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O Zé Mário conhecia tão bem o Zeca que se permitiu fazer o que fez no Cantigas do Maio

Cinco ou seis da manhã de 23 de Fevereiro de 1987, saímos de carro de Azeitão de casa do Zeca, eu o Zé Mário e o Henrique em direcção ao Fora de Moda em Setúbal para começar a preparar o velório e o funeral do Zeca. À saída de Azeitão, frente à Quinta das Torres, um individuo meão de idade pedia boleia. Ensimesmado com conversa e pensamentos, o Henrique não parou e de pronto o Zé Mário comentou oportunamente: “não paraste porque o Zeca não vinha connosco, senão tinhas parado”.
Percebi, percebemos, que não era um remoque. Era apenas a constatação da natural exigência que, sabíamos todos, o Zeca faria como era normal. O Zé Mário conhecia o Zeca muito bem. Tão bem conhecia como entendia e respeitava o Zeca, que se permitiu fazer o que fez na produção e gravação do Cantigas do Maio.
O Zé Mário terá seguramente, nos próximos tempos, quem pela proximidade e conhecimento nos lembrará e ensinará muito sobre a valia artística (não disse musical de propósito) e humana do Zé Mário. É sempre assim quando os media dão tempo por morte que recusaram ou esqueceram em vida.
Como não tenho pretensões de discorrer sobre esse tema, por óbvia incapacidade minha, quero apenas recordar o que me disse uma vez o Zé Mário acerca da música do Zeca: “é uma questão de higiene ouvir toda a discografia do Zeca, e eu faço-o pelo menos uma vez por ano”.
Foda-se que tenha de ser tão duro passarmos a ter mais uma discografia para ouvir todos os anos, por questão de higiene.
* Carlos Guerreiro - músico e construtor de instrumentos musicais; um dos fundadores do grupo Gaiteiros de Lisboa; fez parte do Grupo de Acção Cultural (GAC) com José Mário Branco, entre outros.
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