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Composição do novo PE por regiões, a Europa Setentrional e as ilhas Britânicas

Dado o peso do Reino Unido no conjunto da região (mais de 56% dos seus eurodeputados), a questão do Brexit e o seu comportamento eleitoral influencia, em muito, os resultados globais desta área. Por Jorge Martins
Bandeiras da Finlândia, da Suécia e do Reino Unido – Foto de magnusfranklin/fkr
Bandeiras da Finlândia, da Suécia e do Reino Unido – Foto de magnusfranklin/fkr

Rescaldo das Europeias (8): o novo Parlamento Europeu (VII)

A análise da Geografia Eleitoral da UE após estas eleições, indo, agora, para uma área rica, mas geograficamente periférica da UE.

A Europa Setentrional e as Ilhas Britânicas

É certo que, do ponto de vista físico e, mesmo, humano, as ilhas britânicas (onde se incluem o Reino Unido e a Irlanda) têm bastantes pontos de contactos com a Europa Ocidental. Porém, do ponto de vista político e sociocultural, os ingleses partilham algumas caraterísticas com os nórdicos, pelo que decidimos coloca-los na mesma região geopolítica.

Assim, a Grã-Bretanha e a Irlanda possuem um clima temperado marítimo, semelhante ao do oeste e norte de França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e noroeste da Alemanha, com invernos suaves e muito húmidos e verões frescos e húmidos, onde se distinguem, claramente, as quatro estações. Já a Europa do Norte tem um clima frio, de feição marítima no oeste da Dinamarca e no sudoeste da Suécia, com invernos frios e muito húmidos e verões muito frescos e igualmente húmidos. Já nas áreas centrais e setentrionais da Suécia e na Finlândia adquire uma feição mais continental, com invernos muito frios e relativamente secos e verões curtos, pouco quentes e com alguma humidade. A região de Copenhaga e o sueste da Suécia apresentam uma variedade de transição.

As ilhas britânicas caraterizam-se pelas suas baixas altitudes, à exceção das áreas periféricas do norte da Escócia, do oeste de Gales e parte da costa ocidental irlandesa. O mesmo sucede com a maior parte da Europa Setentrional, exceção para a Noruega (que não pertence à UE) e a parte ocidental da Suécia, onde se situam os Alpes Escandinavos.

Os solos revelam elevada fertilidade em grande parte da Inglaterra, Irlanda e Dinamarca e em algumas áreas do centro-sul da Suécia. Ao contrário, as regiões setentrionais suecas e finlandesa possuem fraca fertilidade agrícola e estão, em grande parte, cobertas por grandes florestas de coníferas.

No Reino Unido e no norte da Escandinávia, existem áreas de subsolo rico (com realce para o carvão e o ferro), enquanto as turfeiras cobrem uma parte importante da Irlanda.

Se as regiões centrais e meridionais de Inglaterra apresentam uma elevadíssima densidade populacional, ela é menor no restante território inglês, em Gales, na Escócia e na Irlanda. Por seu turno, se aquela apresenta valores relativamente elevados na Dinamarca, o mesmo não sucede na Suécia e na Finlândia, países grandes, mas, à exceção de parte das respetivas áreas meridionais, escassamente povoados, devido às condições climáticas desfavoráveis.

Do ponto de vista sociocultural, estamos em presença de áreas dominadas pelo protestantismo, luterano nos países nórdicos, anglicano em Inglaterra e presbiteriano na Escócia e em Gales. Na Irlanda do Norte, estão representadas as duas últimas confissões. A exceção é a República da Irlanda, esmagadoramente católica, tal como perto de metade da população norte-irlandesa e alguma escocesa e inglesa.

Por isso, os Estados luteranos da Europa Setentrional são fortemente marcados pela ética protestante, o que gerou uma cultura de trabalho e organização, que favoreceu a criação de uma burguesia dinâmica, algo que sucedeu, igualmente, no Reino Unido. Esse facto favoreceu bastante o desenvolvimento do capitalismo.

Os países nórdicos são, em geral, abertos e tolerantes em questões de costumes e defensores dos direitos humanos fundamentais, mas caracterizam-se, por outro lado, por alguma rigidez de princípios, de que é exemplo o monopólio estatal da venda do álcool e as restrições ao seu consumo.

