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Regiões geopolíticas da UE, a Europa Meridional

O predomínio dos socialistas, apesar das perdas sofridas, e a presença de uma esquerda historicamente forte, muito acima da média da UE, resultam das desigualdades sociais que predominam nesta região do continente. Por Jorge Martins
Regiões geopolíticas da UE, a Europa Meridional
Regiões geopolíticas da UE, a Europa Meridional

Rescaldo das Europeias (6): o novo Parlamento Europeu (V)

Vamos, agora, proceder à análise da Geografia Eleitoral da União Europeia (UE) após estas eleições, complementando a análise que fizemos sobre os grupos políticas para a legislatura que agora se inicia.

Para o efeito, dividimos esta em quatro grandes regiões geopolíticas, de acordo com as suas caraterísticas físicas, socioculturais, socioeconómicas e políticas:

1) Europa Mediterrânica (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Chipre e Malta);

2) Europa Ocidental (França, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Alemanha e Áustria);

3) Europa Setentrional e Ilhas Britânicas (Irlanda, Reino Unido, Dinamarca, Suécia e Finlândia);

4) Europa Central, Oriental e Estados Bálticos (Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Eslovénia, Croácia, Roménia e Bulgária).

Para explicarmos melhor os seus diferentes comportamentos eleitorais, enriqueceremos a nossa exposição com uma exposição das características físicas e humanas de cada uma delas, com destaque para as suas condições de clima, relevo, solo e subsolo, bem como os principais aspetos demográficos, socioculturais, socioeconómicos e histórico-políticos.

A Europa Meridional

Estamos em presença de uma região maioritariamente de clima mediterrânico, com invernos suaves e húmidos e verões quentes e secos.

É, na sua maioria, uma zona de relevo acidentado ou planáltico. As áreas planas situam-se nos vales aluviais de alguns rios mais importantes e junto ao litoral.

Se somarmos a pobreza da maioria dos solos, não são, em geral, regiões de grande fertilidade agrícola, à exceção dessas planícies de aluvião.

Por isso, a sua densidade populacional é bastante variada. As áreas litorais, onde se encontra a maioria dessas áreas planas férteis e onde havia condições favoráveis às trocas comerciais, são aquelas onde se concentrou a maioria da população e, por isso, as que mais se industrializaram. Ao invés, os planaltos, as áreas montanhosas e as regiões mais secas do interior apresentam uma crescente escassez de ocupação humana.

Do ponto de vista sociocultural, são países maioritariamente católicos (Portugal, Espanha, Itália e Malta) ou ortodoxos (Grécia e Chipre), sendo que estes últimos estiveram submetidos ao Império Otomano, muçulmano, até ao séc. XIX. A influência da Igreja Católica, em especial da Inquisição, o carácter imobilista do Islão otomano ou a promiscuidade entre a Igreja Ortodoxa grega e o poder político, em geral com os meios nacionalistas e reacionários, levaram a que o conservadorismo fosse, durante muito tempo, a marca destas sociedades.

A nível socioeconómico, foram, durante muito tempo, áreas pouco industrializadas, à exceção do norte de Itália, de algumas zonas da Catalunha e do País Basco e das capitais. Eram países pobres e extremamente desiguais, onde uma burguesia parasitária e rentista prosperava à custa da maioria da população.

Essa circunstância levou ao aparecimento de um aguerrido movimento operário, embora territorialmente muito limitado às áreas urbanas mais desenvolvidas e às zonas de maior industrialização.

Por outro lado, a brutalidade da exploração dos assalariados rurais por parte da burguesia rural terratenente levou ao aparecimento de fortes movimentos camponeses, que promoviam frequentes greves nas áreas onde predominava o latifúndio.

Só após a adesão à UE, e aproveitando os fundos estruturais, conseguiram aceder a patamares de desenvolvimento superiores, embora ainda abaixo da média da União.

Contudo, a entrada no euro sublinhou a dificuldade das respetivas economias se adaptarem a uma moeda sobrevalorizada, acentuando os seus desequilíbrios socioeconómicos. Por isso, foram as principais vítimas da impropriamente chamada crise “das dívidas soberanas”, tendo sido objeto de intervenções da famigerada “troika”. No sul da Europa, esta chegou primeiro à Grécia, depois a Portugal e, mais tarde, a Chipre. A Espanha foi objeto de um resgate bancário e tanto ela como a Itália só se salvaram da “troika” porque os elevados montantes necessários para resgatar duas economias de grande dimensão teria, muito provavelmente, levado ao fim da moeda única.

Se, até aos anos 70, era a região mais jovem do continente, com altas taxas de natalidade, a par de uma mortalidade infantil elevada, a situação alterou-se a partir de então.

