 1,0% e apenas um mandato.

Fundado em 2009, a partir de uma associação de defesa dos idosos, o partido defende o retorno da idade da reforma para os 65 anos, isenções fiscais para os reformados e pensionistas, limites à dívida pública e um sistema de saúde exclusivamente público. Naturalmente, o seu maior apoio vem das pessoas mais idosas, embora não em exclusivo.

Sem uma linha ideológica definida, foi, desde sempre, atravessado por dissensões internas. Assim, o partido viu o seu antigo líder, Henk Krol, demitir-se da liderança e abandonar a formação em meados de 2020, tendo sido substituído pela atual líder, cuja escolha foi tudo menos consensual. Esta deu origem a novas demissões e o 50+ partiu para estas eleições bastante fragilizado. As suas declarações de que aceitava participar na reforma do sistema de pensões, contra a posição de sempre do partido, agravou o mal-estar. A crise pandémica, que afastou muitos idosos das urnas, tornou ainda mais sombrias as perspetivas, que as urnas acabaram por confirmar.

Do ponto de vista geográfico, obteve o seu melhor resultado nas províncias da Zelândia e do Limburgo (1,4% em ambas) e os piores na Frísia, Overijssel e Groningen, no nordeste, e também em Utrecht (0,8% em todas).

Ao nível do género, o seu voto é maioritariamente masculino (56%).

No que respeita à idade, são, naturalmente, os adultos maduros e os mais idosos que constituem a maior parte dos seus eleitores (50% os primeiros e 25% os segundos), mas ainda tem, na sua composição, 18% de adultos jovens e 7% dos mais novos.

Relativamente aos níveis de rendimento, a maioria do seu eleitorado provem das classes médias (50%), havendo um equilíbrio entre os mais pobres (27%) e os mais ricos (23%)

Por sua vez, em relação à proveniência dos seus eleitores, estimamos que 85% já tenham votado no partido há quatro anos, a que se somaram 6,5% do CDA, 4,5% do SP, 2% de abstencionistas e novos eleitores, 1% de partidos extraparlamentares e 1% de outras forças políticas.

Já as perdas foram enormes, tendo conservado apenas 27% dos que nele votaram em 2017 e visto fugir votos para praticamente todas as direções: 12% para forças extraparlamentares, entre as quais se contam a Lista Henk Krol e o Partido do Futuro (PvT), de que aquele fez parte e que, posteriormente, também abandonou, 10% para a abstenção, 9% para o FvD, 7% para o JA21, 6,5% para o PVV, 6% para o partido dos agricultores (BBB), 5% para o VVD, 3,5% para o CDA, 3% para o PvdA, o mesmo para a CU, 2% para o SP, 1,5% para brancos e nulos, 1% para o D66, igual percentagem para a GL, o mesmo para o PvdD e ainda para o SGP e, finalmente, 0,5% para outras forças políticas.

Movimento Cívico-Agrário (BBB)

O BBB, novo partido dos agricultores liderado pela jornalista Caroline van der Plas, obteve 1,0% dos votos e um mandato, elegendo a sua líder.

A sua fundação ocorreu em outubro de 2019, na sequência de violentos protestos dos agricultores holandeses, a pretexto da lei que limita as emissões de nitrogénio, num movimento semelhante ao dos “coletes amarelos” franceses. Criticando a sucessão de regulamentos de caráter ambiental e de proteção da saúde pública e do bem-estar animal, que consideram prejudicá-los, partiram para a ação, com bloqueios de autoestradas e ameaças e intimidações contra políticos e ativistas ecologistas e animalistas, em especial da GL e do PvdD. Justificaram as ações com a sua raiva contra o que consideram ser a marginalização do campo face às principais cidades. O partido procura dar voz a essas reivindicações, advogando a criação de um ministério do mundo rural, localizado a mais de 100 quilómetros de Haia e das principais metrópoles do país e a obrigação de os agricultores serem obrigatoriamente ouvidos nas políticas que tenham impacto sobre a sua atividade. O seu suporte vem, como é óbvio, das zonas rurais.

A sua líder, uma jornalista especializada em temas agrícolas, que trabalhou como assessora de várias associações de agricultores, é popular entre estes e fez uma boa campanha, o que lhe garantiu a eleição.