O Reino Unido foi o “berço” da Revolução Industrial, tirando partido do comércio colonial, que criou a tal burguesia dinâmica de que falámos. Tal como na Europa Ocidental, as riquezas do subsolo e as boas acessibilidades fluviais e marítimas facilitaram o processo de industrialização, levado a efeito pelas novas classes burguesas. Esta gerou um imenso êxodo rural, que tornou o país num dos mais urbanizados do continente e do mundo.

No sec. XIX, após o fim das guerras napoleónicas, o país ganhou crescente prosperidade e consolidou a sua posição como maior potência do Globo, que manteria até à 1ª guerra mundial. Todavia, a sociedade continuava extremamente desigual e o operariado, sujeito a uma intensa exploração, encetou grandes lutas, que levaram à existência de um forte movimento operário e sindical.

Por sua vez, os países do Norte da Europa permaneceram pobres até ao início do sec. XX, mas rapidamente iniciaram o seu processo de industrialização e, em poucas décadas, tornaram-se relativamente prósperos. Também aqui o movimento operário e sindical se revelou forte e organizado, o que lhe permitiu ir obtendo concessões importantes por parte do patronato.

Já a Irlanda, submetida ao domínio britânico, que aí exerceu um verdadeiro jugo colonial até à independência, em 1922, permaneceu rural e pobre, apenas se tendo começado a desenvolver verdadeiramente após a adesão à UE, em 1973, beneficiando dos fundos estruturais e de uma política de atração de investimento estrangeiro de alta tecnologia. Porém, em 2010, acabou por ser alvo de uma intervenção da “troika”, após o rebentamento das “bolhas” bancária e imobiliária, mas a sua economia tem recuperado bem desde o fim daquela.

Apesar de se tratar de uma zona rica tem, relativamente à Europa Ocidental, uma situação mais periférica, além de que, à exceção do Reino Unido, o seu peso populacional no conjunto da UE é bastante reduzido. Acresce, ainda, o tradicional euroceticismo britânico, partilhado, igualmente, por dinamarqueses e suecos, o que levou estes três países a optar por permanecer fora do euro, pelo que a sua influência política é menor que a daquela.

Contudo, o Reino Unido é uma das principais economias mundiais e a “City” londrina uma das maiores praças financeiras do mundo, isto não falando já do seu poderio militar, apenas abaixo do estadunidense e do russo.

Tal como a Europa Ocidental, também completou rapidamente a respetiva transição demográfica, pelo que sofreu, igualmente, um processo de envelhecimento populacional. Do mesmo modo, as políticas governamentais natalistas e o aumento da imigração têm contribuído para um tímido rejuvenescimento destas sociedades.

Aqui, a Irlanda, onde a influência social da Igreja Católica perdurou até ao início deste século, foi, mais uma vez, exceção: as taxas de natalidade mantiveram-se relativamente elevadas até ao início do milénio e o país ainda hoje é um dos mais jovens do continente.

A riqueza destes países tornou-os atrativos para a imigração, em especial o Reino Unido. Os países nórdicos, com condições climáticas pouco simpáticas, receberam menos gente, mas, a partir dos anos 90, passaram a acolher imigrantes das mais diversas proveniências. Já a Irlanda era tradicionalmente um país de emigração, algo que voltou a acontecer após a intervenção da “troika”, no início desta década. Contudo, recentemente, passou, igualmente, a receber imigrantes, em especial da Europa de leste.

Politicamente, são países que possuem regimes democráticos bem consolidados. Assim, o Reino Unido é a mais antiga democracia liberal do mundo e a Dinamarca e Suécia são monarquias constitucionais estáveis, que apenas a ocupação nazi da primeira (1940-45) contrariou. A Finlândia e a Irlanda só se libertaram dos impérios russo e britânico em 1917 e 1921, respetivamente, mas, após os tempos conturbados que se seguiram à independência, em ambos os casos com breves, mas violentas guerras civis (1918 no caso finlandês; 1922-23 no irlandês), consolidaram os seus regimes democráticos republicanos, embora o primeiro tenha estado em risco durante as duas guerras com a URSS (1940 e 1941-44), esta última aproveitando o ataque da Alemanha nazi a esta.

