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Badiou, o filósofo comunista contra “o amor securitário”

Quando um velho filósofo comunista se depara com a sua cidade cheia de anúncios de um site de encontros o que pensa disso? Este é a provocação inicial de que parte o livro “O elogio ao amor” de Alain Badiou de que traduzimos um excerto em que defende que “é preciso reinventar o risco e a aventura, contra a segurança e o conforto”.
Alain Badiou em março de 2009.
Alain Badiou em março de 2009. Foto de Michael Allan/Flickr.

Num livro que se tornou célebre, “De que é Sarkozy nome?”, defende que “o amor deve ser reinventado mas também simplesmente defendido porque está a ser ameaçado por todos os lados”. Ameaçado de quê? E em que sentido os antigos casamentos combinados se revestiram com novas vestes hoje em dia? Creio que uma publicidade recente de uma página de encontros pela internet mexeu particularmente consigo...

É verdade, Paris foi coberto de anúncios da página de encontros Meetic, cujos títulos me interpelaram profundamente. Posso citar alguns dos slogans desta campanha publicitária. O primeiro dizia – e trata-se do desvio de uma citação do teatro – “Tenham o amor sem o acaso!” E depois havia outro: “pode-se ficar apaixonado sem cair na paixão!” Logo, nenhuma queda, não é? E depois havia também: “podem perfeitamente apaixonar-se sem sofrer!” E tudo isto graças à página de encontros Meetic... que vos propõe ainda – a expressão pareceu-me bastante notável – um “coaching amoroso”. Terão assim um treinador que vou preparará para enfrentar a provação.

Penso que esta propaganda publicitária se inscreve numa conceção securitária do “amor”. É o amor seguro contra todos os riscos: terão o amor, mas terão calculado tão bem o vosso caso, terão pré-selecionado tão bem o vosso parceiro teclando na Internet – terão evidentemente a sua foto, os seus gostos em detalhe, a sua data de nascimento, o seu signo astrológico, etc. – que no final desta imensa combinação poderão dizer: “com todo isto, vai funcionar sem riscos!” E isto, é uma propaganda, é interessante que a publicidade se faça neste registo.

Ora, evidentemente, estou convencido que o amor, enquanto gosto coletivo, enquanto, para quase todo o mundo, a coisa que dá à vida intensidade e significado, penso que o amor não pode ser este dom atribuído à existência num regime de ausência total de riscos. Isto parece-me um pouco como a propaganda que fazia em dado momento o exército americano sobre a guerra com “zero mortes”.

Haveria segundo você uma correspondência entre a guerra “zero mortos” e o amor “zero riscos”, da mesma maneira que existe, para os sociólogo Richard Sennett e Zygmunt Bauman, uma analogia entre o “não te contrato” que diz o agente do capitalismo financeiro ao trabalhador precarizado e o “não me envolvo” que diz ao seu ou à sua parceira o “amante” desligado num mundo em que os laços se fazem e desfazem em benefício de uma libertinagem cosy e consumista?

Isso tudo, é um pouco o mesmo mundo. A guerra “zero mortos”, o amor “zero risco”, sem acaso, sem encontro, vejo nisso, com os meios de uma propaganda geral, uma primeira ameaça ao amor a que chamarei a ameaça securitária.

Ao fim e ao cabo, não anda longe de ser um casamento combinado. Não o é em nome da ordem familiar feito pelos pais despóticos, mas em nome de um securitarismo pessoal, por um arranjo prévio que evita todo o acaso, todo o encontro e finalmente toda a poesia existencial, em nome da categoria fundamental da ausência de riscos.

A seguir, a segunda ameaça ao amor, é negar-lhe toda a importância. A contrapartida desta ameaça securitária consiste em dizer que o amos é apenas uma variante do hedonismo generalizado, uma variante das figuras do gozo. Trata-se de evitar qualquer provação imediata, qualquer experiência autêntica e profunda da alteridade no qual amor está entrelaçado.

Acrescentemos ainda que, nunca sendo o risco eliminado de vez, a propaganda do Meetic, como a dos exércitos imperiais, consiste em dizer que o risco será para os outros! Se estiverem, vocês, bem preparados para o amor, segundo os cânones do securitarismo moderno, saberão mandar o outro dar uma volta, se não estiver conforme ao vosso conforto. Se ele sofre, problema dele, não é? Ele não está na modernidade.

Da mesma forma que o “zero mortos” é para os militares ocidentais. As bombas que lançam matam muitas pessoas que têm o azar de morar naquela zona. Mas são afegãos, palestinianos... Não são modernos. O amor securitário, como tudo em que a norma é a segurança, é a ausência de riscos para aquele que tem um bom seguro, um bom exército, uma boa polícia, uma boa psicologia do gozo pessoal e todo o risco é para aquele com que este se depara.

Já repararam que em todo o lado vos explicam que as coisas de fazem “para vosso conforto e segurança”, desde os buracos da calçada até aos controlos da polícia nos corredores do metro. Temos aí dois inimigos do amor, no fundo: a segurança do contrato de seguro e o conforto dos gozos limitados.

Haveria então uma espécie de aliança entre uma conceção libertária e uma conceção liberal do amor?

Creio com efeito que o liberal e o libertário convergem para a ideia de que o amor é um risco inútil. E que se pode ter de um lado uma espécie de conjugalidade preparada que se desenrolará do doçura do consumo e do outro arranjos sexuais agradáveis e cheios de gozo, poupando na paixão. Deste ponto de vista, penso realmente que o amor, no mundo tal como ele está, preso neste abraço, neste cerco, e que está neste sentido ameaçado. E creio que é uma tarefa filosófica, entre outra, defendê-lo. O que pressupõe, provavelmente, como dizia o poeta Rimbaud, que é preciso também reinventá-lo. Isto não pode ser feito na defensiva pela simples conservação das coisas. O mundo está, com efeito, cheio de novidades e o amor deve também ser tomado nesta inovação. É preciso reinventar o risco e a aventura, contra a segurança e o conforto.

O Elogio do Amor é a transcrição de um diálogo entre o filósofo Alain Badiou e o jornalista Nicolas Truong.

Tradução de Carlos Carujo

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