Do ponto de vista geográfico, obteve o seu melhor resultado na província de Overijissel no leste (2,6%), onde aquela reside, seguida das três do nordeste, a Frísia (2,3%), Drenthe (2,2%) e Groningen (1,9%), e de Gelderland (1,6%), também no leste. Como é lógico, os piores ocorreram nas mais urbanas: Holanda Sul (0,3%), Holanda Norte e Utrecht (0,5% em ambas).

No que respeita à proveniência dos seus eleitores, estimamos que esta tenha sido a seguinte: 28% vindos do SP, 25% do CDA, 19% do 50+, 7,5% do VVD, 7% de abstencionistas e novos eleitores, 4% do FvD, 3% do PvdA, 2% da CU, igual percentagem de brancos e nulos, 1,5% de partidos extraparlamentares e 1% do SGP.

Juntos (BIJ1)

O BIJ1, partido defensor dos imigrantes e holandeses de origem afrocaribenha, liderado pela popular apresentadora televisiva Sylvana Simons, conseguiu 0,8% dos votos e acedeu à representação parlamentar, elegendo a sua líder, quando, em 2017, se tinha ficado pelos 0,3% e fora do Parlamento.

O partido foi fundado em 2016, sob a designação de Artigo 1 (referência ao art.º 1 da Constituição neerlandesa, que postula a não discriminação), após aquela ter abandonado o DENK, por entender que este se estava a tornar-se bastante conservador em matéria de costumes, em especial no que se refere aos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQI+. Estamos perante uma força política da esquerda radical, que, para além daqueles valores e da defesa das minorias étnicas, em especial a afrocaribenha, e a prossecução da mesma linha antirracista e multiculturalista do seu antigo partido, pugnando pela descolonização da história e cultura holandesas e pela adoção de medidas de luta contra o racismo e o discurso do ódio, se afirma ideologicamente anticapitalista. Assim, defende a nacionalização das grandes empresas, serviços públicos universais e gratuitos para todas as pessoas, a semana de 30 horas, a igualdade salarial entre homens e mulheres e assume o combate a toda e qualquer forma de discriminação. A nível da política externa, é moderadamente eurocético, defende a saída do país da NATO e o apoio à causa palestiniana, advogando o reconhecimento da Palestina como estado independente.

Após ter sido obrigado a mudar a sua designação, em 2019, devido a uma ação legal interposta por um “think tank” chamado A1, a sua líder fez uma campanha muito esforçada e foi recompensada com a sua eleição para deputada.

A nível geográfico, o seu melhor resultado ocorreu na província da Holanda Norte (2,1%), com as maiores votações em alguns subúrbios de Amesterdão, seguida da Flevoland (1,9%), na região central dos “polders”, onde vive a maioria das comunidades afrocaribenhas. Na Holanda do Sul (1,0%) e em Utrecht (0,9%) ainda ficou acima da média nacional. Em contrapartida, os piores registaram-se nas províncias rurais do nordeste, sul e leste, onde elas são residuais: Frísia, Drenthe e Zelândia (0,2% em todas), Overijssel e Limburgo (0,3% em ambas), Brabante Norte e Gelderland (0,4% nas duas).

Relativamente à proveniência dos seus votos, estimamos que 33,5% fossem de pessoas que votaram nele em 2017, a que se somarão os vindos das seguintes proveniências: 22,5% da GL, 16% do DENK, 8,5% de jovens eleitores e abstencionistas, 7% do D66, 5% do SP, 3,5% do PvdA, 2% do PvdD, 1% de forças extraparlamentares e 0,5% de brancos e nulos.

Por seu turno, conservou 91,5% do seu pequeno eleitorado de 2017 e apenas perdeu 3% para a abstenção, 1% para o DENK, o mesmo para a GL e, igualmente, para partidos não representados no Parlamento e 2,5% para outras forças políticas.

Outros partidos

Desta vez, houve um número record de 37 forças políticas concorrentes. Entre elas, havia de tudo: populistas de vários matizes social-libertários, libertários de direita, nazi-fascistas, negacionistas da CoViD, evangélicos, islamitas, caribenhos defensores da filosofia Ubuntu, verdes, “piratas”, defensores dos jovens e dos funcionários públicos, satíricos e republicanos. A variedade era muita, mas criou um problema logístico, pois tornou os boletins de voto ainda maiores. Juntos, os partidos extraparlamentares somaram 2,0% dos votos, contra 1,4% há quatro anos (aqui se incluindo o Artigo1, atual BIJ1, que se ficou pelos 0,3%), quando houve menos listas concorrentes.