Após a 2ª guerra mundial, os partidos social-democratas nórdicos e os trabalhistas britânicos nacionalizaram os setores estratégicos da economia, adotaram medidas de justiça fiscal, aumentando a progressividade dos impostos sobre os rendimentos, e encetaram um conjunto de importantes reformas sociais, que criaram o chamado Estado do Bem-Estar, com serviços públicos de saúde e educação universais e gratuitos, a par com generosos sistemas de pensões, subsídios de desemprego e de doença e outras medidas de proteção aos mais desfavorecidos. A existência de sindicatos fortes e emprego com direitos permitiu, igualmente, uma regular subida dos salários e a melhoria das condições de trabalho.

Se, no Reino Unido, a resistência dos setores mais conservadores da burguesia e da aristocracia não permitiram aprofundar a obra social do governo de Atlee (1945-50), que teve em Beveridge o grande obreiro, nos países nórdicos os social-democratas mantiveram-se no poder e puderam continuar esse aprofundamento, que teve como consequências a promoção de uma maior igualdade social e o tornar, então, a pobreza residual nessas sociedades.

Contudo, a chegada de Margaret Thatcher ao poder em 1979 marcou o início da viragem neoliberal no Reino Unido e o início da destruição de grande parte do Estado Social britânico. Esta estendeu-se ao resto da Europa e atingiu os países nórdicos no início dos anos 90, em especial após o assassinato, ainda hoje não explicado, de Olof Palme, “pai” do modelo sueco de social-democracia avançada e então primeiro-ministro do país, em 1986.

Comportamento eleitoral muito marcado, no caso do Reino Unido, pelo Brexit

Vejamos, agora, o seu comportamento eleitoral, muito marcado, no caso do Reino Unido, pela questão do Brexit. E, dado o peso do país no conjunto da região (mais de 56% dos seus MEP), a sua votação influencia, em muito, os resultados globais desta.

Aqui, o maior número de lugares no PE ficou repartido entre o RE e o EFDD, que obtiveram, cada qual, 22,3% dos mandatos. Até agora, tinham, respetivamente, 9,2 e 13,8% daqueles.

Começando por este último, tal deveu-se ao bom desempenho do BP, de Nigel Farage, o mais votado no Reino Unido, com 30,5% dos votos, o que lhe valeu a eleição de 29 parlamentares. O mais curioso é que, concretizando-se o Brexit, a sua razão de existir, o grupo fica aqui reduzido a zero.

Já a grande subida dos liberais se fica a dever à excelente prestação dos LD britânicos, que agregaram grande parte do voto “remainer”. Mas também os ajudou o crescimento registado na Dinamarca, que compensou as ligeiras perdas da Finlândia.

Os social-democratas caíram de primeira para terceira força política da área. A quebra dos trabalhistas britânicos contribuiu muito para a diminuição do peso do S&D nesta região, a que se somaram a pequena descida na Suécia e a perda de representação na Irlanda.

Seguiram-se os Verdes, que obtiveram 14,6% dos lugares, quando, até agora, se ficavam pelos 9,2%. Essa subida do G/EFA foi fruto do seu grande resultado no Reino Unido, consequência da subida do GP e dos bons desempenhos dos nacionalistas escoceses e galeses, pelas mesmas razões dos liberais: a captação do voto “remainer”, a que se soma a já referida preocupação com as alterações climáticas. Esta foi acompanhada pela forte subida registada na Irlanda, que compensou a baixa ocorrida na Suécia.

Ao contrário do que sucedeu no resto da UE, a esquerda manteve inalteradas as suas posições, mantendo-se com 6,2% dos mandatos atribuídos a esta região e sem alterações no número de lugares nos países que a constituem, já que, na Irlanda, a queda do SF foi compensada pela eleição de elementos dos I4C.

Só depois vem o PPE, que se mantém com 10,8% dos eurodeputados atribuídos a esta zona do continente, onde nunca foi muito forte, a partir do momento em que os conservadores britânicos deixaram o grupo e criaram o ECR. Por outro lado, tendo sido formado em torno de partidos democrata-cristãos, de inspiração católica, nunca penetraram bem na Europa nórdica protestante, apesar de os respetivos homónimos, ainda hoje muito ligados às igrejas protestantes e, por isso, mais conservadores, mas menos fortes, terem aderido ao grupo. Mas a sua principal força, aí, são as formações liberal-conservadoras. Manteve a sua posição, pois a subida na Suécia compensou a perda dos seus dois elementos britânicos. Se houver Brexit, poderá ganhar mais um lugar na católica Irlanda, onde é mais forte.