O progressivo desenvolvimento económico e o aumento exponencial da urbanização tiveram como consequência uma rápida mudança de mentalidades, até aí muito fechadas e retrógradas, o que levou a uma rápida redução da natalidade. Por seu turno, a melhoria das condições sanitárias, de habitação e da alimentação, bem como a expansão das redes de cuidados médicos e da assistência materno-infantil reduziu enormemente a mortalidade infantil e aumentou a esperança média de vida.

Como corolário, a situação demográfica destes países inverteu-se e passaram a ter das populações mais envelhecidas da Europa. E a crise do início da década só ajudou a agravar a situação, devido ao aumento da emigração e à retração dos jovens casais em ter filhos.

A tradicional pobreza da região levou muitos dos seus habitantes a procurar uma vida melhor noutras paragens, mais ou menos longínquas. Assim, até aos anos 70/80, a emigração foi uma constante nestes países. A melhoria das condições de vida levou a que esta diminuísse, mas a crise económica do princípio desta década, que os afetou particularmente, levou a que as saídas voltassem, no período mais agudo da crise, aos níveis do passado.

Entretanto, a partir dos anos 80/90, começaram a ser atrativos para gente vinda de áreas do Globo mais pobres. Tornaram-se, então, igualmente, países de imigração.

A pobreza e as guerras em África e no Médio Oriente levaram a que se tornassem pontos de chegada ao continente europeu de um grande número de refugiados, que arriscam as suas vidas na travessia do mar Mediterrâneo. Portugal é a exceção, já que não é banhado por aquele, mas pelo oceano Atlântico. Este, com as suas vagas alterosas, os ventos e correntes no sentido norte-sul, torna bastante difícil a utilização dessa rota pelas frágeis embarcações em que se deslocam aqueles que, desesperadamente, querem chegar à Europa.

Do ponto de vista político, estiveram, durante grande parte do sec. XX, submetidos a ditaduras de direita, pelo que não possuíam grandes tradições democráticas. Assim, Portugal foi governado em ditadura durante 48 anos (1926-1974), na sua maioria debaixo do regime fascista conservador de Salazar; a Espanha durante 45, primeiro pela ditadura de Primo de Rivera (1923-31) e, após três anos de uma guerra civil sangrenta (1936-39), pelo regime igualmente fascista conservador de Franco; a Itália, sob o fascismo de Mussolini, que durou 23 anos (1922-45); a Grécia viveu a ditadura do general Metaxas (1936-41), a que se seguiu a ocupação nazi (1941-45), a guerra civil (1946-49) e, após um período de democracia “musculada”, a ditadura “dos coronéis” (1967-74). Já Chipre e Malta foram colónias britânicas, que se tornaram independentes em 1960 e 1964, respetivamente, sendo que, na primeira, uma guerra civil larvar entre cipriotas gregos e turcos (1963-74) levou a um golpe de Estado por parte dos primeiros e à invasão e ocupação de mais de 1/3 da ilha por tropas turcas, situação que se mantem desde 1974.

Por outro lado, dado o elevado nível das desigualdades sociais, os períodos de governação democrática caracterizavam-se, em geral, por uma instabilidade política e social crónicas, sendo frequentes as intentonas militares. Por isso, só após a queda dos regimes ditatoriais (em 1945, em Itália, em meados dos anos 70 em Portugal, Espanha e Grécia) estabilizaram os seus regimes democráticos, algo que em muito se deveu aos progressos socioeconómicos desde então verificados.

Passemos, então, à análise dos resultados eleitorais desta área.

O grupo socialista é o que consegue maior representação nesta região e estas eleições não foram exceção, embora tenha perdido alguns pontos. Assim, obteve aqui 30,9% dos lugares reservados a esta zona geográfica, contra 34,2% na legislatura que agora termina.

O S&D pagou caro a descida do PD italiano e, em menor grau, do PASOK (agora parte do KINAL) grego, que não foi compensada pela grande recuperação do PSOE e pelas pequenas subidas do PS português e do PL maltês.

Segue-se, a uma distância razoável, o PPE, que também sofreu um recuo significativo. De 25,4% dos mandatos da Europa do Sul antes, quedou-se agora pelos 21,0%. Para o efeito, o afundamento do PP espanhol e da FI italiana, de Berlusconi, a par com a estagnação da direita (PSD e CDS) em Portugal explicam essa descida dos “populares”, que a recuperação da ND grega foi insuficiente para travar.

Em terceiro lugar, surge, agora a extrema-direita do ID, que, de 3,3% passa para 15,5% dos eleitos nesta zona da Europa. Apesar de apenas contar aqui com uma força política, a Lega italiana, esta teve uma subida vertiginosa, como vimos no texto anterior, e, dado o elevado número de lugares atribuídos à Itália, o seu peso faz-se sentir, mesmo em solitário.