Votos brancos e nulos

Têm, em geral, pouca importância nas eleições gerais neerlandesas e estas não foram exceção: corresponderam a 0,4% do total dos votos, tal como em 2017.

A abstenção

Nestas eleições, disputadas em tempo de pandemia, o número de eleitores que não compareceu nas urnas aumentou um pouco face ao de há quatro anos: 20,7% agora contra 18,4% então.

O voto deixou de ser obrigatório no início dos anos 70, mas nunca deixou de ser visto pela maioria do eleitorado como um dever cívico que deve ser cumprido. Por isso, as taxas de abstenção são, em geral, baixas, se comparadas com outros países onde votar não é uma obrigação legal.

Porém, só o facto de as pessoas poderem ir às urnas em três dias e de os maiores de 70 anos terem, igualmente, a facilidade de votar por via postal, evitou que a abstenção atingisse níveis pouco habituais naquelas paragens.

As diferentes forças políticas foram diferentemente afetadas por ela. Assim, os partidos religiosos calvinistas (SGP e CU) apenas terão visto fugir cerca de 2% e 2,5%, respetivamente. Seguiram-se VVD, D66, PvdA, PvdD e BIJ1, que perderam 3%, DENK, FvD e PVV, com 4%, o SP com 5% menos, CDA e GL, com 6%. Os que mais perderam foram o 50+ e o conjunto dos pequenos partidos, que viu “voar” 10%, enquanto 15% dos que votaram em branco ou nulo nas últimas eleições, abstiveram-se agora, tal como 83% dos que não votaram de então.

Então, a composição da abstenção, em comparação com 2017, foi a seguinte: 83% de abstencionistas, 3% vindos do CDA, 2,5% do VVD, 2% do GL, outro tanto do PVV, 1,5% do SP, o mesmo do D66, 1% do 50+ e 3,5% de outras opções de voto.

Por seu turno, 93% dos abstencionistas de há quatro anos continuaram a ficar em casa. Os que agora foram votar optaram, principalmente, por D66 (1,5%), Volt (1%), VVD e FvD (ambos 0,5%). JA21, PvdD, BBB, BIJ1 e formações extraparlamentares também foram buscar alguns votos à abstenção, enquanto as restantes apenas lograram conquistar percentagens residuais.

A formação do novo executivo

Dada a elevada fragmentação parlamentar, que, neste ato eleitoral, atingiu um valor record, com 17 forças políticas na Câmara, nunca é fácil encontrar uma maioria parlamentar na Holanda. Por esse motivo, o Parlamento cessante nomeia um ou mais mediadores para tentar encontrar os consensos necessários entre as diferentes forças políticas para o efeito. Neste caso, foram nomeadas duas mediadoras: uma deputada do VVD e outra do D66, os dois maiores partidos e que continuarão a governar.

Na verdade, a atual coligação tetrapartidária (VVD, D66, CDA e CU) conseguiu 78 lugares, três acima da maioria parlamentar na Câmara, embora esteja em minoria no Senado.

Para além dos dois primeiros, o CDA, apesar do seu mau resultado eleitoral, deverá manter-se, igualmente, na coligação governamental, o que assegura, à partida, 73 deputados. Na verdade, não se vislumbra uma maioria coerente sem os democrata-cristãos, uma vez que Rutte rejeita coligações com o PVV e/ou o FvD. Na verdade, uma eventual aliança de centro-esquerda, juntando VVD e D66 a PvdA e GL, teria apenas 75 lugares, ou seja, exatamente metade da Câmara.

Já a continuação da CU no executivo é mais problemática. Os desentendimentos entre o conservadorismo daquela e o libertarismo do D66 em matéria de costumes foram frequentes e os social-liberais, agora reforçados, pretendem encontrar um ou dois parceiros no centro-esquerda (PvdD, GL ou, mesmo, o Volt), mais abertos nessas questões.