De registar, ainda, a queda do ECR, que era a segunda força política da área, com 21,5% dos lugares e agora não foi além dos 5,4%. Algo que resultou da enorme descida dos conservadores britânicos e da saída dos partidos da extrema-direita dinamarquesa e finlandesa para o ID, que a subida na Suécia foi incapaz de colmatar.

Este último manteve o mesmo peso percentual (2,3%), já que a entrada daqueles partidos compensou a perda dos mandatos dos dissidentes do UKIP no Reino Unido.

Por fim, os não inscritos ficam, para já, reduzidos à representante do DUP, da direita radical protestante norte-irlandesa, o que corresponde a um peso percentual residual de 0,8%. Até agora, era de 2,3%, devido à presença de alguns MEP britânicos independentes.

Aqui, o resultado mais significativo é a descida do S&D, em grande parte devido á ambiguidade da posição do Labour relativamente ao Brexit, apesar de, em geral, terem conseguido conter a decadência nos países nórdicos, ao contrário do que sucedeu na Europa Ocidental e parte da Meridional.

Já a subida dos liberais e dos verdes constitui um contraponto daquela, pelas razões que acima referimos, igualmente relacionadas com o Brexit, embora no caso destes últimos esteja em linha com a trajetória de crescimento ocorrida nas regiões mais ricas da UE.

À direita, a troca de posições entre ECR e EFDD resulta, em grande parte, da captura, por parte do Brexit Party (BP) de Farage, de muitos eleitores conservadores.

Um dado importante desta consulta é que não é possível tirar ilações claras sobre a posição dos eleitores britânicos face ao Brexit, a não ser constatar a grande divisão da sociedade quanto à questão. Na verdade, os resultados de todos os partidos apoiantes daquele (BP, Conservadores, UKIP, os norte-irlandeses unionistas DUP, TUV e UUP, mais pequenos partidos de extrema-direita e extrema-esquerda) somam 44,2%. Já os adeptos do “remain” (LD, Verdes, Change UK, os nacionalistas escoceses do SNP e galeses do PC-PW, os nacionalistas norte-irlandeses do SF e do SDLP, bem como o moderado APNI, do mesmo território, a par com pequenas formações centristas), cifram-se em 41,3%.

Logo, e descontando a percentagem residual (0,8%) de pequenas formações e independentes cuja posição na matéria desconhecemos, a chave está no eleitorado do Labour (13,7%), que se encontra dividido face à questão, restando saber de que forma. Sondagens recentes mostravam que 2/3 destes eram contrários ao abandono da UE, mas é muito provável que muitos deles tenham votado, agora, em forças políticas favoráveis à permanência, pelo que pouco podemos inferir daí. Se levarmos em conta que apenas cerca de 37% dos eleitores foram às urnas, só podemos concluir que uma sondagem bem elaborada será um indicador mais consistente que este ato eleitoral.

Finalmente, e voltando ao conjunto da região em análise, verificamos que os países nórdicos são tradicionalmente eurocéticos, embora a maioria do eleitorado tenha votado, maioritariamente, em formações pró-UE. Contudo, estas não são, em geral, tão entusiastas da União como as suas congéneres da Europa Ocidental.

As razões deste euroceticismo radicam, por um lado, no facto de serem países ricos, que pagam mais para a UE do que aquilo que recebem, e, por outro lado, porque uma grande parte da opinião pública considera que as políticas europeias, e em especial o euro, são uma ameaça aos seus Estados Sociais, que, apesar dos ataques que têm sofrido, ainda são os mais robustos do continente. O aumento da imigração, também aqui muito aproveitado pela extrema-direita, é outro fator que reforça o discurso nacionalista e soberanista.

No caso britânico, a tradicional desconfiança face ao continente, alguma nostalgia do passado imperial, o facto de a legislação europeia colocar em causa a soberania do Parlamento de Westminster e de o seu caráter regulatório se opor ao tradicional liberalismo britânico, a responsabilização da UE pelas políticas de desindustrialização (na verdade, iniciadas pela eurocética Margaret Thatcher), de abandono das pescas e austeritárias, que custaram a perda de milhares de empregos, a par com a oposição à imigração são os principais fatores explicativos do Brexit.

Artigo de Jorge Martins

No próximo texto, concluiremos a análise dos resultados eleitorais por regiões geopolíticas da UE, com a análise da Europa Central, Oriental e Estados bálticos.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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