Depois, vem o grupo da esquerda, que, apesar de ultrapassado pelo anterior, possui alguma implantação na área. Como sucedeu um pouco por toda a UE, o peso percentual do GUE/NGL também se reduziu na região meridional. Assim, se antes era de 13,8%, agora passou a ser apenas de 9,9%. Para isso, contribuíram as quedas da UP, em Espanha, e a perda da representação em Itália, já que em Portugal, Grécia e Chipre, países onde é relativamente forte, ela se manteve inalterada em termos numéricos, apesar da inversão da relação de forças entre Bloco de Esquerda e PCP, no caso português.

Vem a seguir o EFDD, ou seja, o M5S italiano, que representava, no final desta legislatura, 7,7% dos MEP meridionais, percentagem que se mantem.

Com a adesão do Vox, o ECR vê a sua percentagem de lugares na área crescer, apesar da perda do seu lugar em Chipre, passando aquela para 5,0%, contra os 3,9% anteriores.

Aqui, o grupo centrista de Macron suscita pouca adesão e a RE fica-se pelos 4,4%, uma ligeira descida face aos 5,5% que os liberais detinham até agora, fruto das perdas dos mandatos em Portugal (onde o PDR de Marinho e Pinto, eleito em 2014 pelo MPT, teve um resultado residual) e em Itália.

Seguem-se os não inscritos, que representam 3,3% dos eurodeputados desta região e que devem crescer ligeiramente (de 2,8 para 3,3%). Nestes, incluem-se os nazi-fascistas da XA grega (que perderam um lugar) e os também gregos comunistas ortodoxos do KKE, a que se deverão juntar agora os independentistas catalães do Junts, de Puigdemont.

Por fim, o G/EFA surge em último lugar, tendo descido a sua representação, ao contrário do que sucedeu na Europa Ocidental e Setentrional, onde os Verdes registaram um grande crescimento. Isto ocorreu, fundamentalmente, devido à não reeleição do MEP do Compromís e à não entrada (para já) do BNG, em Espanha, não totalmente compensada pela eleição de um eurodeputado do PAN, em Portugal.

Como podemos ver, o predomínio dos socialistas, apesar das perdas sofridas, e a presença de uma esquerda historicamente forte, muito acima da média da UE, resultam das desigualdades sociais que predominam nesta região do continente, que as desastrosas intervenções da “troika” apenas vieram agravar.

Contudo, a simultaneidade da crise económica do início da década com o aumento da imigração e do afluxo de refugiados, em grande parte provenientes de países muçulmanos, facilitou a adesão popular ao discurso populista, xenófobo e islamofóbico, levando ao crescimento das várias correntes da extrema-direita, em especial à custa do PPE, tradicional representante do conservadorismo de matriz democrata-cristã presente na área. Apenas em Portugal e em Malta não possuem expressão significativa, embora em Chipre não tenham conseguido, igualmente, representação no PE, mas, aqui, apenas devido aos poucos lugares que cabem ao país.

Por fim, a fraqueza dos liberais e dos verdes é explicada por estarmos em sociedades ainda algo conservadoras e só recentemente mais urbanizadas.

O liberalismo económico não colhe, porque a pobreza e as desigualdades ainda são significativas e, não apenas os mais pobres, mas também uma parte significativa das classes médias necessita da intervenção do Estado para ter acesso a serviços públicos essenciais e a alguma redistribuição da riqueza. Por outro lado, a maioria da burguesia é rentista e necessita do Estado e de fazer negócios à custa deste para prosperar.

Já as preocupações ambientais, embora digam respeito a todos, são consideradas mais prioritárias por setores das elites urbanas mais jovens e, em geral, mais prósperas. Aqueles cujas necessidades primárias não estão totalmente satisfeitas não dão grande primazia à sustentabilidade ambiental e, infelizmente, ainda há um número apreciável de pessoas nessa situação na Europa Mediterrânica. A acrescentar a isso, o facto de a urbanização em alguns destes Estados ter sido tardia e estarmos, por isso, em presença da primeira geração maioritariamente urbana, mais aberta em termos de costumes e mais sensível aos problemas ecológicos.

No fundo, se a maioria da sua população ainda é claramente pró-UE e favorável à manutenção no euro, a verdade é que as políticas austeritárias impostas pela “troika” puseram a nu a iniquidade das chamadas “regras europeias” e fizeram crescer, se não o euroceticismo radical, pelo menos as reservas em relação ao processo de integração europeia e à forma como se vai desenrolando.

Artigo de Jorge Martins, para esquerda.net

No próximo texto, continuaremos a análise dos resultados eleitorais e da composição do novo Parlamento Europeu por regiões geopolíticas da UE, com a análise da Europa Ocidental.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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