Porém, Rutte descarta a possibilidade de se coligar com duas formações mais à esquerda, embora aceite a entrada de uma na nova maioria. Nesse caso, a sua preferência iria para o PvdA, mas a líder trabalhista, Liliane Ploumen, descartou essa possibilidade, afirmando que, face aos resultados dececionantes do partido, este prefere manter-se na oposição.

Ao invés, Jesse Klaver, líder da GL, afirmou a sua disponibilidade, mas o primeiro-ministro “torce o nariz” a essa hipótese, não apenas devido ao mau resultado dos ecologistas, mas também por não ter perdoado a Klaver ter-lhe “roído a corda” à última hora, em 2017, quando o acordo para a sua integração no seu executivo esteva quase a ser assinado.

Curiosamente, Rutte, que mantem uma boa relação pessoal com a líder do SP, Lilian Marijnissen, não pôs de lado a hipótese de se coligar com o seu partido, mas esta última, embora não rejeitando liminarmente essa possibilidade, considera que as diferenças ideológicas entre este e o VVD tornam muito difícil qualquer acordo.

Uma hipótese que o primeiro-ministro veria com bons olhos seria ter como parceiro o JA21, que teria a vantagem de lhe garantir, igualmente, uma maioria no Senado (pois tem aí oito senadores, eleitos em 2019 nas listas do FvD), mas há grandes divergências entre a formação da direita radical e o D66 em matéria de imigração, refugiados e minorias étnicas.

O recurso ao Volt é, igualmente, possível, pois, tal como o JA21, tem três eleitos na Câmara, garantindo a Rutte uma maioria de um lugar. Porém, o seu líder fez questão de recordar que não tem representação no Senado e que, sendo debutante nas lides parlamentares, não lhe interessa assumir, desde já, responsabilidades governativas.

Resta, ainda, se falharem todas as alternativas, a possibilidade de ser equacionada a manutenção da atual coligação, algo para o qual o líder da CU, Gert-Jan Segers, se mostrou disponível.

Veremos, então, o que nos reservam as próximas semanas.

Lições deste ato eleitoral

Estas eleições mostraram que existe um abismo cada vez maior entre os “dois países” que existem dentro do território neerlandês: a Holanda do Randstad (a grande conurbação situada, grosso modo, no interior do quadrilátero limitado pelas cidades de Amesterdão, Haia, Roterdão e Utrecht) e de algumas cidades médias, cosmopolita, tolerante e aberta ao mundo, que tem como paradigma a capital, e o país rural, em especial a chamada “Bible belt”, tradicionalista, intolerante e extremamente fechada.

A primeira, também mais rica e diversa, tende a votar em forças políticas que respeitam a diferença, progressistas em matéria de costumes, abertas nas questões da imigração e inclusão de minorias étnicas e sensíveis às questões ambientais, como o D66, a GL, o PvdD e o Volt, bem como os partidos étnicos (DENK e BIJ1).

Por seu turno, a segunda, menos rica e menos diversa, sente que o seu mundo tende a desaparecer e vê nos avanços civilizacionais, na cultura moderna, nos imigrantes e nas políticas de defesa do ambiente e do bem-estar animal sérias ameaças ao seu modo de vida, pelo que, por reflexo defensivo, acaba a votar nas forças mais reacionárias, nacionalistas, racistas e xenófobas, conservadoras nos costumes e negacionistas das alterações climáticas, sejam os partidos da extrema-direita (PVV e FvD) e da direita radical (JA21 e BBB) ou religiosa (SGP e CU). O medo leva a que também muitos habitantes brancos dos subúrbios das maiores cidades votem, igualmente, em forças anti-imigração.

Os partidos mais tradicionais (VVD, CDA, PvdA e SP) são os que, apesar das suas diferentes ideologias, ainda conseguem fazer alguma ligação entre esses dois mundos, separados por curta distância, mas que, ao nível das mentalidades, parecem distar séculos.

Por outro lado, a rápida descristianização a que se assiste não anula um dado essencial para compreender a sociedade neerlandesa: a forte influência do calvinismo, que impregnou o tecido social e a cultura do país. Esta traduz-se na ideia de ética do trabalho e da poupança, que seria, nessa perspetiva, o caminho para a riqueza. De acordo com ela, haveria, ainda, indivíduos predestinados para o êxito, que teriam obrigação de agarrar esse dom. Foi esta herança, a que se junta a decisiva contribuição dos judeus, aí acolhidos após serem expulsos de Portugal e Espanha, que permitiu a criação de um florescente capitalismo comercial no séc. XVI e a expansão colonial holandesa no século XVII. Daí que as perspetivas neo e ordoliberais tenham tanta aceitação no país e que este seja um dos mais intransigentes defensores da “frugalidade” orçamental a nível europeu. Não é por acaso que dois partidos de cariz liberal (um mais à direita, outro mais à esquerda) conquistaram 58 dos 150 lugares da Câmara.

Por seu turno, essa cultura de raiz calvinista, com a sua ideia de predestinação, tende facilmente para a ideia de que existem grupos superiores e inferiores, que não se devem misturar. Na sua interpretação benigna, há a ideia de tolerância: podes fazer o que queres, mas desde não perturbes os meus hábitos. Ou seja, não há grande disponibilidade para uma verdadeira inclusão. Daí a dificuldade que parte da sociedade holandesa tem em conviver e misturar-se com pessoas de culturas muito diferentes da dominante e isso explica a existência de várias forças da extrema-direita e da direita radical. Contudo, talvez por essa ideia de tolerância, ao contrário do que sucede em grande parte da Europa, estas não são, necessariamente, conservadoras em matéria de costumes, papel que cabe mais aos partidos religiosos. Nestas eleições, se somarmos as três formações anti-imigração (PVV, FvD e JA21), verificamos que estas aumentaram a sua força, passando de 22 para 28 mandatos. Se lhes acrescentarmos os fundamentalistas do SGP e os agricultores radicais antiambientalistas, a intolerância, nas suas diversas formas, terá 32 deputados na Câmara.

Já a esquerda, no seu conjunto, foi a grande derrotada deste ato eleitoral e as perspetivas não são animadoras. Se lhe somarmos o centro-esquerda, verifica-se que, de 2017 para 2021, as formações dessa área política (SP, PvdA, GL, PvdD, Volt, DENK e BIJ1) desceram de 45 para 39 lugares parlamentares, com a esquerda e os ecologistas a perderem quase metade das suas bancadas e os trabalhistas estagnados. E, para agravar a situação, os eleitorados do SP e do PvdA estão cada vez mais envelhecidos e as divergências internas vão consumindo esses e a GL.

Os trabalhistas, ao renderem-se totalmente ao neoliberalismo, ficaram “a meio da ponte” e, tal como outros partidos social-democratas europeus, sofrem as consequências disso: perderam muito eleitorado à esquerda e ganharam muito pouco à direita.

Também os verdes se foram deslocando para o centro, assumindo-se cada vez mais como uma força política do sistema, pelo que perdem alguma capacidade de atração no eleitorado mais crítico.

Por seu turno, ao contrário de outras formações da esquerda europeia, o SP não atualizou a sua linguagem e foi perdendo a juventude e as classes médias urbanas mais cultas. Por outro lado, nos últimos tempos, perdeu, igualmente, uma parte dos agricultores e outras populações rurais, bem como do operariado, que tendeu a fugir para forças políticas da extrema-direita e da direita radical.

O Volt teve um grande resultado, mas é, tendencialmente, uma força centrista, enquanto o PvdD, apesar do seu crescimento gradual, terá um teto, dado ser visto, essencialmente, como o partido da causa animal, enquanto DENK e BIJ1 são formações de cariz étnico e não têm grande margem de progressão para além das suas comunidades.

Aguardemos, então, pelos próximos desenvolvimentos, sabendo que a política neerlandesa é, aparentemente, muito complicada, mas termina sempre de uma força muito simples: uma coligação ao centro, ora um pouco mais à direita, ora um pouco mais à esquerda, com mudança de um ou outro protagonista no executivo, mas, na prática, pouco muda, ou melhor, as mudanças são, em geral, muito graduais.

NOTA: Este artigo foi escrito tendo como referências a Wikipédia em línguas inglesa e neerlandesa; uma sondagem à boca das urnas, da Ipsos, apresentada pela televisão pública holandesa NOS, e artigos nos jornais De Telegraaf e De Volksrant.

Artigo de Jorge Martins

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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